A Mineração Rio do Norte (MRN) é a quarta mineradora em número de barragens no Brasil, segundo a Agência Nacional de Água. São 23 barragens em operação (21 localizadas no interior da Floresta Nacional Saracá-Taquera), 1 em construção e mais 9 previstas.
Uma das barragens encontra-se a apenas 400 metros do Quilombo Boa Vista. Mesmo assim, não existe um plano de emergência que oriente a população no caso de rompimento da estrutura. "Isso é uma ameaça, já pensou nós lá na Boa Vista dormindo e de repente... Precisamos estar preparados e não estamos", declarou Aildo Viana dos Santos, coordenador da Associação da Boa Vista. E Rosilda dos Santos, que também integra a coordenação da associação, complementa "E a minha casa que é do lado do igarapé? É um absurdo não considerar as comunidades".
Tão pouco os riscos e medidas de emergência foram estabelecidos para as comunidades ribeirinhas Boa Nova e Saracá, localizadas a cerca de 18 quilômetros das barragens TP1 e TP2 - classificadas como alto dano potencial associado. O Plano de Ação de Emergência dessas duas barragens, elaborado pela MRN em 2015, não mensura os possíveis impactos para os ribeirinhos. "A mineração nunca falou disso com a gente, não veio comunicar as comunidades, nem mesmo para as famílias que moram bem próximo da barragem", se preocupa Jonis Gonçalves da Luz, coordenador da comunidade Boa Nova.
Esses e outros dados fazem parte da pesquisa realizada pela Comissão Pró-Índio de São Paulo ao longo de cinco meses de 2016. A pesquisa teve como objetivo ampliar o conhecimento e o debate sobre impactos e riscos das barragens de rejeito da Mineração Rio do Norte.
Os resultados do levantamento estão sendo compartilhados no evento "Quilombolas e Ribeirinhos de Oriximiná: troca de experiências" que se realiza nos dias 28 e 29 de setembro, em Santarém. O encontro debate os impactos da mineração e também das concessões florestais na Flona Saracá-Taquera, em áreas tradicionalmente exploradas por ribeirinhos e quilombolas.
Impactos ambientais não avaliados
Segundo apurou a Comissão Pró-Índio, as barragens da MRN não contam com Estudo de Impacto Ambiental (EIA) específico. O Ibama justificou a inexistência de EIA pelo fato das barragens provirem de licenciamentos antigos, de antes da década de 1990, quando o processo de licenciamento ambiental passou da esfera estadual para a esfera federal.
O argumento do órgão licenciador, no entanto, desconsidera que 19 das 23 barragens entraram em operação depois de 1993, ano em que o Ibama expediu a Licença de Operação no 21/1993 para a MRN.
No primeiro semestre de 2016, quilombolas da Comunidade Boa Vista se queixaram que o Igarapé Água Fria apresentou coloração alterada semelhante à cor da bauxita, tornando-a, na sua avaliação, imprópria para uso. Tal fato foi reportado ao Ministério Público Federal e está sendo apurado. "Nós garantimos e falamos com firmeza: alguma coisa estranha tem nessa água", alerta Aildo, coordenador da associação da Boa Vista.
É preciso ampliar a fiscalização, o acesso à informação e o controle social
"A pesquisa revelou as dificuldades de se obter informações sobre as barragens das mineradoras" comenta Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio. "Os documentos sobre as barragens da MRN estão bastante dispersos, o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração do DNPM contém diversas falhas e nos foi negado acesso a diversos documentos. Só conseguimos obter o Plano de Emergência das Barragens da MRN com a intermediação da Defensoria Pública", explica Lúcia.
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) negou à Comissão Pró-Índio acesso ao Plano de Segurança das Barragens da MRN informando que não tem em arquivo o plano de segurança de nenhuma barragem. Alegou, ainda, que o documento não pode ser disponibilizado por fazer parte do processo minerário que é sigiloso, protegido pela Lei de Propriedade Industrial. Com a mesma alegação, o DNPM negou acesso ao relatório da vistoria realizada pelo DNPM, em dezembro de 2015, para fiscalização das barragens de rejeitos da Mineração Rio do Norte.
Para Andreia Macedo Barreto, defensora pública do estado do Pará, o aspecto central desse debate é viabilizar o acesso à informação e pensar conjuntamente e tecnicamente sobre os caminhos para ampliar a fiscalização. "No Brasil, já tivemos um exemplo trágico de rompimento de barragem, como o caso de Mariana, momento que veio à público também a fragilidade dessa fiscalização. Nesse sentido, ampliar o acesso à informação constitui ponto de partida, no caso da Mineração Rio do Norte. Com isso, os entes públicos e a sociedade poderão participar desse processo de fiscalização e cobrança por adequação, seja da empresa ou mesmo dos órgãos ambientais", avalia.
"Era para ser mais visível, deveriam levar a informação e mostrar a gravidade", aponta Cristiane Barreto, coordenadora da Comunidade Saracá. "Se não está errado por que esconder?" pergunta Claudinete Colé, coordenadora da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná.
Também se apurou que a prefeitura de Oriximiná não vem cumprindo seu papel de fiscalizador. O Plano de Ação de Emergência das barragens TP1 e TP 2 da MRN foi protocolado pela mineradora na prefeitura em novembro de 2015. No entanto, em agosto de 2016, o coordenador da Defesa Civil da Prefeitura de Oriximiná, Ivo Mário Gomes de Matos, afirmou à Comissão Pró-Índio que o plano não havia sido aprovado pela prefeitura porque não foi realizada visita técnica às barragens. Afirmou também que solicitou à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC) que o acompanhasse na vistoria pois não dispõe de equipe para fiscalização e monitoramento.
Já o Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Oriximiná, Cláudio Luiz de Souza Navarro, informou que recebeu o Plano de Ação de Emergência em maio de 2016 e que o mesmo ainda não foi analisado. O secretário apontou dificuldades da Secretaria de Meio Ambiente em avaliar o plano por não contar com quadro técnico especializado no tema.
Para a Defensora Andreia Barreto, o município de Oriximiná precisa assumir o seu papel. "Não podemos aceitar a alegação de que não tem pessoal para promover essa fiscalização. É preciso adotar providência para suprir essa dificuldade. O município recebe royalties em razão da implantação da Mineradora Rio do Norte no Município e não realiza prestação de conta dessa compensação financeira, de forma transparente, para a sociedade. Além disso, estamos falando da saúde e vida das comunidades ribeirinhas e quilombolas que serão resguardadas com uma fiscalização adequada", cobra.
Em 2015, a Prefeitura de Oriximiná recebeu como Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) R$ 16.638.689,26 e, no ano de 2014, o valor recebido via CFEM foi de R$ 10.862.589,52.
Concessão florestal na Flona Saracá-Taquera
Os problemas das comunidades tradicionais se somam: além do ICMBio e o Ibama autorizarem a mineração, a exploração de madeira também é permitida na Floresta Nacional de Saracá-Taquera por meio das concessões florestais conduzidas pelo Serviço Florestal Brasileiro.
O impacto das concessões é relatado por ribeirinhos de dezenas de comunidades que ocupam a Flona, de acordo com a pesquisadora Ítala Nepomuceno, do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da Amazônia, da Universidade Federal do Oeste do Pará. "Poderíamos citar como exemplos as comunidades do Acari, Samaúma e Carimum, situadas a nordeste da Flona, e que, incontestavelmente, estão vendo seus territórios sofrendo exploração de madeira em escala industrial pelas empresas concessionárias".
As comunidades sofreram impactos em relação à segurança alimentar, com o bloqueio de áreas de pesca pelas empresas, a violação de locais com valores míticos e até dificuldades de transporte geradas pelo constante movimento de grandes balsas de madeira no canal que liga o lago do Acari e o rio Trombetas, a chamada boca do Acari. "À violação desses direitos, segue o esbulho em função da exploração efetiva das florestas de uso comunitário. Em decorrência, uma ameaça à reprodução material e social de comunidades que possuem relações bastante estreitas com a floresta, fonte de recursos manejados com base em conhecimentos tradicionais, e que garantem do material para a construção de casas e embarcações até a própria segurança alimentar das famílias. Desse modo, a exploração madeireira em escala industrial praticada pelas empresas empobrece as florestas e, também, essas comunidades", acrescenta a pesquisadora.
O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) chegou a ajuizar ação civil pública contra as madeireiras Ebata e Golf e o Instituto Manejo e Certificação Florestal Agrícola (Imaflora) acusados de não cumprir as regras do selo Forest Stewardship Council (FSC), em março deste ano. O MPF acusa a instituição certificadora e as duas empresas de propaganda enganosa e práticas abusivas e pede a suspensão da certificação e o pagamento de danos morais às comunidades afetadas.
http://comissaoproindio.blogspot.com.br/2016/09/quilombolas-e-ribeirinhos-discutem.html
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- UC Saracá-Taquera
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