OESP, Vida, p. A26 - 07/06/2009
Ações contra veranistas criam divisão entre moradores da Jureia
Estado quer manter só caiçaras e caboclos nas áreas protegidas; eles passaram a temer pela perda de renda
Eduardo Nunomura
A Jureia está partida. Nativos e veranistas se entreolham, desconfiados. Isto em razão da lei de 2006 que uniu parques, reservas de desenvolvimento sustentável, estações ecológicas e refúgios de vida silvestre no Mosaico de Unidades de Conservação Juréia-Itatins, área de 110,8 mil hectares no Vale do Ribeira e litoral sul do Estado de São Paulo. O governo estadual move mais de 150 processos contra aqueles que não são de comunidades tradicionais da área - e outras centenas estão por vir.
O Estado tem pressa por causa de uma ação que tramita no Tribunal de Justiça que acaba com o mosaico e restabelece que a área deva ser integralmente protegida. Mas os nativos temem não ter meios de sobrevivência se os veranistas forem embora.
Na reserva de desenvolvimento sustentável (RDS) Barra do Una, onde um rio antes cheio de peixes serpenteia a mata atlântica para atingir uma praia preservada, as conversas se restringem a quem fica e quem sai.
Dos 130 imóveis da Reserva de Desenvolvimento Sustentável cadastrados pela Fundação Florestal, gestora do mosaico, só há moradores tradicionais em 31 deles. O restante é composto de ocupantes eventuais, os veranistas. A maioria deles terá de sair.
"Está um clima muito ruim. Tínhamos amizade com os veranistas e agora eles nos olham como se fôssemos os culpados por terem de sair", explica Benedito Pinto, de 50 anos. Dito vive da pesca, da venda de bebidas e salgados no verão e das reformas de casas. Deveria estar feliz porque finalmente pode ampliar seu teto. Mas sua reforma destoa em meio a dezenas de imóveis lacrados com blocos de concreto. "Se as coisas piorarem, vou ter de ir embora."
Nas últimas décadas, caiçaras e caboclos criaram uma relação de dependência com os veranistas. Foram condenados a um eterno subdesenvolvimento. Com a pesca rendendo menos de um salário mínimo por mês, eles viraram caseiros dos que passavam férias ou fins de semana na Jureia.
Muitas casas de verão foram erguidas quando o mosaico nem era uma estação ecológica, criada em 1986 para proteger 79.830 hectares de mata atlântica ameaçados de abrigar uma usina nuclear. Desde então, os governos não conseguiram regularizar a situação fundiária, medida assumida pela atual gestão (mais informações na pág. A27). O problema é que a regularização vem abrindo feridas.
"Sou pescador, mas só de pesca não se sobrevive mais na Jureia", afirma Francisco Carlos Isquierdo, de 45 anos. Ele cuida de quatro casas de veranistas, mas uma delas já foi lacrada.
As ações civis públicas, movidas pela Procuradoria-Geral do Estado, não indenizam os veranistas e os obrigam a destruir os imóveis e recuperar, ambientalmente, as glebas. "Lacraram casa de gente que vinha há mais de 30 anos. O pessoal está apavorado com as ações." Ao menos, Chiquinho ganhou de um ex-veranista as telhas velhas da casa atualmente em destruição.
O diretor executivo da Fundação Florestal, José Amaral Wagner Neto, garante que o governo vai criar programas de renda para os nativos que poderão ficar. "Vamos criar alternativas para que eles não dependam dos ocupantes irregulares", afirmou, citando como exemplos a criação de centros de trabalho e até transferência de renda.
A fundação apontou 112 famílias tradicionais em todo o mosaico da Jureia. Apelidada por moradores como a "Lista de Schindler", pois só quem está nela poderá ficar, ela dá uma dimensão de quantos ainda deverão sair. Há mais de 450 glebas cadastradas.
"Há um clima de terror", resume Albert Carrady Reuben, diretor da Associação dos Moradores e Ocupantes da Barra do Una, criada para defender o interesse dos veranistas. Dono de uma casa de 180 metros quadrados, com três dormitórios e um ofurô com vista para a mata atlântica, Reuben afirma que chegou antes da estação ecológica e agora responde a uma ação na Justiça. Na visão dele, nada está sendo feito com transparência pelo Estado. "Na verdade, só estão gerando conflitos, divisões e ameaças."
INDENIZAÇÃO
O presidente da União dos Moradores da Jureia, Dauro Marcos do Prado, acrescenta: "Não dá para usar de força bruta, lacrando ou demolindo casas, nem mentir à comunidade, dizendo que a casa do veranista vai ficar para nós." Com a criação do mosaico, seu imóvel permaneceu na estação ecológica e ele terá de sair. Nascido na Jureia, Prado não foi considerado morador tradicional, mas seu irmão Valdir, sim. Nesta situação, o governo deve só indenizá-lo. Seu irmão receberá a indenização e será realocado para uma RDS.
"O que chama atenção é que o Estado adota tratamentos diferenciados. A RDS do Una é uma terra devoluta, pública, e a do Despraiado é particular, privada", argumenta Plinio Melo, da organização não governamental Mongue. "Na Barra do Una, haverá demolições; no Despraiado, pagamento de indenização; e no meio disso tudo, o falso discurso da preocupação ambiental." A Mongue fica na Jureia. Embora desenvolva projetos de preservação da cultura caiçara, Melo já recebeu a notificação da Fundação Florestal de que não é bem-vindo.
Quem ficou fora da lista tem até quarta-feira para pedir sua inclusão. Um conselho criado pela Fundação Florestal analisará caso a caso e dará a resposta até 30 de julho. "A regularização fundiária vai seguir normalmente e é um processo negociado com a comunidade tradicional", afirma Wagner Neto. "Mas não restará RDS para veranista de fim de semana."
OESP, 07/06/2009, Vida, p. A26
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