Em meio a recorde de queimadas, Brasil tem apenas 374 pessoas presas por crimes ambientais
Número representa 0,05% da população carcerária brasileiro, que soma 645 mil detentos
27/09/2024
Sérgio Roxo e Patrik Camporez
Diante de suspeitas de ação criminosa nas queimadas pelo país e enquanto o governo discute um projeto que aumenta pena para quem provocar incêndios, dados do Ministério da Justiça mostram que o Brasil tem apenas 374 presos por crimes ambientais. O número representa 0,05% do sistema carcerário brasileiro, que tem 645 mil detentos.
As informações integram um relatório, obtido pelo GLOBO, elaborado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça. Os números levam em consideração as pessoas que cumprem pena em celas físicas, independentemente do regime (fechado ou semiaberto).
No caso dos crimes ambientais, como mostrou O GLOBO, além da dificuldades em aplicar a lei, poucas ações chegam aos tribunais: neste ano, foram abertos apenas 56 novos processos por incêndio florestal.
As próprias punições administrativas do Ibama se tornaram mais leves, depois da aprovação do Novo Código Florestal, em 2012. Antes, apenas o fato de haver queimada em propriedades rurais já poderia gerar multas. Agora é necessário comprovar a origem do fogo.
Nas últimas semanas, a fumaça provocada por queimadas atingiu até cerca de 80% do território nacional. O governo federal tem afirmado que parte dos incêndios tem causas criminosas. A Polícia Federal já abriu 85 inquéritos para investigar as suspeitas em estados como Amazonas, Roraima, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e no Distrito Federal.
Penas maiores
A PF entende que as penas baixas e a falta de tipificação para algumas condutas dificultam a investigação e a punição desse crime. O Ministério da Justiça elaborou uma proposta, que ainda será analisada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para endurecer penas para delitos como provocar incêndios em florestas, poluição, venda de madeira ilegal, garimpo ilegal e dano provocado em unidades de conservação.
Pela proposta, penas de detenção previstas para alguns crimes passariam a ser de reclusão. No primeiro caso, o cumprimento das sentenças não pode começar em regime fechado. Além disso, nos crimes com previsão de reclusão, a polícia pode se valer de métodos como interceptação telefônica na fase de investigação.
Em casos de penas superiores a quatro anos, grupos organizados para praticar esses crimes podem ser enquadrados como organização criminosa, o que possibilita a adoção pela polícia de outras medidas especiais de investigação.
A pena sugerida pelo Ministério da Justiça para quem provocar incêndio passa de dois a quatro anos para de três a seis anos. Já para quem provocar dano a unidade de conservação a pena seria de três a seis anos e não mais de um a cinco anos. No caso de garimpo ilegal, a pena, que é de seis meses a um ano, passaria a ser de dois a cinco anos.
Há o entendimento que, da forma como a lei está hoje, existe uma alta probabilidade de prescrição. O prazo para que a possibilidade de punição seja extinta tem como base o tamanho da pena.
Relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça indica que a proporção geral de prescrições nos processos criminais ambientais na Amazônia Legal é de 26%.
Geraldinho fica solto
O caso do fazendeiro Geraldo Daniel de Oliveira, conhecido como Geraldinho e apontado como um dos maiores desmatadores da Amazônia, ilustra a dificuldade de pôr na cadeia os acusados de crimes ambientais. Em abril, Geraldinho foi preso em Goiânia, em uma operação das polícias de Goiás e do Pará.
Na ocasião, o governador do Pará, Helder Barbalho, celebrou a prisão nas redes sociais e disse que o fazendeiro era acusado de desmatar mais de 10 mil hectares nos últimos cinco anos na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, na margem esquerda do rio de mesmo nome e na divisa dos municípios de Altamira e São Félix do Xingu. Mas um habeas corpus permitiu a Geraldinho responder ao processo em liberdade.
Geraldinho já havia sido preso em 2022, no Pará. À época, ele acumulava mais de R$ 40 milhões em multas aplicadas pelo Ibama por conta de crimes ambientais. De acordo com as investigações, o fazendeiro desmatava para abrir áreas de pasto e vender as madeiras derrubadas.
A defesa do fazendeiro confirma que, nas duas vezes em que foi preso, Geraldinho não ficou mais de dois meses na cadeia.
- Ele ficou preso, mas foi solto rápido. Eu acredito que ele não aceita o título de maior desmatador. Ele fez um desmatamento, está respondendo pelo que fez, e já está providenciando documentação para apresentar aos órgãos ambientais e recuperar esse dano. Ele está tentando se organizar para fazer um programa de recuperação ambiental - alega o advogado Walteir Gomes Rezende, que defende Geraldinho em diversas causas ambientais.
Fuga em operação
Em agosto de 2019, O GLOBO esteve em uma fazenda na APA Triunfo do Xingu que teria sido desmatada em ação coordenada por Geraldinho. Um levantamento da ONG MapBiomas com base em dados do Deter-Inpe apontou, na época, que o local concentrava a maior área contínua de desmatamento do país naquele ano. Eram 3.730 hectares, o equivalente a 31 vezes o Aterro do Flamengo, no Rio. Boa parte da floresta derrubada nesta extensão havia sido queimada.
Dias antes, uma operação executada pelo Ibama e pela Polícia Militar do Pará na fazenda encontrou um verdadeiro exército em ação para derrubar a mata. Cinquenta homens se dividiam em 11 acampamentos no meio da floresta munidos de 14 motoserras. Foram apreendidas 19 motos e sete espingardas.
O grupo vinha trabalhando há cerca de cinco meses na área. Segundo um policial que participou da operação, Geraldinho fugiu sem ser abordado ao passar em alta velocidade dentro de uma caminhonete, enquanto os agentes estavam no meio da mata.
Investigadores apontavam que o principal objetivo do desmatamento na região é valorizar a terra para venda, mesmo que ela não esteja registrada, ou para o aluguel de pastagens. O hectare com floresta derrubada chegava a valer dez vezes mais, informaram.
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2024/09/27/em-meio-a-recorde-de-queimadas-brasil-tem-apenas-374-pessoas-presas-por-crimes-ambientais.ghtml
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