O engenheiro agrônomo Roberto Ricardo Vizentin é conhecido por não ser comedido com palavras. É capaz de falar horas sobre suas paixões na área ambiental. A reportagem de ((o))eco o procurou para fazer um balanço sobre os três anos em que esteve à frente do Instituto Chico Mendes, órgão responsável pela gestão das 320 unidades de conservação federais existentes no país.
Nessa entrevista, concedida em julho, Vizentin conta do plano para melhorar a eficiência na gestão das UCs federais e afirma que a questão ambiental perdeu força no âmbito político-partidário, inclusive no PT, seu próprio partido, que já teve em seus quadros ambientalistas de peso, como Marina Silva. Ele critica a ausência de uma política de desenvolvimento regional, e diz que nenhuma medida pontual vai resolver os problemas da área ambiental sem o governo colocar a sustentabilidade no centro da política de desenvolvimento.
Leia a seguir a íntegra da entrevista.
((o))eco: Você assumiu a presidência do ICMBio em um momento de crise, mas sua saída e a transição foram mais tranquilas. Como vê esse processo?
Eu vejo como processo mesmo. Os desafios do Instituto são estruturais e se projetam em uma escala de tempo para além dos mandatos, não apenas dos seus dirigentes, mas dos mandatos dos próprios governos executivos. Eles incluem estruturar um órgão responsável pela gestão de 75 milhões de hectares, essa diversidade de categorias de unidades de conservação que nós temos, um quadro de servidores totalmente competentes e motivados, mas insuficientes para o tamanho da tarefa e com um subfinanciamento do sistema. Com recursos insuficientes.
Mas aí sempre vem aquela discussão, "mas vocês têm recursos extra orçamentários como, por exemplo, a compensação ambiental", e é verdade, é um dinheiro muito expressivo e muito importante. Mas até definir um modus operandi desse recurso...
((o))eco: Ele fica parado...
Ele não necessariamente fica parado, mas é executado numa escala muito menor do que a necessidade.
((o))eco: Como o senhor vê a alternância de poder no órgão?
Percebo no Instituto, em que pese as mudanças que aconteceram desde a sua criação, uma trajetória construtiva em relação a criar as condições para que cumpra plenamente o que está estabelecido em sua missão, que é proteger o patrimônio natural e criar as condições para o desenvolvimento socioambiental das unidades de conservação e dos espaços mais amplos em que elas se inserem.
Então, não acho que a gente tenha tido um sobressalto. Desde a ministra Marina [Silva], com a criação do Instituto, passando pelo ministro Minc e pela Izabella [Teixeira], vejo que esses ministros têm feito escolhas [para a gestão do ICMBio] com critério técnico-político. Mas todos os nomes, com toda modéstia do que nos diz respeito, foram nomes com perfil e com acúmulo teórico e prático capazes de contribuir para a estruturação do ICMBio. E todos os nomes, desde o primeiro presidente, o Rômulo [Mello], depois coube à Silvana Canuto a presidência interina, eu mesmo e o [Cláudio] Maretti, foram todos acolhidos pelos servidores e tiveram legitimidade para cumprir esse mandato. Agora minha opinião definitiva é a seguinte: se nós não alcançarmos uma centralidade maior em termos de importância compreendida pelo conjunto do governo e pela sociedade que representam essas unidades de conservação, nós teremos muitas dificuldades de dar o salto qualitativo necessário. Não será com uma troca de dirigentes que nós o faremos.
((o))eco: Como é que se alcança isso?
Uma das estratégias que está em curso, mas que precisa ser aprofundada e ampliada, é aproximar a sociedade das unidades de conservação. Temos dito isso repetidamente e procurado encontrar medidas nesse sentido. Mas, sobretudo em respeito aos Parques Nacionais, que talvez seja a categoria de unidade de conservação para além das de desenvolvimento sustentável em que a população já tem um convívio. Os parques nacionais permitem que haja esse envolvimento, essa apropriação, essa presença e esse pertencimento à sociedade. Nós precisamos fazer muitos investimentos, em termos de infraestrutura, de logística e de pessoal. E nós não temos os meios para fazê-lo.
((o))eco: Vocês pesquisaram quanto o ICMBio precisa para que as unidades de conservação funcionem plenamente?
Sim, temos levantamentos e estudos que foram feitos desde a criação do Instituto, aprofundados mais recentemente, que nos dão uma noção precisa, clara, do que é necessário desde a fase de criação até a implementação e consolidação das unidades de conservação. Eu não tenho aqui os números, mas a gente pode perfeitamente repassar depois. Está tudo estimado, precificado.
Essa precificação passa pela regularização fundiária, mas também por infraestrutura e de pessoal. Em cada etapa do processo. A etapa prévia, de criação, de implementação, que envolve a elaboração de plano de manejo e locação de pessoal, e a consolidação, já com tudo elaborado, pessoal plotado e a necessária manutenção da infraestrutura instalada. Esse estudo existe para a Amazônia, mas serve para outras realidades.
((o))eco: Qual a avaliação sobre o estado das unidades de conservação, elas estão melhorando?
Se nós avaliarmos, e tem avaliação feita, com método, a realidade das unidades de conservação a época do Ibama e hoje, é inegável a evolução em termos de profissionalização da gestão. Mesmo de investimentos, nós temos um órgão específico para cuidar das unidades de conservação. Tudo isso são conquistas, avanços extraordinários. Então, eu diria, a despeito de todas as dificuldades, todos os problemas que nós temos, inclusive o que está associado à regularização fundiária, no conjunto, nós temos um sistema mais sólido do que tinha no passado.
Agora, como também entendemos, as unidades não estão isoladas dos seus contextos geográficos espaciais e territoriais, e como há uma transformação muito acelerada, com o avanço da fronteira agrícola e a expansão urbana, com uma alteração importante no que diz respeito à questão demográfica com o aumento da população, o ritmo aplicado no esforço de consolidação está aquém do que deveria, justamente pela precariedade dos nossos meios.
Os estudos, esses levantamentos, foram feitos com apoio de entidades, com ARPA, com o WWF, ou Conservation International. O WWF desenvolveu um método que avalia o estágio de implementação de unidades, assim como o próprio Tribunal de Contas da União, que fez um exaustivo levantamento mostrando todos os pontos críticos, mas sobretudo fazendo uma enfática defesa das unidades de conservação, reconhecendo os avanços e, sobretudo, recomendando ao núcleo central de governo mais atenção, mais recursos e mais prioridades para as unidades de conservação.
Veja bem, como nós temos clareza que não vamos conseguir uma condição diferenciada para melhor a curto prazo, então nós nos propusemos a olhar o universo das unidades de conservação com base em critérios, fizemos uma espécie de tipologia para eleger prioridades, já que não teremos nem recursos suficientes nem pessoas [gestores, analistas, técnicos] de acordo com a necessidade para todas as unidades. Então, aonde priorizar esses recursos humanos e financeiros? É um trabalho que nós iniciamos e certamente a nova gestão deverá concluir, se não o já concluiu. Nós não podemos tratar diferentes unidades como equivalentes, o que não significa em hipótese alguma desconsiderar a importância que todas têm e dizer que uma deve se sobrepor a outra. Mas a realidade nos impõe essa necessidade de fazer opções. Aí sim, há unidades que pelo tamanho, mais que pelo tamanho, pelos seus atributos naturais em relação a biodiversidade, espécie ameaçada, prestação de serviços ambientais e importância que elas possam ter para as populações tradicionais, devem ser consideradas mais importantes que outras. Devem ser consideradas prioritárias, melhor dizendo. E investir centralmente nessas unidades, inclusive com concentração de pessoal.
((o))eco: Mas vocês separaram por categoria?
Não, nós estabelecemos uma matriz de critérios, como por exemplo, quais os parques mais estratégicos do ponto de vista da visitação do uso público? Então, vamos investir nesses.
Em relação às reservas extrativistas, quais são aquelas que compõem um maior quantitativo de famílias? Nós temos uma meia dúzia de reservas extrativistas que tem mais de 5 mil famílias no seu interior. No Acre, na zona costeira marinha, no Marajó. Por exemplo, no Pará, temos a Reserva Extrativista Verde para Sempre e a Tapajós-Arapiuns. São enormes áreas protegidas com uma grande população que vive e depende dos recursos dessas áreas. Então, essas aí precisam ter prioridade. Não só na gestão ambiental mas também em infraestrutura, educação, saúde. E a gente sabe que sem essa infraestrutura nossos esforços não terão êxito.
((o))eco: Quantas unidades foram selecionadas como prioritárias?
Então, não concluímos, havia uma aproximação. Não concluímos porque ainda tinha que passar por uma depuração das instâncias do instituto e do próprio Ministério do Meio ambiente. Mas o trabalho foi feito e está sendo concluído e dá uma boa ideia da distribuição e de como elas poderiam ser inclusive integradas num determinado espaço, com equipes de gestão não por unidade, mas por grupos. Núcleos de gestão integrados. E nós já temos essa experiência, que coordena uma equipe para atender 3, 4, 5 unidades, ao invés de ter uma equipe para cada unidade. Tem sido uma experiência exitosa em alguns casos e a gente acha que poderíamos replicá-la.
((o))eco: Mas o número exato era mais de 20 UCs?
Sim, era mais de vinte. Eu falei dos parques, das reservas extrativistas, mas há também as unidades que contemplam grande número de espécies ameaçadas, que estão sendo protegidas dentro dessas unidades. Assim como têm áreas prioritárias para a criação, e pelo último diagnóstico que nós fizemos da fauna, está claríssimo que, ou a gente cria essas unidades para proteger essas espécies ou elas estão seriamente em risco. Então, a nossa priorização era também em relação a isso. Não só com aquelas que já foram criadas, mas também em relação às novas sendo criadas. E isso está tudo analisado, está tudo espacializado.
((o))eco: Tem algum na caatinga?
Tem na caatinga. Boqueirão da onça, por exemplo, foi nosso grande desafio.
((o))eco: Mas até hoje não saiu
Não saiu. Mas tínhamos algumas prioridades definidas junto com o Ministério do Meio Ambiente e a comunidade ambientalista: Boqueirão da Onça, Alcatrazes, Gandarela, que também foi criada. E unidades entre a transição da Caatinga com o Cerrado, como no caso do Boqueirão da Onça e a ampliação do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, estratégico pro Cerrado. Além de unidades no próprio Pantanal e no sul do Amazonas.
Por isso é muito importante o programa Terra Legal. Lá naquela região da BR 330, no epicentro de Apuí (AM), recebemos 5 milhões [de hectares] que foram repassadas para o ministério. Parte dessas áreas vão se converter em unidades de conservação e parte será possivelmente destinada a virar concessões florestais pelo Serviço Florestal. Sem necessariamente serem unidades de conservação. A criação dessas unidades que está como meta vai consolidar um corredor de proteção da floresta ombrófila densa, formando verdadeiramente aquilo que no macrozoneamento da Amazônia nós chamamos de corredor de contenção da expansão do desmatamento. Um grande cordão de contenção viabilizado não apenas pela criação física dessas unidades mas sobretudo pelo papel econômico que essas unidades vão desempenhar, porque muitas delas serão Florestas Nacionais, aptas ao manejo florestal, outras serão parques com grande potencial para o desenvolvimento futuro da região com base turística sustentável, e tem também reservas extrativistas que seriam criadas nesse pacote.
Nessas terras que recebemos do [programa] Terra Legal não há nenhuma sobreposição com Terra Indígena, nem com assentamento e nem com interesses inconciliáveis. O que há são conflitos com pretensões dos municípios, mas são conflitos conciliáveis. Tivemos toda uma negociação com os prefeitos da região, com as lideranças, com os agricultores e com os pecuaristas. E quando eu saí do instituto nós estávamos muito próximos de um acordo com um entendimento em que simbolicamente, todos, pela primeira vez, poderíamos subir a rampa do Palácio do Planalto para entregar uma proposta para a presidenta Dilma. Uma proposta de consenso entre o setor produtivo, conservacionistas, ambientalistas, Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Agricultura, não era apenas uma pretensão não. Era algo muito factível, real, fruto de uma maturação e de uma maturidade das lideranças da região também em relação a isso. Espero que isso se consolide.
((o))eco: Dentro dos estudos de áreas de conservação prioritárias, estão as marinhas?
Sim. Foi inclusive elaborado e aprovado um programa financiado com recursos do GEF, Banco Mundial, Petrobras, que é o GEF Marinho, e umas das prioridades é contribuir com os estudos, levantamentos, para indicar as prioridades para a criação de UCs do bioma marinho.
((o))eco: Existe esse estudo?
Tem o programa aprovado, com dinheiro. A Petrobras sozinha botou 20 milhões de reais nesse programa. E o fizemos com a participação direta do Ministério de Minas e Energia, Petrobras, Ministério da Planejamento e Banco Mundial. E o fizemos justamente para criar essas unidades de conservação marinhas dentro de um novo marco menos conflitivo.
Fizemos pensando nos interesses do setor de petróleo e gás, mineral, porque a nova fronteira mineral é nos oceanos e com envolvimento também das comunidades tradicionais, porque há nesse pacote a criação de reservas extrativistas costeiras e marinhas. O país tem os instrumentos em mãos para alcançar a meta de 10% de UCs marinhas até 2020. Depende muito de vontade política, não só da área ambiental, que aí tem de sobra, mas do governo como um todo, para poder chegar inclusive em Paris, na COP 21, resgatando seu papel histórico de protagonista mundial.
((o))eco: Se for como o acordo com a presidente assinou como Obama...
Vai ficar curto. Nós devemos ser muito mais ousados.
((o))eco: E o que falta?
Veja bem. O governo é formado por interesses e conflitos. O setor agrícola tem mesmo um papel importante na economia do país. Você não tem como instituir metas ousadas, sobretudo no que diz respeito ao controle de desmatamento, assumindo por exemplo o desmatamento ilegal zero, sem confrontar interesses e setores.
Para não sermos superficiais, não diz respeito só à agricultura tradicional de larga escala, embora essa seja a demandante maior de expansão da fronteira. Mas tem a ver também com a realidade da agricultura familiar e dos assentamentos. Porque para muitos assentamentos, não haverá viabilidade econômica se não houver algum desmatamento dentro da legislação. Por isso, eu particularmente não sou partidário da tese do desmatamento zero, mas o desmatamento ilegal zero deveria ser decretado imediatamente, em nome do código florestal. Então, foi verdadeiramente decepcionante o recuo que o governo brasileiro teve nessa negociação com o Obama, porque nós já havíamos avançado numa tentativa interna de debate com a opinião pública para a uma posição favorável no anúncio dessa meta. A sociedade brasileira apoiaria isso. Mas prevaleceram os interesses instalados num bloco um pouco mais abaixo do que eu gostaria de ver.
((o))eco: Mas a meta de restauração florestal anunciada é de 12 milhões de hectares, que é a metade do que o Código Florestal obriga.
Também aí. A minha opinião é a seguinte: as grandes prioridades políticas associadas ao futuro do país, ao seu desenvolvimento, estão despossuídas das bases para que esse desenvolvimento seja sustentável. Outra vez, pelo imperativo da crise econômica, avança-se para o crescimento econômico como uma condição para a superação da crise em detrimento dos nossos ativos ambientais. Eu acho uma lástima isso, mas o fato é que sem essas prioridades associadas à política ambiental, nós teremos muita dificuldade de manter a nossa posição de potência econômica e país megadiverso ao mesmo tempo. E que é uma condição especial e possível do Brasil. E se o governo tivesse anunciado a meta do desmatamento zero ilegal agora, nós já provamos por A + B, com Zoneamento Ecológico da Cana, e vários outros mecanismos, que nós podemos dobrar, triplicar a produção agrícola sem desmatar mais uma árvore. O Congresso tem os dados, a Embrapa já mostrou.
((o))eco: A visitação em Unidades de Conservação, embora tenha crescido, se concentrou em dois ou três parques de maior apelo turístico.
É isso mesmo. Lembra que em outra conversa com ((o))eco eu contestei a tese de que os parques estão fechados. Os parques não estão fechados. Mas, por aquelas razões de base: falta de regularização fundiária, de investimento e de pessoal, nós não conseguimos verdadeiramente abrir nesse sentido metafórico para que a gente tenha um fluxo maior de visitantes. Além disso, para muito dos nossos parques, o que se pretende em relação à visitação de órgãos públicos depende de uma logística voltada ao turismo que não está ao nosso alcance. Passa pela intervenção do Ministério do Turismo, do Ministério das Pequenas e Grandes Empresas, do Sebrae. Então, tudo isso nós temos buscado ao longo desses anos de ICMBio. Um empenho muito forte da ministra Izabella em fazer essa parceria com o Ministério do Turismo. O problema é que o próprio Ministério do Turismo é deficitário em termos de recursos orçamentários. E, mais do que isso, ai é um aspecto que eu valorizo muito e que eu acho que a gente precisa dar mais visibilidade: o enfrentamento desses atores da ampliação do uso público tem que estar inserido no contexto de um planejamento regional.
((o))eco: Como assim?
Nós não temos potência, a partir unicamente dos parques, das unidades de conservação, em alavancar e dinamizar esse desenvolvimento regional, inclusive com o turismo: tem que ter um planejamento integrado. Da infraestrutura, da logística, dos investimentos, da formação de profissionais na região, de apoio aos pequenos e médios empreendimentos, que formam a cadeia do turismo. Então, é ilusão achar que o ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente, fora de uma política de planejamento e de desenvolvimento regional, vão conseguir realizar esses fins atribuídos às unidades de conservação. E além da gente não poder fazer isso, acabamos sendo responsabilizados por uma situação que não depende só de nós.
O Brasil não tem uma política de desenvolvimento regional hoje. E sem essa política regional, as unidades de conservação não podem cumprir o papel de promoverem o desenvolvimento. Elas não têm escala, não têm potência pra fazê-lo. É uma via de mão dupla. Tem que ter a disposição, e nós temos, mas tem que ter um marco de uma política que eu não vejo.
((o))eco: Que política seria essa?
Nós devemos inquirir o Ministério da Integração Nacional, o Ministério do Planejamento, que são responsáveis pelo planejamento e perguntar qual, efetivamente, é o rumo que está sendo tomado, porque pelo que me consta, o último esforço de ter uma política de desenvolvimento regional nesse país foi feito na época do presidente Lula e do ministro Ciro Gomes [entre 2003 e 2006]. De lá para cá isso ficou subordinado, sombreado, pela lógica dos grandes planos de infraestrutura como o PAC e outros que estão ai. Você tem uma política, uma estratégia, mas ela está destituída de um fundamento necessário que é um marco de uma política de desenvolvimento regional. Então essa crítica extrapola as unidades de conservação para alcançar inclusive os grandes empreendimentos que estão sendo realizados no país.
Eu acho que a gente tem que falar para provocar, entendeu? Essa coisa do desenvolvimento, do planejamento das políticas públicas regionais. Senão, fica a lógica setorial, cada ministério faz o seu, mas sem uma plataforma que seria a política de desenvolvimento regional. Paralelo a ela, o governo havia realizado um grande esforço para estabelecer uma política nacional de ordenamento territorial. Então, a política nacional de ordenamento territorial e o desenvolvimento regional convergiam, se entrelaçavam, para estabelecer as bases territoriais e os meios necessários para pensar o país na sua totalidade. Mas essa política de ordenamento territorial também foi paralisada. Tudo supostamente em função de uma crença de que o investimento em infraestrutura por si promove o desenvolvimento regional e ordena a ocupação do espaço. É um paradigma ao meu modo de ver equivocado e que promove a ocupação do espaço geográfico no que diz respeito aos recursos naturais de forma aleatória e desordenada.
((o))eco: Na sua opinião, qual o principal problema ambiental hoje? Se tivesse que elencar uma prioridade, qual seria?
Stricto sensu, eu considero o desmatamento. Olhando principalmente para além da Amazônia, num olhar voltado principalmente para o que está acontecendo no cerrado brasileiro. Não haverá sustentabilidade no futuro se nós não interrompermos a trajetória de supressão da vegetação nativa. Porque ao fazê-lo, estamos comprometendo centralmente a nossa condição de país megadiverso.
No campo político, eu atribuo essa situação não apenas a uma cegueira do governo do chamado núcleo duro, mas também atribuo essa questão de insubordinação da lógica ambiental ao rebaixamento que a questão ambiental teve no âmbito dos partidos políticos. Houve um rebaixamento, e eu digo isso sobretudo olhando para o meu partido, o Partido dos Trabalhadores, que tem uma tremenda dificuldade em compreender o país a partir da sua realidade e da sua complexidade e potencial enquanto país megadiverso. Se isso é assim no PT, que teve uma Marina Silva e tantos outros ambientalistas de peso na opinião pública, parlamentares, secretários, imagina nos outros partidos? Seja de direita, de esquerda, de centro, de situação, de oposição, houve esse rebaixamento. Por outro lado, na sociedade e na academia florescem muitas correntes, muitos movimentos, muitas articulações em prol da sustentabilidade. Eu acho que, aí já olhando para além do governo, o nosso grande desafio no próximo período é rearticular essas forças políticas, sociais, intelectuais, culturais, que historicamente se constituíram num campo e em um pólo que nós aprendemos a denominar socioambientalista, e que hoje está muito fragmentado, separado. Esse campo não é partidário. Ele é plural, do ponto de vista ideológico partidário, mas é unificado em torno de uma clareza e de uma determinação de que não haverá futuro sem a superação da crise ambiental que está posta. Acho que ((o))eco por exemplo é um sujeito dessa campo, com seu tamanho, seu objetivo enquanto meio de comunicação que se propõe a ser uma voz crítica na sociedade brasileira.
Ou nós reconstruímos esse campo de forças políticas, culturais, sociais, econômicas, que passa pelo engajamento de trabalhadores, intelectuais, empresários e ambientalistas, ou do contrário nós vamos ser sempre suplantados pela lógica desenvolvimentista deste ou daquele governo.
http://www.oeco.org.br/reportagens/roberto-vizentin-os-partidos-politicos-rebaixaram-a-causa-ambiental/
Política Socioambiental
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