Polícia derruba casas de caiçaras na Estação Ecológica Juréia-Itatins
Caiçaras lutam por permanência desde os anos 80 em área de reserva instalada no litoral Sul de São Paulo
Pedro Ribeiro Nogueira
Brasil de Fato | São Paulo (SP), 4 de Julho de 2019 às 18:07
Enquanto uma frente fria castiga o sudeste do país com muita chuva, a Polícia Ambiental demoliu nesta quinta-feira (4) três casas de caiçaras na Estação Ecológica Juréia-Itatins, sob argumento de que ocupavam uma área ilegal.
A demolição aconteceu na comunidade de Rio Verde-Grajaú. Em um vídeo, o advogado André Luis, que acompanhou a ação policial, afirma que as casas estão construídas sobre roças autorizadas pela Fundação Florestal.
Segundo ele, a demolição acontece após um parecer do procurador-geral do Estado, sem uma decisão judicial que ampare a medida, que viola a convenção 179 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o decreto 6040/2007.
"O estado insiste na violência e em não reconhecer que a Estação Ecológica da Juréia, no Vale do Ribeira, foi criada sobre os territórios tradicionais dessas comunidades. Estão rompendo uma negociação e uma tratativa conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Defensoria Pública do Estado, entre as comunidades e a Fundação Florestal de maneira unilateral e imotivada", protesta.
Pela manhã, a reportagem do Brasil de Fato entrou em contato, por telefone, com a Fundação Florestal em São Paulo, que disse não ter informações sobre a ação.
"O estado novamente insiste em usar o poder de polícia e se nega a dialogar com as comunidades o plano de uso tradicional caiçara e de conceder o direito real de uso para essas comunidades", lamenta o advogado.
Entenda o caso
No litoral sul de São Paulo, os caiçaras - povos tradicionais remanescentes de indígenas, negros e colonizadores europeus, que habitam a costa do sudeste do Brasil - sofrem com a expulsão desses territórios para as margens e franjas de cidades. É comum seu deslocamento forçado por conta de condomínios, empreendimentos estatais e especulação imobiliária.
No caso da Estação Ecológica Juréia-Itatins, entre Peruíbe e Iguape, na primeira reserva ecológica do Estado de São Paulo, centenas de famílias lutam contra a remoção em nome da proteção ambiental.
Eles dizem que, desde os anos 1980, têm sido enganados. Havia a expectativa de que ali fosse um "santuário" para homem e natureza. Hoje, no entanto, apenas nove famílias resistem às pressões, espalhadas pelos quase 850 quilômetros quadrados de área.
"Acontece uma expulsão pelo cansaço porque o governo não veio e tirou cada um de uma vez, nem tirou todo mundo de uma vez só, mas foi tirando o direito de plantar, de pescar, da convivência, negou escola, tirou as estradas e caminhos. As pessoas começam a passar fome, necessidade. O Estado foi impedindo a liberdade que as comunidades tinham, foi fazendo com que nosso modo de vida deixasse de existir", diz a presidente da União dos Moradores da Juréia.
Segundo ela, multas são aplicadas a roçados ou a extração de "madeira para fazer remo", ignorando que os caiçaras conhecem a "hora certa de tirar para garantir que vai nascer de novo", proveniente do saber tradicional de quem habita a região desde pelo menos o século 18, segundo registros - ou há cinco mil anos, de acordo com pesquisas arqueológicos.
Após anos de luta, os caiçaras conseguiram que duas áreas passassem de "restritivas", ou seja, sem presença humana, para Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
A ideia de englobar os moradores de um território de conservação, de que as populações tradicionais podem ser agentes de preservação ecológica, tem sido implementada com bastante sucesso em diversos parques do mundo. Segundo Adriana, a criação da estação ecológica fez com que os caiçaras tivessem que se apropriar de temas como legislação e conservação.
"É contraditório que a comunidade não possa fazer manejo e morar quando o governo anuncia que quer ceder os controles do parques para a iniciativa privada explorar por trinta anos. Parques são importantes, eles param a expansão imobiliária, mas precisamos reconhecer como ele afeta a vida de centenas de pessoas e uma existência de gerações", protesta Adriana.
O resultado disso é que, após dois anos de conversas, eles produziram e entregaram à extinta Secretaria do Meio Ambiente, hoje Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, um Plano de Uso Tradicional Caiçara (PUT).
O PUT, criado em conjunto com grupos de pesquisa da Universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do ABC (UFABC), e contando com a assessoria jurídica da Defensoria Pública, é uma ferramenta de resolução do conflito histórico e aposta numa "permanência sustentável" através do manejo compartilhado do território, garantindo sua preservação.
Um ano após sua entrega ao órgão estatal, os caiçaras reclamam que não houve qualquer resposta.
"Nós nos debruçamos sobre legislações e tratados, vimos experiência dentro e fora e sabemos que existem experiências que mostram que é possível encarar preservação e modos de vida como questões parceiras, como forma de garantir que a comunidade possa iniciar um processo de cuidar de um lugar que ela depende muito", finaliza a representante das comunidades.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato, em 24 de junho, quando já havia a ameaça de demolição, com a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, para saber uma resposta oficial sobre a situação.
Eles disseram na ocasião que na comunidade do Rio Verde não há ocupação caiçara desde a década de 1980 e que a demolição ocorre após um morador não atender a uma solicitação de embargo de obra e que a "a recuperação ambiental da área e a reparação do dano dependem da desconstrução da edificação. O local estava desocupado, portanto, não se trata de remoção de famílias".
Edição: João Paulo Soares
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