Urubus e gatos alteram rotina do zoológico de São Paulo
Visitantes reclamam das centenas de aves pretas, mas são os felinos que mais preocupam
Priscila Mengue, O Estado de S.Paulo
"É uma pomba", diz uma criança. "É uma gaivota", contesta a outra. Por fim, um adulto se volta para os dois meninos e diz: "Não, são urubus". E não eram poucos. Somente naquele viveiro, do tigre-de-bengala, o número passava dos 40. Ao todo, o Zoológico de São Paulo estima que de 400 a 500 aves passem diariamente pelo local, na zona sul da cidade. Apesar de os urubus incomodarem visitantes, é um outro animal que preocupa o zoo: o gato.
A aglomeração dos urubus é tamanha que inspirou um texto motivacional de um blog, no qual o urubu-de-cabeça-preta representa pessoas inconvenientes. Nas redes sociais, as aves pretas são quase onipresentes nas fotos de leões, ursos e flamingos. No site TripAdvisor, com opiniões de viajantes sobre locais turísticos de todo o mundo, um usuário rebatizou o zoo de parque dos urubus.
Em uma sexta-feira de outubro, dentre os frequentadores, uma mulher dizia "Sai daí, bicho feio", enquanto se esforçava para desviar a lente das aves que cercavam o tigre-de-bengala-branco. Perto dali, embora estivesse na frente de dois leões, eram os urubus o assunto da aposentada Marta Pimentel, de 69 anos, com a filha, a maquiadora Letícia Pimentel, de 36. "Esse tigre está bonzinho demais com essa urubuzada toda em volta."
Por causa da presença das aves, a designer Joana Scheer, de 30 anos, deixou de ir ao zoo. "Fiquei decepcionada e triste pelos animais. Eles já vivem confinados 24 horas, ainda têm de conviver com um monte de urubu. Isso os estressa", diz ela, ex-aluna de Veterinária.
A Fundação Parque Zoológico de São Paulo garantiu que os urubus não apresentam risco nem para os visitantes nem para os animais do espaço. Também ressaltou que as aves estão na região há décadas e não têm acesso aos alimentos do zoo, que ficam acondicionados em áreas fechadas ou em uma estrutura que não permite o acesso para bicos com o formato dessas aves.
"A gente não trata o urubu como um invasor. Ele é um animal da fauna - e não só do zoo, mas de todo o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (que inclui ainda o Jardim Botânico e o Departamento de Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo)", comenta a chefe do setor de aves Fernanda Junqueira Vaz, de 43 anos. Segundo ela, o espaço reúne 157 espécies silvestres. Em maio, por exemplo, de 2 a 3 mil marrecos se abrigam temporariamente na região para fugir do frio no Sul do País.
Fernanda afirma que a Fundação realizou atividades de captura e soltura de cerca de 3 mil urubus na região de Cubatão, no interior paulista, no fim dos anos 1990. A ideia, contudo, não surtiu efeito, pois a população das aves é "aberta", conforme foi constatado após centenas de espécimes serem marcadas com aneis. Isso significa que elas passam determinado tempo no parque e depois partem para novos locais. "Não podemos retirá-los simplesmente porque as pessoas se incomodam."
Ex-estagiária do setor de aves do zoológico, a bióloga Bárbara Cirillo, de 27 anos, estudou 400 urubus do espaço durante seu mestrado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) entre 2014 e 2016. Sem predadores naturais, as aves vivem cerca de 30 anos e são muito resistentes.
Segundo Bárbara, a pesquisa aponta que o parque funciona como um "centro de informações", do qual os urubus partem para procurar comida, geralmente em lixões, aterros sanitários e espaços que reúnem carcaças de animais. Além disso, é um ponto de reprodução e de descanso para as aves.
A grande quantidade de urubus atinge também as operações do Aeroporto de Congonhas, a menos de 10 km de distância. "O foco atrativo mais preocupante de urubus-de-cabeça-preta é toda a área verde que abrange o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, em especial o Zoológico de São Paulo", informou a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), por nota.
O verdadeiro perigo
Com presença tão expressiva, os urubus-de-cabeça-preta têm até uma placa informativa no zoológico, que combate o preconceito contra a ave. Também no local, outro aviso traz uma proposta distinta. Pede para que os frequentadores mantenham a "fauna em equilíbrio" e mostra duas imagens de gatos - um deles abocanhando uma ave.
Segundo a Fundação, são os gatos os verdadeiros inimigos dos animais do zoológico. Diferentemente dos urubus, eles têm uma presença mais discreta e passam despercebidos da maioria dos frequentadores. Ao longo de duas horas, o Estado avistou seis gatos no local, mas o número chega a 200, de acordo com a instituição.
Segundo a Fundação, os gatos são uma espécie invasora e oferecem risco por serem predadores e transmitirem doenças. Segundo a chefe da Divisão de Educação e Difusão Kátia Rancura, de 36 anos, os gatos "assumem a posição do topo de uma cadeia alimentar", competindo com espécies nativas. Há três meses, uma coruja foi vítima dos felinos, situação que se repete periodicamente, especialmente com aves.
Abandono e alta capacidade de reprodução explicam no de felinos
A Fundação Parque Zoológico de São Paulo acredita que a população felina vem crescendo desde 2009 por causa dos sucessivos abandonos de animais e em decorrência da grande capacidade reprodutiva da espécie. O cio ocorre em um intervalo que varia de 15 a 90 dias.
Desde que cresceu o número de gatos no zoo, a Fundação tentou estratégias para reduzir a população, entre elas fornecer comida e fazer castrações. As medidas não tiveram sucesso.
Para a chefe da Divisão de Educação e Difusão Kátia Rancura, a solução é manter campanhas de conscientização no bairro e tentar parcerias para destinar os animais para adoção. "A legislação proíbe a eutanásia, mas não existe um protocolo de como agir em uma situação dessas. O gato não é o vilão, é outra vítima, mas não deveria estar em um ambiente natural."
Especializada em Medicina Felina, a veterinária Laila Massad explica que os gatos são animais semissociais, pois foram domesticados mais recentemente do que os cães - há cerca de 9 mil anos. "São animais domésticos, isso é indiscutível. Eles não são mini-onças, mas, quando criados sem o confinamento de uma residência, é natural terem comportamento de caça e serem territorialistas e agressivos, mesmo quando recebem alimentação", explica.
Para Laila, o zoo precisa identificar de forma precisa a origem dos animais. Se for abandono, é preciso castrá-los e encaminhá-los à adoção. Já se eles estiverem indo de forma espontânea para a área, o melhor seria castrá-los e mantê-los no local. "Como o zoo é aberto, outros continuarão chegando."
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,urubus-e-gatos-alteram-rotina-do-zoologico-de-sao-paulo,70002081298
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