APA de Guapi-Mirim e Estação Ecológica da Guanabara, no Rio, atuam de forma integrada e dão exemplo de como gerir unidades de conservação
O barco desliza no espelho d´água da Baía de Guanabara, no Rio. Cruza com pescadores artesanais, passa entre currais (criadouros) de peixe, faz movimentos em várias direções. E nada. Mas o piloto não desiste. "Só vamos embora depois de ver eles", diz Adilson Fernandes, o Russo. E logo "eles" surgem no meio do mar, exibidos, dando o ar de sua graça.
"Eles" são os botos-cinzas da Baía de Guanabara. Até os anos 80, eram muitos. Entre 600 e 800, pelas contagens mais modestas. Podiam ser vistos com facilidade, nadando ao lado das barcas que fazem a travessia Rio-Niterói. Hoje, não passam de 35, segundo o Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), e estão confinados na última porção ainda preservada da baía, a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim e a Estação Ecológica (Esec) da Guanabara, unidades de conservação (UC) administradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
As duas unidades são fundamentais para a conservação da Baía de Guanabara e de seu entorno. Sem elas, o que resta de biodiversidade - manguezais, peixes, caranguejo-uçá, camarão, aves e os simpáticos botos - já tinha sumido em meio às toneladas de detritos lançadas ao mar todos os dias. "A APA e a Esec são o pulmão da baía, que, apesar de tudo, ainda respira", diz o chefe da estação ecológica, o analista ambiental Klinton Senra, que acompanhou equipe da assessoria de comunicação (Ascom) do ICMBio numa incursão ao local na tarde nublada de sexta-feira (29) passada.
Instituída por decreto federal em 1984, a APA de Guapi-Mirim foi a primeira unidade de conservação criada no país para preservar manguezais. Com 14 mil hectares, fica entre os municípios de Magé, Guapimirim, Itaboraí e São Gonçalo, na borda leste do recôncavo da Baía de Guanabara. Dentro dela, em 2006, foi fundada a Esec da Guanabara, com cerca de 2 mil hectares, para reforçar a proteção, já que estação ecológica é uma categoria de UC mais restritiva que APA.
Desde então, as duas unidades de conservação adotam a gestão integrada, um modelo que tornou-se exemplo de boas práticas na administração de UCs. "Mais que compartilhar recursos técnicos, materiais e financeiros, a gestão integrada significa o planejamento do território de forma estratégica, levando em conta as diferenças e complementariedades das unidades", explica Klinton. "E isso vem dando muito certo aqui", enfatiza.
Segundo ele, as duas unidades têm planos de manejo - "num nível de implementação bastante alto", faz questão de destacar - e conselhos gestores atuantes. Mas, na prática, é tudo uma coisa só. "Os planos se entrelaçam em seus objetivos e o conselho é o mesmo para a APA e a Esec", afirma o analista, ao ressaltar que a grande maioria dos conselheiros são oriundos das colônias e associações de pescadores e moradores da região.
O chefe da APA Guapi-Mirim, analista Maurício Muniz, também defende o modelo de gestão integrada das duas unidades. Ele frisa, no entanto, que, se vem dando certo na região, não significa que terá o mesmo resultado em outros locais. "Vai depender muito da realidade de cada lugar, das características das unidades", pondera.
Maurício lembra que, logo após a criação da Esec, pensou-se em fazer a gestão das duas unidades dentro do modelo tradicional, cada uma com sua sede, sua equipe, seus equipamentos. "Mas logo vimos que a saída melhor era a gestão integrada. E não tenho dúvidas de que acertamos em cheio. Isso tem facilitado enfrentar os nossos desafios que, em última análise, são os mesmos desafios da Baía de Guanabara".
O
Núcleo de Gestão Integrada (NGI) APA Guapi-Mirim e Esec da Guanabara funciona num prédio térreo, dividido em várias salas, com direito a uma pequena biblioteca, no km 12 da BR-493, no município de Guapimirim. O NGI dispõe de barcos, carros e outros equipamentos. No local, trabalham cinco analistas, dois técnicos ambientais e quatro colaboradores. A equipe é reduzida, porém não para.
Além de garantir a fiscalização das unidades, os gestores têm uma inserção muito grande na comunidade. Participam dos fóruns locais, dos comitês de bacias, do Comitê de Defesa da Baía da Guanabara. Mantêm articulações permanentes com os órgãos municipais e estadual de meio ambiente. Klinton, chefe da Esec, acumula o cargo de presidente do Mosaico Central Fluminense, conjunto de UCs municipais, estaduais e federais da região.
Foram os gestores do NGI que impulsionaram em 2008 a criação da Cooperativa Manguezal Fluminense. Na visão deles, era necessário aliar a conservação aos usos tradicionais do território. Hoje, a cooperativa reúne mais de 20 membros, a maioria pescadores, que vêm recebendo capacitação para desenvolver turismo de base comunitária e fazer reflorestamento.
Alaildo Malafaia participou da criação da cooperativa e hoje é colaborador do ICMBio. Na sala da biblioteca do NGI, ele fala, com desenvoltura, sobre o seu trabalho. "Quando eu era pescador, não sabia o valor disso tudo (o mangue). Aprendi com os técnicos toda a riqueza natural que há aqui ", diz. Quando não está nos manguezais, Malafaia atua como palestrante em oficinas, cursos e outros eventos promovidos pela APA e pela Esec junto às comunidades do entorno da baía. "Ele é o nosso manguezólogo", brinca Klinton.
Junto com o NGI, a Cooperativa Manguezal Fluminense toca o Projeto Uçá de recuperação do mangue, administrado pela ONG Guardiões do Mar. Nos últimos anos, foram recuperados cerca de 100 hectares de manguezal, um terço da área total já restaurada na APA e na Esec. O número é pequeno frente ao total de 12 mil hectares de manguezal nas duas UCs, mas é um caso de sucesso de integração da população tradicional na gestão e conservação.
O manguezal da APA sofre enormes pressões advindas do crescimento da zona metropolitana e empreendimentos no entorno. O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) está distante apenas 10 km. Os oito rios que deságuam na baía passam por dentro da APA e da Esec. Eles estão comprometidos pelo lançamento de esgoto in natura e poluição de cidades e fábricas no entorno. Porém, continuam essenciais para a pesca. "Quase todo o pescado que sai da Baía de Guanabara depende do Manguezal da APA. O ciclo de vida dos peixes ocorre inteiro, ou em parte, dentro da unidade de conservação", diz Klinton Senra. "O caranguejo consumido no estado é quase cem por cento extraído de dentro da Área de Proteção Ambiental".
Na sexta-feira, quando a equipe da Ascom do ICMBio esteve no local, os gestores recebiam a visita de estudantes de Biologia da Universidade Federal Fluminense. A analista ambiental Juliana Fukuda, da Esec, ciceroneava o grupo. Numa sala, dava explicações sobre o funcionamento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e, em especial, sobre as riquezas biológicas guardadas na APA de Guapirimin e na Esec da Guanabara. Depois, saiu com o grupo para uma visita em campo.
Na mesma hora, o NGI recebia, também, a visita do deputado estadual Flávio Serafini (PSOL), presidente de comissão especial da Assembleia Legislativa do Rio que discute soluções para a poluição da Baía de Guanabara.
Depois de percorrer com os seus assessores e o chefe da APA as unidades de conservação, o deputado, que também é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), admitiu que uma das propostas que deverá incluir no relatório final da comissão é a ampliação das áreas protegidas da baía. O documento será apresentado ainda este mês.
"Durante os nossos estudos e observações, detectamos a consolidação de uma importante experiência de recuperação ambiental da baía, que é a Área de Preservação Ambiental de Guapi-Mirim e a Estação Ecológica da Guanabara. E uma das recomendações do relatório será fazer uma reserva extrativista ou ampliar os limites da APA", adiantou ele.
Os botos-cinzas, que estão em extinção, assim como toda a fauna e flora protegidas pela APA de Guapi-Mirim e pela Esec da Guanabara, agradecem.
http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/8060-com-os-botos-na-baia-de-guanabara
UC:Geral
Related Protected Areas:
- UC Guapimirim
- UC Guanabara
As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.