Ecoturismo discrimina populações nativas

Diário do Pará - 22/07/2005
Segmento turístico que explora o patrimônio natural e cultural, com preocupações preservacionistas e sociais, o ecoturismo que emerge das políticas oficiais no Estado do Pará ainda está longe do proposto, principalmente em relação ao alcance social da atividade: a promoção do bem-estar das populações nativas existentes nas áreas exploradas. A marginalização dessas populações é uma das principais constatações da pesquisa de mestrado realizada pelo professor Paulo Moreira Pinto, do departamento de Turismo da UFPA. Especialista pelo Núcleo de Meio Ambiente da UFPA, Pinto vem se dedicando ao estudo do ecoturismo, tendo realizado estudo sobre o Parque Ambiental de Belém, mais conhecido por Parque do Utinga, área de proteção que sofre forte pressão populacional, com graves prejuízos aos mananciais da cidade.

A partir de 1997, o pesquisador concentrou seu interesse sobre uma das áreas de maior potencial turístico do Pará, a Serra das Andorinhas, uma faixa de terra no município de São Geraldo do Araguaia, ao lado de Xambioá, palco da guerrilha do Araguaia na época do regime militar. Na década de 1980, pesquisas constataram o alto valor da serra para as Ciências Naturais, sobretudo às áreas da Arqueologia, da Botânica e da Biologia. A serra é um santuário ecológico, com mais de 106 sítios arqueológicos, 42 cavernas, 34 cachoeiras, 30 grutas, oito tipos de florestas diferentes, mais de cinco mil gravuras e pinturas rupestres, além de 80 espécies de orquídeas, 200 tipos de árvores, 51 espécies de plantas medicinais e mais de 500 espécies de animais vertebrados, entre as quais algumas espécies em extinção. Para evitar que a pressão popular, numa área de muitos conflitos fundiários, causasse algum tipo de dano aos recursos naturais e à biodiversidade do local, o governo do Pará fez o tombamento da serra em 1989. Sete anos depois, criou o Parque Estadual Serra dos Martírios/Andorinhas, e delimitou uma Área de Proteção Ambiental com 60 hectares de entorno. A partir daí, o Parque entrou para a rota do turismo, em seu ramo mais recente, o ecoturismo. Depois de recolher registros documentais sobre a serra em Marabá e São Geraldo do Araguaia, o pesquisador manteve os primeiros contatos com os moradores, principalmente os mais antigos e os tidos como formadores de opinião, entre os quais líderes comunitários e diretores da colônia de pescadores.

Nada mudou para a população
A Serra dos Martírios é habitada por cerca de mil pessoas, dispersas em pequenas vilas. A pesquisa centrou seu foco sobre a comunidade de Santa Cruz, uma das mais numerosas, com cerca de 200 habitantes. A população da serra sobrevive da agropecuária de subsistência. Apesar do ecoturismo ter como uma de suas diretrizes o desenvolvimento sustentável das populações nativas, pregando sua inserção no processo produtivo e no desenvolvimento de políticas participativas, os habitantes da Área de Proteção Ambiental, em São Geraldo, continuam esquecidos pelo Poder Público. Mesmo depois que o Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas se transformou num dos pólos da política de ecoturismo do governo estadual, via Companhia Paraense de Turismo, a vida da população nativa em nada mudou. Ela não participa da atividade, está à margem do processo. Sem trabalho e sem escolas para todos, os jovens continuam migrando para as cidades mais próximas.

Só no Amazonas é de verdade
Segundo o estudo desenvolvido por Paulo Pinto, as duas únicas experiências reais de ecoturismo na Amazônia estão sendo realizadas no vizinho Estado do Amazonas - em Mamirauá e, mais recentemente, em Silves. Para o pesquisador, a política paraense falha porque está centrada tão-somente no viés econômico. Enganam-se os que pensam que levando grandes quantidades de turistas para uma determinada área de cunho ecológico se está fazendo atividade de ecoturismo, explica. Ecoturismo não é isso. É preciso que haja condições para que as populações tradicionais entendam a atividade e que possam participar dela de forma cooperativa, fazendo com que o ecoturismo se desenvolva e consiga distribuir, de forma mais eqüitativa, trabalho e renda. O erro decorre do documento que serviu de base para a elaboração das políticas desenvolvidas no Brasil, o modelo norte-americano do Yellowstone National Park. Segundo este modelo, a área de proteção ambiental é intocada e não contempla a possibilidade de moradores. No Brasil, ao contrário, a maioria das reservas ambientais possui populações e, em muitos lugares, essas populações são tradicionais. No caso específico do Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas, a ausência de um plano de manejo, construído de forma democrática junto com a população, é outro agravante. Até hoje se encontra em fase de elaboração na Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. Segundo Paulo Pinto, a Sectam consegue fazer uma análise da ambiência local, mas não consegue transpor isso para um plano de manejo que se possa dizer participativo. Não por culpa dos técnicos, mas por causa das injunções político-partidárias. Enquanto isso, a Companhia Paraense de Turismo deslancha uma vigorosa campanha de marketing, com material publicitário de qualidade em que confunde, segundo o pesquisador, ecoturismo com turismo tradicional. Se o objetivo é trazer turistas para uma área de proteção ambiental, é preciso que se faça um marketing diferenciado, voltado para um consumidor com um perfil diferente do tradicional, diz. Esse consumidor, segundo pesquisa da Embratur realizada em 2001, é particularmente jovem, possui entre 25 a 45 anos, prefere o contato com a natureza, pertence à classe média e possui uma base de educação ambiental. Antes de tudo, porém, é preciso trabalhar a comunidade local, afirma Paulo Pinto.
UC:Parque

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