Presidente da Fundação Renova é denunciado pelo Ministério Público por comércio ilegal de madeira na Amazônia
23/05/19
Daniel Camargos
Roberto Waack, diretor-presidente da Fundação Renova, criada em 2016 para reparar os danos ambientais e sociais provocados pelo rompimento da barragem de Mariana (MG), é um dos denunciados pelo Ministério Público Federal do Amazonas por participação em um esquema fraudulento de comércio ilegal de madeira na Amazônia.
Além de comandar a Fundação Renova, Waack foi um dos fundadores da empresa Amata - acusada após ser flagrada pela Operação Arquimedes, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, falsificando documentos para burlar a fiscalização e exportar madeira extraída de área irregular. Waack foi sócio da Amata até setembro de 2013, quando o esquema ilegal já ocorria, segundo denúncia do procurador Leonardo de Faria Galiano. Waack seguiu no conselho administrativo até junho de 2016.
A Amata foi um dos alvos da Operação Arquimedes, que fez a maior apreensão de madeira ilegal na história da Amazônia quando, na primeira fase da operação, em 2017, fiscais do Ibama apreenderam 458 contêineres pertencentes a 63 empresas. Se as toras apreendidas fossem alinhadas, cobririam a distância de 1,5 mil quilômetros, equivalente ao percurso entre Goiânia e Florianópolis.
Desse total, 140 contêineres estavam destinados à exportação para Europa, Ásia e América do Norte. Parte da madeira, o equivalente a cinco contêineres, seria exportada pela Amata e vendida como se houvesse sido retirada de áreas de manejo florestal sustentável. Era, porém, uma fraude, segundo o Ministério Público, pois a Amata falsificava documentos sobre a origem das toras, o que foi possível constatar após a apreensão de documentos na segunda fase da operação, realizada em abril deste ano.
A Amata tinha autorização do Serviço Florestal Brasileiro para comercializar madeira extraída da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, mas extrapolou a área em 3 mil hectares, segundo a denúncia do Ministério Público.
A ação civil pública tramita na 7ª Vara Federal do Amazonas e aguarda decisão sobre liminar que pede à Amata o ressarcimento dos danos materiais ao meio ambiente, estimados em R$ 47,3 milhões. Além disso, pede o pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 10 milhões. Para o procurador Galiano, Waack e os outros quatro denunciados ligados à Amata são responsáveis solidários pelo dano e devem pagar caso a empresa não pague.
"Todos, pelas posições ocupadas no quadro social empresarial, estariam no comando da Amata durante as fraudes, ditando seus rumos", afirma o procurador na ação. O MPF, segundo o procurador, aguarda o término das investigações da Polícia Federal para avaliar se ajuizará ações cíveis, criminais e administrativas.
O advogado Lucas Moraes, um dos responsáveis pela defesa de Roberto Waack, diz em nota que a ação não especifica quais foram os atos praticados por ele e nem justifica a identificação dele como um dos administradores da Amata. Destaca ainda que Waack deixou a presidência da entidade em agosto de 2013 e que renunciou ao cargo de conselheiro em junho de 2016, antes do início da investigação. "Há plena convicção de que todas as suas atividades foram regulares e serão assim julgadas", afirma o advogado, em nota enviada à Repórter Brasil.
Após a publicação desta reportagem, Roberto Waack atendeu aos pedidos de esclarecimentos feitos diversas vezes pela Repórter Brasil dias antes da matéria ser publicada. Ele reiterou que deixou a "Amata como executivo há mais de seis anos" e que o caso investigado pelo MPF aconteceu depois de ele deixar o conselho administrativo da empresa. Afirmou ainda ser um microacionista da Amata. "Não tenho acompanhado nada, nenhuma informação [relativa à empresa]. Sou apenas o fundador e o acionista minoritário", afirmou por telefone, destacando que está 100% dedicado à recuperação do Rio Doce e que a Fundação Renova não tem relação com a denúncia.
Em nota, a Amata afirma que é um "equívoco" a empresa estar entrar as companhias investigadas. "Seguimos na certeza de que esse equívoco será esclarecido ao longo da apuração dos fatos". A nota diz ainda que a empresa: "Segue os mais rigorosos padrões de produção e governança certificados por organizações internacionais independentes. Nascemos para demonstrar que é possível conciliar desenvolvimento econômico e manter a floresta em pé". Leia aqui a nota na íntegra.
A Fundação Renova informou, após a publicação desta reportagem, que os pontos levantados na ação civil pública estão sendo esclarecidos e ressaltou que Waack renunciou ao cargo de conselheiro da Amata em junho de 2016, um ano e meio antes do início de qualquer etapa da operação Arquimedes. "A Fundação Renova informa que não há razões para que a ação em curso interfira no trabalho que está sendo desenvolvido em toda a bacia do Rio Doce e que se mantém empenhada na reparação integral dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão", afirma a nota. Leia aqui a íntegra da resposta.
Esquentando a madeira
A essência da fraude estava em burlar o Documento de Origem Florestal (DOF). O documento deve acompanhar a madeira desde origem até o destino. Porém, o Ibama analisou as guias do documento e constatou que a Amata emitiu DOF's de madeira nativa proveniente de duas áreas distintas e que as regiões indicadas como exploradas eram pastagens, ou seja, sem árvores para serem cortadas.
A Operação Arquimedes foi iniciada após alerta da Receita Federal e do Ibama, em 2017, que verificou aumento incomum do trânsito de madeira pelo Porto Chibatão, em Manaus. A segunda fase foi realizada em abril deste ano e cumpriu 29 mandados de prisão e 109 mandados de busca e apreensão.
Além das empresas que burlavam os documentos para "esquentar" a madeira, a operação apura se houve corrupção nos órgãos públicos responsáveis pelo controle e fiscalização.
A ação do MPF também pede à Justiça autorização para compartilhar as informações com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com o objetivo de evitar a compra de madeira de áreas protegidas.
A Fundação Renova foi criada em março de 2016 após acordo entre a Samarco, responsável pela barragem que rompeu, suas proprietárias (Vale e BHP Billiton) e os ministérios públicos e defensorias de âmbito federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. A lama de rejeitos da barragem matou 19 pessoas, destruiu comunidades, devastou o meio ambiente ao longo de 670 quilômetros na bacia do rio Doce e atingiu o Oceano Atlântico.
Antes de comandar a Fundação Renova, o biólogo Waack fez carreira em organizações ligadas à sustentabilidade chegando a presidir o conselho diretor da WWF Brasil e integrar conselhos de entidades como Global Reporting Initiative (GRI), Instituto Ethos, Fundo Brasileiro para Biodiversidade e da Forest Stewardship Council (FSC). Já a Amata foi fundada por Waack e mais dois sócios, em 2005, sendo a primeira empresa a conseguir uma concessão florestal pública no Brasil, modalidade em que o governo concede a empresas e comunidades o direito de manejar florestas públicas para extrair madeira e, em contrapartida, os concessionários pagam ao governo o valor acordado na licitação das áreas.
NOTA DA REDAÇÃO: A reportagem foi atualizada em 24 de maio, às 21h20, para inserir posicionamento de Roberto Waack. Este texto foi também atualizado em 26 de maio, às 14hs, para inserir resposta da Fundação Renova.
https://reporterbrasil.org.br/2019/05/presidente-da-fundacao-renova-e-denunciado-pelo-ministerio-publico-por-comercio-ilegal-de-madeira-na-amazonia/
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