O que o país pode perder com a onda de ataques a áreas de proteção ambiental

Época - http://epoca.globo.com - 05/06/2017
Por que os legisladores federais e estaduais protagonizam tentativas de reduzir ou acabar com Unidades de Conservação. Qual é o papel das áreas protegidas?



A Floresta Nacional do Jamanxim tem esse nome por causa de seu cipó. Os indígenas da região o usavam para fazer uma espécie de mochila (o jamaxim) e assim poder transportar alimentos e pertences. Mas não é o cipó que colocou a floresta, no coração da Amazônia paraense, no centro das discussões políticas em Brasília. Duas Medidas Provisórias editadas pelo governo jogaram a região no xadrez político. As MPs cortam uma área da floresta e reduzem o status de conservação de outras, diminuindo a proteção do Jamanxim pela metade - e abrindo espaço para que suas árvores e cipós sejam derrubados em seguida. As Medidas Provisórias 756 e 758 foram apresentadas pelo governo no final do ano passado com o objetivo de regularizar uma área que é considerada de conservação, mas hoje se encontra ocupada por produtores rurais. Ao chegar ao Congresso, o texto foi de tal forma alterado que o próprio Ministério do Meio Ambiente, autor da proposta, pediu que o presidente Michel Temer vetasse o texto. Acuado pelas denúncias de corrupção e precisando do apoio do Congresso, não há garantia de que o presidente vete.

Jamanxim não está sob ataque sozinha nem as MPs são ações isoladas. Segundo o procurador da República Leandro Mitidieri, autor de uma nota técnica que analisou as Medidas Provisórias, essa agenda representa um forte ataque ao direito ao meio ambiente dos cidadãos brasileiros. "O Brasil vinha, até o ano passado, vagarosamente criando esse sistema de proteção da natureza que temos hoje. Agora, há um rolo compressor que ameaça nos jogar de volta a épocas em que se acreditava que os recursos naturais eram inesgotáveis", diz. Os números confirmam o procurador. Os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, juntos, criaram mais de 150 áreas protegidas federais. A ex-presidente Dilma Rousseff criou 15. Até o momento, Michel Temer criou apenas uma área protegida e periga terminar seu mandato desprotegendo mais florestas. A instabilidade política do momento atual joga contra a proteção des nossas florestas, e congressistas ligados a setores do agronegócio aproveitam a situação para fazer avançar uma das mais fortes agendas anticonservacionistas da história. As MPs são só as primeiras de muitos projetos que reduzem a proteção natural no Congresso. Há uma avalanche de Projetos de Lei que ataca o Sistema de Unidades de Conservação, a legislação ambiental e a consolidação de terras indígenas, em nome de ampliar a expansão econômica sobre as áreas naturais. Em diversos estados, como Santa Catarina e Paraná, os deputados também se mobilizam para desmontar áreas de conservação.

O drama da Floresta do Jamanxim é um exemplo da situação crítica dos parques naturais, da falta de infraestrutura para proteger as florestas e dos interesses por trás da flexibilização ambiental. No caso de Jamanxim, nem é possível argumentar que a área inviabiliza atividade econômica. Trata-se de uma Floresta Nacional (Flona). É um tipo de unidade de conservação que prevê o uso comercial. Essas áreas podem ser concedidas à iniciativa privada para retirada de madeira com manejo sustentável, que respeita o ritmo de regeneração da floresta. Representam uma esperança para gerar renda, emprego e madeira sem esgotar a região. A Flona foi criada há dez anos como parte de uma estratégia do governo federal para conter o desmatamento causado pelo asfaltamento da rodovia que liga Cuiabá a Santarém. Mas há pouca fiscalização. Madeireiros ilegais cortam as árvores mais valiosas. Depois, grileiros derrubam a floresta e usam a área para a criação de gado, na expectativa de conseguir negociar as terras com papéis falsos ou regularizar no futuro. Em três anos, o desmatamento comeu 23.000 hectares de Jamanxim. É a terceira mais desmatada na Amazônia. A Flona não está numa área desocupada. Um levantamento do Instituto Chico Mendes, um órgão do Ministério do Meio Ambiente, mostra que, quando a Flona foi criada, há dez anos, com 1,3 milhão de hectares, havia pecuaristas e garimpeiros em cerca de 60.000 hectares. Eles ocuparam as terras públicas nas últimas décadas, em alguns casos incentivados por programas do governo. Esses produtores deveriam ser regularizados. Mas a Medida Provisória propõe a retirada de 600.000 hectares da Flona, uma área dez vezes maior.

Coalizões de empresários, ONGs e centros de pesquisa se mobilizam para resistir ao ataque às Unidades de Conservação. No próprio governo, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, enviou uma carta ao presidente Temer pedindo o veto das Medidas Provisórias. Se as MPs forem sancionadas, o procurador Leandro Mitidieri diz que entrará com uma ação direta de inconstitucionalidade. Até essa possível ação ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, o futuro da Flona Jamanxim ficará em suspenso. Invadida, desmatada e potencialmente mutilada, a Flona perde valor para concessão a uma madeireira que queira administrar seus recursos de forma sustentável.

Há outras áreas de conservação ameaçadas pelo país. No texto de uma das Medidas Provisórias, os deputados adicionaram uma emenda para reduzir em 20% o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina. Na Assembleia do Paraná circula um projeto para cortar 30% da área de proteção ambiental da Escarpa Devoniana, uma formação geológica única que corta todo o estado, com cavernas, cachoeiras e florestas com alto valor turístico. O interesse seria liberar o uso agrícola na área. Um esboço de Projeto de Lei escrito pela bancada do Amazonas e amplamente divulgado recorta em 40% cinco unidades de conservação no estado. Assembleias Legislativas também votam a redução de outras áreas protegidas, como o Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Mato Grosso. Dentro do parque há uma fazenda do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que foi multada pelo Ibama por desmatamento ilegal.

Outros Projetos de Lei que não alteram especificamente áreas de parques, mas modificam dispositivos da legislação ambiental, também podem enfraquecer a proteção dos recursos naturais brasileiros. O projeto que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, por exemplo, tem um artigo que tira os poderes dos gestores de áreas protegidas de se manifestar no caso de obras que causem impacto em Unidades de Conservação. Outro Projeto de Lei vai além. O texto apresentado pelo deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) propõe que todas as áreas protegidas que não resolverem pendências de indenizações em cinco anos seriam extintas. Pinheiro diz que o problema das indenizações vem se agravando nos últimos tempos, e põe a culpa nas Unidades de Conservação. Como as indenizações se arrastam por anos na Justiça, 10% de todas as Unidades de Conservação no país perderiam a proteção com esse Projeto de Lei, segundo estimativa da ONG WWF-Brasil. "O que está em jogo é a flexibilização do Sistema Nacional de Unidades de Conservação", diz Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil. Para Maurício, essa ofensiva só trará mais desmatamento e destruição da biodiversidade brasileira.

"Mais desmatamento? Isso é mentira", afirmou a ÉPOCA o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar Agropecuária e relator das Medidas Provisórias na Câmara. Segundo ele, diminuir as áreas protegidas traz o efeito oposto, de reduzir o desmatamento. Para Leitão, o desmatamento ocorre porque as áreas de conservação foram criadas sem resolver a situação fundiária dos produtores que já estavam dentro delas. "Se você regulariza, mesmo com redução na área de conservação, o produtor será obrigado a seguir a lei dentro de suas terras. Quando você deixa o proprietário produzir corretamente, ele também vai preservar."

O objetivo do Sistema de Unidades de Conservação, evidentemente, não é fechar o Brasil ou sequer impedir a produção. Pelo contrário, o país só tem a ganhar ao conservar suas áreas naturais. Para começar, não falta terra para produção no país. O total de áreas já desmatadas e subutilizadas só na Amazônia equivale a toda a Região Sul. Além disso, as áreas de conservação, mesmo sem exploração comercial de seus recursos, geram dinheiro. Um estudo feito pelo Ministério do Meio Ambiente mostra que os Parques Nacionais brasileiros têm potencial de receber até R$ 1,8 bilhão por ano com visitação. Além disso, geram recursos para os próprios municípios que conservam, por meio do ICMS ecológico. O estado de São Paulo, por exemplo, repassou um total de R$ 125 milhões para os municípios. Mas os maiores benefícios ainda não são valorados. Além de proteger a biodiversidade e evitar o desaparecimento de espécies ameaçadas, áreas protegidas ajudam o clima a ficar equilibrado, tanto globalmente, evitando as mudanças climáticas, quanto localmente, gerando chuvas e evitando as ilhas de calor. "Conservar florestas traz ganhos para o próprio agronegócio", diz a pesquisadora Leide Takahashi, gerente de Projetos Ambientais da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. "Quando a agropecuária força o desmatamento, acaba dando um tiro no pé."



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