Um Só Planeta - https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/ - 18/08/2022
Justiça climática: as soluções de Norte a Sul que já inspiram mudanças no país
A escalada dos desastres ambientais no Brasil esquenta o debate sobre soluções, que vão desde reduzir as desigualdades até ouvir os povos marginalizados. Demandas neste campo já chegam aos tribunais
Por Sergio Adeodato, para o Um Só Planeta
18/08/202
As enxurradas do fim de maio de 2022 no município de Jaboatão dos Guararapes (PE), palco da mais famosa batalha com os holandeses no século 17, evidenciou uma questão de justiça cada vez mais emergente no Brasil - bem diferente do direito ao território invadido por corsários, nas disputas que marcaram a história pernambucana. No centro do debate está, hoje, a mudança climática. Na região metropolitana de Recife, chuvas e deslizamentos de encostas provocaram 129 mortes, além dos feridos e prejuízos econômicos. Foi o resultado trágico de uma combinação de fenômenos, como La Niña, ventos do oceano e impactos devido à emissão de gases estufa, conforme explicam os cientistas. Com uma pergunta: de agora em diante, como enfrentar o desafio de forma justa, com equidade, considerando que as populações mais atingidas são também as que menos contribuem para o problema?
Embora alguns especialistas sejam cautelosos no diagnóstico, o cenário de extremos visto na região sinaliza os impactos que já ocorrem e podem atingir proporções bem maiores, em consequência do aquecimento no planeta. Em dez anos, no Brasil, os desastres ambientais afetaram 347 milhões de pessoas, com prejuízos de R$ 341 bilhões - metade do PIB brasileiro do petróleo e gás. Segundo dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres do Ministério do Desenvolvimento Regional, os efeitos das secas corresponderam à maior parcela dos problemas (41,3%), no período. No entanto, os temporais se agravaram: mais de 25% das mortes por chuvas no Brasil em uma década ocorreram na primeira metade de 2022.
O quadro retrata a parte mais visível de um conjunto de danos à economia, saúde, produção de alimentos, energia elétrica e acesso à água e outros serviços básicos. Na análise de especialistas em gerenciamento de riscos, as condições de vida dos brasileiros neste e nos próximos anos estarão diretamente relacionadas aos efeitos das alterações do clima global que resultam de fatores como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. E os danos já se evidenciam não apenas nos centros urbanos, com enchentes e poluição, mas em diferentes territórios - das florestas ao meio rural e aos 7,5 mil km de zona costeira no país.
A escalada dos riscos acirra disputas e conflitos, esquentando o debate sobre soluções para uma transição climática mais justa, e demandas neste campo já chegam aos tribunais. "Não conseguiremos reduzir ou enfrentar os impactos climáticos sem combater os fatores da desigualdade estruturante no país", adverte Maitê Gauto, gerente de programas da Oxfam Brasil. Está em jogo a capacidade de prover resiliência: "Precisamos de investimentos públicos necessários a uma condição de vida mais digna para populações vulneráveis", reforça.
Sob a ameaça da inflação e da insegurança alimentar, o desafio é maior. "Pode até haver planejamento urbano para prevenir desastres das chuvas, mas é a pobreza que empurra as pessoas para áreas de risco", ressalta Gauto, para quem só apoio emergencial não resolve, porque os impactos climáticos vão se repetir de maneira cada vez mais frequente. "Faltam condições estruturantes, como acesso mais igualitário à moradia, que precisam ser viabilizadas por uma reforma fiscal", afirma.
Há um duplo desafio sobre a mesa. Se avanços na equidade social são indispensáveis a uma adaptação climática com menos sofrimento, o aumento das emissões para produzir alimentos, gerar energia e manter a produção industrial agrava ainda mais o cenário das desigualdades que se pretende combater. "Não dá mais para separar o ambiental do social, até porque está em risco a economia de setores como o agronegócio, que representa grande parcela do PIB", concorda Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
A complexidade é crescente e influencia políticas e negócios. Não basta reduzir emissões de carbono de forma justa, mas apoiar populações na linha de frente dos impactos climáticos e garantir que comunidades historicamente marginalizadas e vulneráveis tenham vez na agenda. "Pensar coletivamente é fundamental para o clima", afirma Toni.
Na análise dela, a lógica das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas", que marca o debate sobre o esforço de mitigação e fluxo de investimentos entre nações ricas e pobres, é reproduzida dentro dos países e seus territórios. "Todos temos responsabilidades, mas alguns deveriam fazer mais para a solução do problema", explica.
No Brasil, há um diferencial: algumas populações atingidas, além da menor culpa na mudança climática, ajudam a resolver o problema. É o caso dos povos indígenas, que já vivem no baixo carbono e podem contribuir com preciosos aprendizados. "Precisamos olhar para esses modos de vida e adicionar direitos como nas demais camadas da sociedade", recomenda Toni, com uma ressalva: "eles não querem migalha para se adaptar aos impactos do clima, mas estar na liderança de soluções".
Dados do MapBiomas indicam que, em 30 anos, as Terras Indígenas representaram somente 1,6% do desmatamento. "A função da floresta em pé deve ser valorizada por políticas públicas de saúde, segurança alimentar, direito ao território e geração de renda", observa Adriana Ramos, assessora de políticas no Instituto Socioambiental (ISA). Na mudança do clima, o aumento da vulnerabilidade vai coincidir com conflitos já existentes com garimpo, tráfico de drogas e grilagem de terras, além do avanço da fronteira agropecuária. Mapa da Pastoral da Terra mostra a existência de mais de 7 mil ocorrências de conflitos em 583 municípios da Amazônia - inclusive relacionados a desmatamento e queimadas - na última década.
Em áreas remotas da Amazônia, os impactos da mudança climática já são perceptíveis e cresce o movimento para se fazer justiça. Que o diga o professor indígena Juvêncio Cardoso, o Dzoodzo, do povo Baniwa: ele utiliza cadernos e tablets para anotações de campo sobre o comportamento da biodiversidade, das chuvas e dos ciclos da lua e das constelações de estrelas, além de relatos de moradores, na região de São Gabriel da Cachoeira (AM). "Chuvas extremas estão destruindo, em proporções cada vez maiores, as roças que garantem segurança alimentar das famílias", denuncia o professor, residente na aldeia Canadá.
Com as chuvas extremas, as roças são destruídas e precisam ser replantadas em outros locais. Novas plantações de mandioca, abacaxi e banana, por exemplo, demoram ciclos de cinco anos para produzir novamente. "A mudança do clima atinge também a pesca, pois as minhocas usadas como isca sumiram, e o rio mais cheio que o normal dificulta montar os instrumentos tradicionais para a captura de peixes", diz Dzoodzo.
Todas essas informações estão gravadas em vídeo. O objetivo agora é iniciar um projeto para lidar com os impactos: um centro de formação para que jovens indígenas aprendam a se adaptar e permaneçam nas aldeias com menor risco. Por meio de oficinas, o grupo vai discutir novos ciclos de produção e mudanças no Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, declarado patrimônio imaterial do país. "Ajudamos com serviços ambientais para o mundo, ao manter a floresta bem conservada, mas somos prejudicados na nossa forma de viver e produzir", lamenta o professor. Ele conclui: "Temos muito a contribuir, juntamente com a ciência, nesta crise climática".
No entanto, na análise de Virgilio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), há uma inversão de valores. "Os injustiçados são os guardiões da floresta", aponta. Segundo ele, populações indígenas e ribeirinhas de áreas remotas "são marginalizadas porque a assistência custa caro e rende poucos votos, diferente do cenário urbano".
Serviços ambientais
O Programa Bolsa Floresta, gerido pela instituição como política pública do Amazonas, é uma das primeiras iniciativas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) criadas no mundo. Desde 2007, a lógica é recompensar financeiramente quem vive em reservas ambientais e protege a floresta, com pagamento mensal e benefícios no acesso a uma melhor estrutura de educação, saúde e produção comunitária. "É uma forma de reparar parte da injustiça climática e promover alternativas de uso sustentável", destaca Viana. Entre 2020 e 2021, o desmatamento caiu 55% nas áreas do programa, ante um aumento de 28% fora delas.
Após 15 anos, o objetivo é dobrar o valor da remuneração e ampliar para 14 mil o número de famílias beneficiadas, com possibilidade de replicar o modelo para outras regiões da Amazônia. Na comunidade do Tumbira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, Amazonas, a professora e líder comunitária Izolena Garrido reconhece a importância do benefício, mas lamenta: "Enquanto uns se esforçam aqui para conservar, outros bem longe destroem para lucrar".
Descarbonização inclusiva
"Os impactos climáticos trazem junto o legado histórico de racismo, colonialismo e intolerância às diferenças de gênero e gerações", afirma Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília. Para ela, o melhor termômetro da discussão sobre justiça neste tema está nos alertas do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), do qual participou. Após estabelecer os pilares científicos da questão, impactos e soluções, o organismo abordou, em 2022, a necessidade de uma descarbonização inclusiva. Ou seja, promover uma transição justa para o baixo carbono com inclusão social. "Será a principal base científica da judicialização das demandas climáticas", diz.
Quanto menor o esforço neste momento, mais caras serão as soluções no futuro. "Fatores como a dependência brasileira da energia hidrelétrica e o planejamento urbano precário, com impactos em toda a cadeia da economia, agravam a situação", adverte Bustamante. Em paralelo, o coquetel de desmatamento e secas prolongadas, no país, está gerando efeitos que se retroalimentam e que precisam ser mais bem entendidos - levantando a suspeita de que "os impactos poderão ser mais sérios do que se imaginava".
Conforme as respostas de governos e empresas, a cobrança pode vir pela via da Justiça. As previsões do IPCC para o Brasil são eloquentes. As mortes por calor poderão aumentar em 3% até 2050 e em 8% até 2090. Apesar da menor pluviosidade em grande parte do território nacional, as chuvas devem ser mais extremas, com perigo de enchentes severas, em especial na Amazônia. As safras de arroz correm o risco de cair 6%; as de trigo, até 21%. Na pecuária, o estresse climático trará prejuízos em todo o país, principalmente no Nordeste, onde as chuvas podem diminuir 22% ao longo do século, agravando o cenário de desertificação.
Lições da Caatinga e Mata Atlântica
Na Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, estigmatizado pela pobreza, práticas de resiliência à seca podem ajudar os produtores de áreas ricas do centro-sul no enfrentamento de futuras crises. No sertão nordestino, com cisternas de água da chuva e outras tecnologias sociais disseminadas nas últimas décadas, pessoas e animais já não morrem de sede. Novos modelos de agricultura familiar elevaram as condições de vida.
"A mudança no regime de chuvas é visível, não apenas com secas extremas prolongadas, como entre 2010 e 2014, mas também chuvas intensas e mal distribuídas, que carregam os solos expostos pela desertificação", afirma Daniele Cesano, empreendedor que transformou em negócio o método de resiliência climática desenvolvido junto a pequenos produtores do Semiárido, no projeto Adapta Sertão. Hoje, com financiamento externo, a inovação dá suporte a cooperativas rurais no fornecimento a grandes empresas de alimentos, com meta de regenerar 1 milhão de hectares até 2030.
Com manejo adequado do solo, as novas práticas dobraram a receita dos pecuaristas e ajudaram a quadriplicar a área de vegetação nativa. Devido aos resultados, o sistema está ganhando escala no Projeto Rural Sustentável Caatinga, bancado pelo Fundo Internacional para o Clima do Governo do Reino Unido, no propósito de disseminar práticas agropecuárias de baixo carbono junto a 1,5 mil famílias em cinco estados nordestinos.
Longe dali, no verde da Mata Atlântica paulista, o objetivo é fazer justiça a quem planta e protege a floresta para cumprir a lei ambiental e ir além, visando garantir água à produção da própria fazenda e ao abastecimento público da maior metrópole brasileira. "No Sistema Cantareira, responsável pela segurança hídrica de 42% da região metropolitana de São Paulo, devemos achar uma maneira de que todos ganhem, proprietários e sociedade", ressalta Alexandre Uezo, biólogo do Instituto Ipê.
O projeto Semeando Água dissemina na região as chamadas Soluções baseadas na Natureza (SbN), como plantar árvores em sistemas agroflorestais e outras técnicas capazes de até dobrar a renda dos produtores. "É uma forma de fixar jovens e evitar a venda da terra para a instalação de condomínios, com adensamento populacional que ameaça os mananciais", explica o biólogo.
Naquela bacia hidrográfica, a cobrança pelo uso da água dos rios pode ser revertida em PSA aos produtores que sentem os efeitos da redução das chuvas - e o medo de um fantasma sempre ameaçador: a crise hídrica que assolou o Sudeste em 2014-2015 e poderá se tornar mais frequente, como alerta a ciência.
Na zona costeira do país, os riscos não são menores. Em Salvador, exposição fotográfica lançada em junho pela Comissão Especial de Emergência Climática e Inovação da Câmara Municipal mostra cenas chocantes de bairros que poderão ficar submersos daqui a 78 anos, devido ao aquecimento global. Porto da Barra, Mercado Modelo e até a linha férrea do Subúrbio estão entre os exemplos - e é possível imaginar o que ocorrerá com a Ilha de Maré, no coração da Baía de Todos os Santos, sob o impacto da elevação do nível do mar de 55 centímetros em 2100, caso a temperatura média do planeta aumente em 1,5 grau, de acordo com o IPCC.
A vulnerabilidade da ilha e seus 11 mil habitantes vai além, por conta dos dramas sociais. "Doenças e falta de segurança alimentar nos atingem, bem ali por onde passa o esgoto da capital e, também, toda a produção de petróleo e grande parte do PIB da Bahia, a bordo dos navios cargueiros", diz Eliete Paraguassu, marisqueira e quilombola que vê na área "ventos estranhos e trovoadas em tempo diferente". Ela completa: "Já não conhecemos mais os fluxos das marés, devido aos impactos aos manguezais".
O combate ao racismo ambiental, defendido pela liderança, ganha força no debate climático. "O desenvolvimento não considera que já vivíamos e trabalhávamos no local, um território negro de importante estoque pesqueiro, sob ameaça", observa Paraguassu.
Periferias urbanas buscam justiça
Nas grandes cidades, a alteração global do clima afeta ricos e pobres, evidência que ficou palpável com a grande nuvem de poeira que atingiu a capital paulista devido às queimadas no Pantanal e na Amazônia, em 2020. No entanto, na poluição do ar, as periferias de baixa renda sofrem mais e reúnem as camadas sociais que menos contribuem com o problema, de acordo com estudos da Universidade de São Paulo (USP). O impacto é desigual: embora na média a poluição atmosférica tenha reduzido na capital paulista, os índices permanecem altos nas periferias pobres, onde é maior o número de internações por problemas respiratórios.
Em Poá e Perus, na Grande São Paulo, estações mantidas pela comunidade medem poluentes e os índices de temperatura, chuva e umidade do ar. A ideia, com os sensores, é obter dados próprios sobre impactos climáticos - não causados pelos moradores - como base para ações na Justiça, mobilização e cobrança de políticas públicas.
"O projeto também vai acompanhar o deslocamento das pessoas, com equipamentos móveis, para aferir a poluição no trajeto entre a casa e o trabalho", revela Mariana Belmont, diretora de clima e cidade do Instituto de Referência Negra Peregum, que apoia a iniciativa. "O debate climático precisa olhar para os direitos humanos e considerar dados sobre a população negra", enfatiza.
O desafio turbina o debate da Justiça Climática no meio urbano - desde a questão da mobilidade, com o direito individual de trocar carros por bicicletas, até a cobrança por mais áreas verdes e por recompensa para quem chega com soluções. É o caso dos catadores de materiais recicláveis. Eles prestam serviços climáticos à população e ajudam empresas na logística reversa de produtos após o consumo, com retorno às fábricas. Não é pouco: a reciclagem reduz matérias-primas virgens extraídas da natureza, como o petróleo, diminui o uso de energia nas indústrias e evita que maior quantidade de resíduos vá para lixões ou aterros, com emissão de gases estufa.
"Embora as leis reconheçam a nossa importância na gestão dos resíduos urbanos, estamos sob constante ameaça de exclusão", afirma Aline Sousa da Silva, presidente da rede de cooperativas Centcoop, no Distrito Federal.
A catadora começou na atividade aos 14 anos, quando ajudava a avó a puxar a carrocinha, na periferia de Águas Claras (DF). Atualmente, comanda 21 cooperativas, no total aproximado de mil catadores, muitos dos quais em operação no complexo de triagem construído para erradicar o Lixão da Estrutural, em 2018. O ganho é de R$ 350 por tonelada de resíduos, além da venda no mercado.
Em alguns casos, as cooperativas são também remuneradas por contratos com prefeituras para a coleta nas residências. "Defendemos a economia circular como modelo de desenvolvimento conectado à questão do clima, e não apenas à extração, consumo e descarte", destaca Silva.
Por trás disso está a perspectiva de se fazer justiça, ainda a evoluir. Jacques Marcovitch, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, é taxativo: "Na esfera climática, a ciência avançou bastante, mas ainda estamos aprendendo no ordenamento jurídico, com a interpretação das leis". Questões chegam aos tribunais como solução última para a garantia de direitos, inclusive das futuras gerações, conforme explica Marcovitch. "Como as consequências da mudança climática são de longo prazo, o desafio exige considerar a qualidade de vida dos brasileiros não nascidos. Não é uma responsabilidade que pode ser postergada agora para eles resolverem o problema depois."
Desafios para os tribunais
O julgamento das ações judiciais em torno de questões climáticas que estão no Supremo Tribunal Federal (STF), com jurisprudência para orientar futuras decisões das instâncias inferiores do Judiciário, poderá ser um marco divisor de águas no debate sobre o tema, no Brasil. "O desfecho dará novas bases para a gestão ambiental brasileira, principalmente quanto ao controle do desmatamento", prevê Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).
Ele reforça que a judicialização é fruto tanto do cenário de pressões globais como das lacunas do poder público e da maturidade da ciência climática. No pacote de sete ações ajuizadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil na Suprema Corte brasileira, três foram julgadas e concluídas, com ganho de causa nos temas do licenciamento ambiental, controle da poluição e participação social em instâncias coletivas de decisão, como o Fundo Nacional do Meio Ambiente. No julgamento da quarta ação no STF, sobre o controle do desmatamento, o processo foi paralisado por pedido de vistas e não retomado até o início de junho.
"Com os riscos crescentes de desastres e prejuízos em função do aquecimento global, os motivos de representação jurídica se tornam muito claros, e o litígio na mitigação de carbono e adaptação aos impactos vai se acelerar", analisa a juíza federal Rafaela Rosa, coordenadora do Jusclima 2030 - laboratório de inovação criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o propósito de avançar nessas novas demandas. Além de medidas para reduzir emissões internas do Judiciário, a iniciativa mapeia a judicialização da mudança climática no país e prepara tecnicamente os magistrados para fundamentação das decisões. "Falta jurisprudência e maior aprofundamento", pondera Rosa.
Os compromissos nacionais no Acordo de Paris, as leis e regras para a descarbonização da economia e os riscos do greenwashing pelas empresas deverão balizar o tema na Justiça. "Embora a legislação possua muitas lacunas, o que certamente dificulta a judicialização dos direitos climáticos, a Constituição brasileira contempla princípios que podem - e devem - ser utilizados para suplantar esse quadro de falta de regras específicas", atesta Luís Eduardo Marrocos de Araújo, procurador da República que coordena o Grupo de Trabalho Mudanças Climáticas, no Ministério Público Federal.
Lei para todos
A Constituição contempla os princípios da Justiça Climática, mas a participação democrática é essencial para que isso se dê na prática. É o que conclui o procurador Luís Eduardo Marrocos de Araújo, especialista em desenvolvimento sustentável e direito ambiental pela Universidade de Brasília. Em entrevista a Um Só Planeta, ele explica como a Justiça Climática tem evoluído no Brasil e pode contribuir com uma maior escala de soluções diante da atual crise planetária:
Quais as fronteiras da Justiça Climática e com quais motivações e tendências elas avançam no país?
No significado específico, a expressão "Justiça Climática" abrange o direito das populações socialmente desfavorecidas de receberem, de forma prioritária, a proteção estatal contra os efeitos das mudanças do clima. Isso decorre do fato inconteste de que são elas as que mais sofrem os efeitos negativos, a exemplo das comunidades de baixa renda que residem em áreas sujeitas a deslizamentos e inundações.
Em outro sentido, Justiça Climática pode ser entendida como litigância, ou seja, o conjunto de medidas adotadas pelos diversos atores do sistema de justiça (advogados, membros do Ministério Público e juízes) com a finalidade de lidar com as questões do clima. Nesse campo, embora em fase inicial, o tema vem avançando no Brasil, onde o Supremo [Tribunal Federal] tem dado sinais de que pode desempenhar um papel importante. Ao restabelecer o papel da participação da sociedade civil no Fundo Nacional do Meio Ambiente, qualifica, do ponto de vista democrático, as decisões sobre a aplicação de recursos públicos em projetos necessários para combater os efeitos das mudanças do clima.
A tendência da litigância climática no Brasil é avançar em duas importantes áreas: a mitigação dos gases de efeito estufa, com reflorestamento e tecnologias limpas, e a adaptação aos impactos. Nesse ponto, as ações objetivam adaptar políticas, serviços e infraestrutura aos efeitos prejudiciais das mudanças do clima.
Como as lacunas existentes na interface das políticas ambientais e climáticas interferem nessa questão?
A crise climática é um fato inegável, cujas consequências vêm se apresentando todos os dias, com o progressivo aumento da frequência e da intensidade de desastres como inundações e deslizamentos, além de ondas de calor e de frio intenso. A Constituição brasileira contempla princípios que ajudam no campo da Justiça, como os da precaução, prevenção, informação e participação popular. No entanto, o acionamento de preceitos genéricos para a defesa de direitos pode suscitar dificuldades práticas maiores do que o acionamento de regras específicas que detalham a sua aplicação e demandam menor esforço para utilização pelos tribunais.
Qual o papel da cidadania ambiental e como avançar neste ponto?
A participação democrática é essencial para o desenvolvimento e o fortalecimento das políticas climáticas. É importante que a população, principal destinatária e interessada na proteção climática, participe dos foros de decisão sobre políticas do clima. Entretanto, para que haja participação, é essencial que a população seja informada para a tomada de decisões. Uma informação importante e que ainda não está disponível aos cidadãos é a projeção da elevação do nível do mar sobre a costa. Há necessidade de se determinar as áreas que se sujeitarão ao avanço das marés, a fim de se assegurar, mediante medidas de restrição ao uso do solo, espaços livres e adequados para a migração paulatina e natural dos ecossistemas costeiros, como o de manguezais.
Qual a expectativa sobre o aumento geral das demandas de litigância no tema, a partir dos casos em trâmite no Supremo Tribunal Federal?
Se a litigância ambiental é desafiadora, a litigância climática é mais ainda, pois a sua regulamentação, além de ser mais recente e menos conhecida, possui muitas lacunas, exigindo um esforço jurídico maior. Nesse sentido, uma sinalização firme e favorável do Supremo poderia servir de estímulo à judicialização e à concretização dos direitos climáticos.
Um estímulo importante pode vir do Poder Legislativo, com a aprovação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, previsto na Política Nacional de Mudança do Clima - Lei no 12.187/2009. Embora esse mercado possa ensejar uma litigância de cunho mais econômico do que social - relacionado, por exemplo, à disputa de empresas por créditos de carbono -, a sua existência aproximaria mais a população e o sistema judicial da questão climática, facilitando o reconhecimento dos direitos da população contra os efeitos das mudanças do clima.
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Clima:Política Climática
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