'O crime ambiental compensa': exigência de provar punição dificulta a condenação por incêndios criminosos

O Globo, Brasil, p. 15 - 19/09/2024
'O crime ambiental compensa': exigência de provar punição dificulta a condenação por incêndios criminosos
Neste ano, foram abertos apenas 56 novos processos por esta ilicitude

Lucas Altino e Patrik Camporez

19/09/2024

A defesa da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de penas mais duras para punir incêndios florestais criminosos chamou a atenção para a falta de investigação e punição desse crime. A lei prevê prisão de dois a seis anos ou de seis meses a um ano quando não há comprovação de intenção, o que normalmente é convertido em cestas básicas. Também exige a identificação da origem e dos autores do fogo, uma tarefa difícil, segundo as autoridades. Com isso, poucas ações chegam aos tribunais: neste ano, foram abertos apenas 56 novos processos por incêndio florestal.

- A sensação hoje é que o crime ambiental compensa - lamenta Mauricio Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), que defende mais sanções, como restrição a financiamentos para produtores rurais.

A Polícia Federal abriu 85 inquéritos sobre queimadas que podem ter origem criminosa na estiagem deste ano em todo o país. O número inclui, além dos crimes ambientais, os que envolvem delitos de incêndio previstos no código penal - na semana passada, eram 52 casos. Os inquéritos foram abertos no Amazonas, em Roraima, no Pará, no Distrito Federal, em Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul, em Goiás e em São Paulo.

A PF tenta descobrir quais incêndios foram intencionais, e, nestes casos, qual seria a motivação. Até o momento ninguém foi preso. Coordenadora do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo destaca que, quando há processo, o que já é raro, a maioria trata o crime como culposo, sem a intenção, pois é muito difícil comprovar o dolo no caso de incêndio.

Diretor da Associação Nacional dos Servidores do Meio Ambiente e fiscal do Ibama, Wallace Lopes diz que primeiro é preciso mudar a percepção social sobre a gravidade desses crimes.

- A lei já prevê o agravamento da pena no caso de crimes cometidos em épocas de secas ou inundações. Mas de maneira geral, crime ambiental é considerado como de menor potencial ofensivo e, por isso, passíveis de conversão da pena.

As próprias punições administrativas do Ibama se tornaram mais leves, depois da aprovação do Novo Código Florestal, em 2012. Antes, apenas o fato de haver queimada em propriedades rurais já poderia gerar multas. Agora é necessário comprovar a origem do fogo.

- Ou se pega o proprietário em flagrante ou para cada incêndio tem que se fazer uma perícia - diz um dos agentes do Ibama, que pede para não ser identificado e também aponta a pouca quantidade de fiscais no Brasil (cerca de 700).

Coronel da reserva do Corpo de Bombeiros do Mato Grosso e perito, Paulo Barroso explica que, em uma perícia de incêndio, detectar o local de origem e a causa do fogo é uma tarefa viável. A dificuldade está em identificar o responsável.

- Pode encontrar os vestígios, mas quem foi que riscou o fósforo? Só a origem não é o suficiente para a ação judicial - explica o perito, que acrescenta que criminosos frequentemente usam dispositivos que iniciam fogo de forma retardada. - A brasa queima devagar e o incêndio começa quando ele já está longe.

Segundo investigadores familiarizados com o problema, a maioria dos incêndios criminosos é para limpeza de terreno para pastagem. O promotor Pablo Viscardi, coordenador do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público de Rondônia, acrescenta que, na Amazônia, são comuns as queimadas em terras públicas para grilagem e também abertura de pastos.

Fogo por vingança
Este ano, o crime atingiu níveis acima da média no estado, e o promotor aponta mais um motivo: vingança por uma operação de retirada de invasores do Parque Guajará-Mirim, em 2023.

- Como notaram que o fogo começou a sair do controle, e o estado não conseguia responder à altura, potencializaram os focos - conta o promotor.

Desde 1o de setembro, o governo de Rondônia e o Ministério Público começaram a Operação Temporã, para reprimir queimadas no Guajará-Mirim e na Estação Ecológica Soldado da Borracha, os locais mais atingidos. Já foram presas em flagrante seis pessoas. Mas o promotor reconhece que é difícil provar a intenção de cometer o crime no caso das queimadas.


- Se chegar rápido, consegue encontrar vestígios. Em um caso, encontramos rastros de moto. Seguindo, achamos garrafas pet com resquícios de gasolina.

Uma semana antes do início da operação, bombeiros foram alvos de tiros .

- O clima era muito hostil, eles se empoderaram mais - afirma Viscardi.

No Pantanal, com a dificuldade de comprovação de crime, a estratégia tem sido ajuizar ações cíveis, com pedidos de indenização contra proprietários de terras queimadas. O promotor Luciano Furtado Loubet, do núcleo Ambiental do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, explica que hoje a tecnologia ainda não permite que se chegue a imagens de quem colocou o fogo e por quais motivos.

- Até investigação prévia é difícil, porque não depende de organização muito grande. Não vai ter escuta telefônica com gente combinando que vai botar fogo - explica Loubet. - Deveria ter um crime para falta de medidas preventivas. Se hoje eu achar alguém com galão de gasolina e isqueiro em uma Unidade de Conservação, não pode ser preso. Só se ele acender.

https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2024/09/19/o-crime-ambiental-compensa-exigencia-de-provar-punicao-dificulta-a-condenacao-por-incendios-criminosos.ghtml

O Globo, 19/09/2024, Brasil, p. 15
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