Veja, Ambiente, p. 98-99 - 28/01/2004
Fiscal, espécie rara
O país multiplicou por sete suas áreas de conservação natural. Vigiá-las é o grande problema
Leonardo Coutinho
É mais fácil avistar um mico-leão-dourado do que um fiscal do Ibama nos parques do país. Com quase 54 milhões de hectares protegidos por lei, em 250 reservas federais, o órgão de controle do Ministério do Meio Ambiente conta com 1.483 agentes. Cada um tem para vigiar uma área de 36.400 hectares, o tamanho de Belo Horizonte, mas em regiões de florestas, montanhas ou desfiladeiros. Isso cria um paradoxo. Ao mesmo tempo que o país se destaca como um dos que mais criam reservas, é também considerado um dos que menos cuidam desse patrimônio. Boa parte das queimadas que todos os anos se repetem no Parque Nacional do Caparaó, na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, e no da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, poderia ser evitada se houvesse mais fiscalização. "Muitas vezes, só nos resta acompanhar as queimadas por satélite", diz um fiscal de Brasília. Assim se descobriram, em setembro, os incêndios nos parques da Serra do Divisor, no Acre, e de Jaú, próximo a Manaus. Em cada uma dessas reservas havia apenas um fiscal.
Já há 6% do território brasileiro estabelecido como reserva federal, mas menos de um terço está implantado. Dos doze parques criados desde 1999, nenhum possui sede dentro da própria área. Em Januária, no norte de Minas, três funcionários que cuidam do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu têm uma única caminhonete, uma Mitsubishi L200, com quatro anos de uso, para percorrer mais de 50.000 hectares. No sul da Bahia, os fiscais passam boa parte do ano sentados no posto porque não há gasolina para abastecer os carros regularmente. "As unidades de conservação acabam existindo apenas no papel", afirma Rosa Lemos de Sá, superintendente de conservação da natureza da entidade WWF-Brasil, que coordenou em 1999 o estudo Áreas Protegidas ou Espaços Ameaçados? O quadro não é melhor quando se olham as polícias florestais dos Estados. Com a responsabilidade de conter madeireiros e criadores de gado que tentam transformar a mata em pasto, cada guarda da polícia florestal do Pará ganha 672 reais por mês e em boa parte de suas ações tem de enfrentar sozinho os vilões dispostos a tentar tudo para manter sua atividade ilegal - de suborno a emboscada.
Não é a Amazônia a área que mais sofre com a falta de fiscalização, por duas razões: em boa parte, a floresta é protegida pela própria inacessibilidade e, além disso, tem moradores muito interessados na preservação, os índios (veja quadro). As reservas de Mata Atlântica, por serem vizinhas de aglomerados urbanos, são os pontos mais ameaçados. Há 385 fiscais para controlar ataques à natureza nas imediações de cidades que abrigam 80% da população brasileira. Uma saída para melhorar esse quadro é incentivar a população a colaborar no controle dos parques, diz o biólogo Luiz Paulo Pinto, diretor do programa Mata Atlântica, da organização não-governamental Conservação Internacional. O trabalho voluntário está previsto em lei e faz todo o sentido, já que é impossível alcançar uma quantidade de fiscais profissionais que consiga cobrir todas as áreas de preservação.
Nos Estados Unidos, que têm 905 parques nacionais e reservas de vida selvagem, 171.000 cidadãos doaram, em 2002, quase 6 milhões de horas de trabalho para ajudar a cuidar do patrimônio natural. A dificuldade, aqui, é que, mesmo havendo quem queira ajudar, esses auxiliares podem tornar-se um novo problema. "A maioria dos parques não tem infra-estrutura para dar apoio aos voluntários", diz o biólogo. Com um orçamento de 564 milhões de reais para este ano e sem dados até sobre o total de voluntários que já atuam nos parques, resta ao Ibama, em vários casos, assistir à destruição. Pelo satélite.
A milícia dos índios
A foto de satélite abaixo mostra como áreas indígenas representam barreiras contra o desmatamento. Em Roraima, com royalties recebidos pela construção de uma hidrelétrica, os uaimiris-atroaris mantêm duas caminhonetes percorrendo os 73 quilômetros da estrada que corta a reserva. Recolhem animais feridos, localizam incêndios e espantam os indesejados. No sul do Pará, os índios gaviões têm um grupo de vigilância patrulhando as bordas da reserva. Fardados, metem medo nos invasores com espingardas e flechas de pontas envenenadas. É discutível se os índios devem ter essa tarefa, mas não há dúvida de sua eficiência. Segundo um estudo do Instituto Socioambiental, a média de desmatamento nas reservas indígenas é de 1,1%. No entorno, de 17%.
Veja, 28/01/2004, p. 98-99
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