Falta planejamento na serra

Diário do Nordeste - 27/02/2008
O processo construtivo é quase tão complexo quanto o ambiente natural, pois envolve uma cadeia de infra-estrutura para a sua execução e, depois, para a manutenção. A natureza, por sua vez, necessitou de milhares de anos de evolução até atingir o seu clímax, que é, ao mesmo tempo, o ponto de maior exuberância e de maior vulnerabilidade. É claro que há possibilidades de regeneração, mas estas não são infinitas.

Voltando o olhar para a cidade serrana de Guaramiranga, uma multiplicidade de empreendimentos uni e multifamiliares, assim como de finalidade hoteleira e de recreação e lazer, prolifera por todos os espaços. Mas existe uma limitação, imposta pela natureza, assegurada por lei e, ainda assim, desafiada pelo ser humano.

O arquiteto Fausto Nilo lembra que o poder atrativo põe em risco um sistema muito limitado. Para ele, a água e o transporte de cargas são os grandes limitadores do crescimento naquela região. ´E, quanto mais compartimentada for a ocupação, maior a sobrecarga´, complementa.

O arquiteto destaca que nunca foi feito um planejamento ambiental estratégico da área, o que poderia gerar inúmeras possibilidades de uso sustentável, conforme a característica da Unidade de Conservação (UC) Área de Proteção Ambiental (APA). ´Sem isso, as interpretações da lei são muito generalizantes, com muitos achismos´, declara.

´O propósito não é impedir o desenvolvimento, mas considerar as condições locais, verificando corretamente o que pode ser feito e onde. Para isso existem indicadores universais. Esse é um passo pró-ativo, que mostra a medida de possibilidade de uso´, defende. Além das construções massificadas, Fausto Nilo lembra que as culturas agrícolas têm contribuído muito para a redução da cobertura vegetal.

Para o arquiteto, só se poderia permitir a construção de ´segunda residência´ em Guaramiranga com limitação demográfica. Para isso, ele acredita que equipamentos de hotelaria, como resorts, que se caracterizam pela baixíssima densidade e grande aproveitamento do ambiente em seu estado natural, seriam as melhores possibilidades.

Áreas desprotegidas

Francisco Gessivaldo Costa - que está fazendo una análise geoambiental com aplicação de geotecnologias na delimitação e mapeamento das áreas degradadas da Serra de Baturité , no Mestrado em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) - acredita que o estabelecimento da APA acima da cota de 600 metros deixa muitas áreas desprotegidas. ´A APA deveria incluir toda a serra e ser respeitada´, afirma, destacando a fragilidade das encostas.

A promotora Maria Jacqueline Faustino de Souza, que integra a comissão formada pela Procuradoria Geral da Justiça (PGJ) para acompanhar o caso, destaca que o próximo passo do Ministério Público Estadual (MPE) será convocar uma reunião com a Prefeitura e a Câmara Municipal de Guaramiranga para discutir o que é possível fazer. ´Regras para controlar o uso e a ocupação do solo, que devem partir da instância municipal, valorizariam a região e todos ganham´, avalia.

Nascido em Guaramiranga, o promotor público de Eusébio, José Evilázio Alexandre da Silva, que é especializado em Direito Ambiental, deu entrada em representação, na PGJ, em junho de 2007, com o intuito de conter o avanço da construção desordenada na serra:

´Todos os que tinham o dever legal estavam se omitindo, principalmente o município. Cerca de 500 imóveis estão em construção na serra, sem contar quem licencia X e faz 2X ou licencia num ponto e constrói noutro. Eu - que cresci tomando banho em olhos d´água - vejo a serra perdendo a identidade. Não faz mais o mesmo frio, não tem mais névoa, já existe até favela. O que se quer é construir a baixo custo e vender por preços altíssimos. O meu interesse em preservar a serra foi mal interpretado. Disseram até que eu tinha interesse político e sofri ameaças´, conta.

Nomes idênticos

O Condomínio Monteflor, que teve foto publicada na página de Gestão Ambiental do dia 20 de fevereiro, não tem procedimento no Ministério Público Estadual (MPE). Outro condomínio, homônimo, citado na matéria, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPE, para aquisitação de área contígua, destinada ao refúgio de animais e redução do número de unidades, entre outros pontos. Ele teve o EIA/RIMA aprovado pelo Coema, com emissão de Licença Prévia pela Semace.

NÃO HÁ RESERVATÓRIOS
Oferta de água é fator limitante

O maior impacto do desmatamento na região serrana do Maciço de Baturité - seja para construções, seja para atividades agropecuárias - está na garantia da oferta de água para as próprias cidades: Aratuba, Guaramiranga, Mulungu e Pacoti. Essa informação parte do presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Francisco José Coelho Teixeira.

´A mais prejudicada com esse processo de ocupação é a população do próprio Maciço´, explica o presidente da Cogerh, lembrando que, no período de estiagem, já há racionamento na região.

´Sem exceção, nas cidades que estão em cima da serra, o abastecimento se dá através de nascentes ou poços cavados nos aluviões (margens de riachos) e o aumento populacional, mesmo sazonal, faz com que os recursos hídricos da região sejam cada vez mais reduzidos´, informa.

E completa: ´Vai chegar a um ponto que, mesmo esses empreendimentos imobiliários, não terão água para o próprio abastecimento. Um condomínio com 80 casas é uma cidade. E como ficam o consumo de água, o tratamento do esgoto e a coleta do lixo?´, questiona.

Para o sistema que abastece a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), ligado à bacia do Rio Pacoti, que parte da serra, o impacto seria maior na qualidade da água, segundo Francisco Teixeira. Ele explica que o desmatamento das áreas de nascentes tem uma série de conseqüências, não apenas levando à extinção de algumas delas, pela mudança nas características locais, mas aumentando a erosão, assoreando rios e açudes e, conseqüentemente, reduzindo sua capacidade e aumentando a turbidez da água.

Somados à carência de infra-estrutura sanitária - coleta de esgotos e de lixo - pelas próprias condições geográficas da região, a qualidade da água que chega ao primeiro reservatório à jusante da serra, o açude Acarape do Meio, já foi afetada. A constatação está na tese de doutorado da pesquisadora Irla Vanessa Andrade de Sousa, defendida no Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), que analisou a qualidade das suas águas do reservatório.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Qualidade da água já está comprometida

Irla Vanessa Andrade de Sousa
irla.vanessa@bol.com.br
Engenheira Civil e Doutora em Recursos Hídricos

Um dos principais problemas que têm surgido, com a forte atividade de urbanização que se desenvolve na serra de Guaramiranga, se relaciona com a degradação ambiental daquela região, notadamente nas questões que envolvem a qualidade de água.

Como se sabe, naquele local não há uma infra-estrutura adequada, principalmente nas questões de saneamento básico, capaz de absorver crescimento.

Com isso, os principais mananciais hídricos da região vêm recebendo cargas poluentes com valores acima de suas capacidades para que haja uma depuração adequada. Um exemplo típico é o reservatório Acarape do Meio.

Na pesquisa do doutorado, na Universidade Federal do Ceará, pude constatar que o açude tem recebido um forte aporte de cargas poluentes, oriundos de contribuições de cidades localizadas acima deste corpo hídrico.

Estas fontes de poluição são de naturezas pontuais e difusas, compreendendo lançamento de esgotos das cidades com sistema de tratamento deficitário ou sem qualquer sistema de tratamento, como é o caso de Palmácia. As fontes difusas são provenientes, também, de atividades agrícolas, principalmente o cultivo de banana e milho.

Como conseqüência, a qualidade das águas do citado açude encontra-se em processo de degradação, causado pelo aumento de lançamentos de agentes poluidores, aumento das atividades urbanas e rurais da região.
UC:APA

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