No Parque Estadual do Jalapão, um mergulho na natureza

O Globo, Boa Viagem, p. 10-17 - 05/04/2018
No Parque Estadual do Jalapão, um mergulho na natureza

POR JÚLIA AMIN/FOTOS: BÁRBARA LOPES
05/04/2018 4:00 / ATUALIZADO 05/04/2018 4:00

PALMAS - "O Jalapão é bruto", avisa o guia Cristiano Oliveira, da Jalapa Adventure, ao fechar a porta de sua 4x4, antes de dar partida rumo a uma expedição de cinco dias ao Parque Estadual do Jalapão, cenário da novela "O outro lado do paraíso", da TV Globo. Palmas, capital do Tocantins é o ponto de partida. São necessários mais de 180 quilômetros, entretanto, para começar a perceber a veracidade da afirmação.
O asfalto que leva a Ponte Alta do Tocantins, porta de entrada da unidade de conservação, vai, aos poucos, dando lugar a estreitas estradas de terra, cercadas pela paisagem árida, ora com vegetação rasteira e poucas árvores; ora, grandes veredas; ora, incríveis chapadões. Olhar para o horizonte é ver a natureza em seu estado mais puro, tal como a palavra "bruto" é definida no dicionário.
Com cerca de 34 mil km², o Jalapão ocupa uma área maior do que a extensão de Sergipe, e tem duas estações bem definidas. A de chuva (chamada de inverno) vai de novembro a abril, e a de seca (considerada verão), de maio a outubro. Se, no inverno, avistam-se intensos arco-íris pelo caminho, no verão, o céu azul é certeza de belo pôr do sol e noites iluminadas pelo brilho da lua e das estrelas. Além de Ponte Alta, os municípios Mateiros e São Félix do Tocantins servem como base para visitas a atrativos naturais como os famosos fervedouros, as cachoeiras e as dunas.
Fora das cidadezinhas, as paisagens são tão intocadas que não é raro aproveitar atrações sem gente, visitadas apenas por araras, tucanos, veados e outros animais da região. Por conta das condições das estradas, os lugares são acessados apenas por veículos com tração nas quatro rodas. Dê preferência à contratação de guias, já que os caminhos são mal sinalizados e o telefone não pega.
O primeiro atrativo fica a caminho do parque, a meia hora de Palmas, no distrito de Taquaruçu. Uma trilha em de uma propriedade particular em Área de Proteção Ambiental (APA), no Km 38 da Rodovia TO-030, dá acesso às cachoeiras Escorrega Macaco e Roncadeira (com queda de 70m). São 1.500m de caminhada leve e bem sinalizada. Na Roncadeira, os corajosos se aventuram na descida de rapel, e os menos destemidos relaxam no poção da cachoeira.
Mais adiante, o Jalapão nos aguarda. Filtro solar, chapéu e um bom repertório musical são imprescindíveis para a aventura, já que boa parte do tempo é passada dentro do carro.
Intocado, mas não intocável. O Jalapão consegue ativar os cinco sentidos do visitante, seja com sua escala de cores alaranjadas, o silêncio da natureza, a sensação da areia dos fervedouros, que toca a pele como uma massagem, o aroma que sai das panelas de barro da dona Olaíde ou o sabor dos frutos do cerrado. Viajar ao parque é conectar-se à natureza primária. É percorrer centenas de quilômetros sem ver uma única intervenção humana ao redor. O luxo do cenário está nas paisagens. Os meios de hospedagem são simples: algumas oferecem comodidades como ar condicionado e wi-fi.
A primeira parada é Ponte Alta do Tocantins, base para dois passeios muito conhecidos, que podem ser feitos no mesmo dia. A 12km do centro da cidade, uma pequena trilha de nível fácil leva ao Cânion do Sussuapara. Das fendas dos paredões escorre água do lençol freático, formando quedas e pequenos poços gelados. A água também verte das raízes das árvores, que funcionam como filtro natural, deixando-as limpíssimas para o consumo. Com sol, o córrego que segue os paredões ganha tons de azul, encantando ainda mais os visitantes.
Um bloco arenítico com nuances rosadas no meio do cerrado é a segunda atração de Ponte Alta. A Pedra Furada é famosa por proporcionar momentos incríveis no Jalapão. Ao tocar na gigantesca pedra, a areia que a compõe se desfaz nas mãos. Basta uma rápida caminhada até o mirante para ver o sol se pondo em um dos buracos da rocha. No horizonte, um morro solitário, que lembra um chapéu de gala, dá ainda mais beleza à paisagem. O mais é silêncio e paz.
Sorvete quilombola rumo às dunas
Muitos guias preferem pernoitar em Ponte Alta e seguir para a Mateiros na manhã do dia seguinte. O percurso é de 200km, mas vale desviar para conhecer a Cachoeira da Velha. São 15m de queda, e o volume das águas é tão grande que se assemelha a uma catarata. Por ali não é permitido banho. Quem quiser dar um mergulho pode seguir a pequena estrada até a Prainha do Rio Novo. Os guias aconselham que os frequentadores fiquem perto dos bancos de areia por conta das fortes correntezas subaquáticas. Neste trajeto não há restaurantes, e as agências costumam oferecer piqueniques para os clientes. Para quem passeia por conta própria, é importante já sair de Ponte Alta com sanduíches, bebidas, frutas e biscoitos. Entre um mergulho e outro, o guia Cristiano Oliveira, da Jalapa Adventure, fala sobre as histórias do lugar:
- Diz a lenda que uma velha morava às margens do Rio Novo, e sempre lavava roupa perto da cachoeira. Por isso o nome de Cachoeira da Velha. Os garotos da região iam lá tomar banho e ela sempre brigava com eles. A velha morreu, mas dizem que em noite de lua cheia aparece zanzando para assombrar a galera.
É hora de partir rumo às dunas, uma das etapas mais esperadas no Jalapão. No caminho, vale parar na comunidade quilombola do Rio Novo para tomar sorvete de frutos da região: mangaba, buriti e bruto (araticum-do-cerrado), entre eles. Da estrada, avistam-se o Morro do Saca Trapo e a Serra do Espírito Santo, cuja erosão, há bilhões de anos, deu origem aos grandes morros de areia que são cartão-postal da região.
O vento foi responsável por carregar os sedimentos alaranjados da serra para o meio do parque. Uma bela paisagem surge aos olhos de quem sobe ao topo da duna mais alta, a 400m. Um mar de areia contrasta com as águas límpidas dos rios que correm ali. Ao fim do dia, o visitante é contemplado com pôr do sol no alto das dunas, que ficam ainda mais douradas, com cor de doce de leite.
Mergulhar em um fervedouro é ter a certeza de que cada experiência será única. E depois de relaxar em quase uma dezena deles, é inevitável escolher o campeão, ou os campeões, já que a decisão pode ser difícil. Enquanto alguns chamam atenção pela transparência da água, como é o caso do Buritizinho, no estilo Mar do Caribe, outros impressionam pela pressão que sai do fundo, impedindo o banhista de afundar e, algumas vezes, até empurrando o visitante para a superfície.
É em Mateiros onde há a maior concentração deles, são cinco abertos atualmente, além da famosa Cachoeira da Formiga. Por isso, são recomendados dois dias de permanência na cidade.
- O Jalapão é considerado a caixa d'água do Brasil. O nosso lençol freático passa muito perto da camada de rocha, que tem fendas. A água, então, sobe com muita pressão no solo que é arenoso, surgindo, assim, o fervedouro. O nome deste fenômeno é ressurgência - explica Heberson Martins, secretário de Desenvolvimento econômico, Meio Ambiente e Turismo de Mateiros.
Diferentemente do que o nome sugere, os fervedouros não têm águas quentes, mas a temperatura é ideal para refrescar em um dia de sol. O primeiro a ser descoberto foi o do Ceiça. Cercado de bananeiras, lembra uma pequena ilha em meio ao verde.
A poucos metros dali, o Rio Carrapato, que fica na mesma propriedade, é um convite a um mergulho para tirar a areia do corpo. Já o fervedouro Encontro das Águas, embora bastante pequeno, é o de maior pressão. Perto dele também passam dois rios, o Sono, de temperatura fria, e o Formiga, quente, proporcionando uma sensação térmica bastante agradável.
A joia do jalapão
Entre um banho e outro nas piscinas naturais, há tempo de almoçar. No fervedouro Rio Sono, a dona Olaíde Castro Tavares prepara, por encomenda ou com algum tempo de espera, uma deliciosa comida caseira. Uma porção de caranha frita, peixe de água doce muito vendido na região, é acompanhada de limões e macaxeira, também frita. Carne, massa, arroz, feijão, farofa e outros quitutes saborosíssimos fazem parte do bufê, que pode ter pequenas variações. Come-se à vontade por R$ 35. Bebidas não estão incluídas no preço, mas os amantes de cerveja encontram uma estupidamente gelada, por R$ 5 (lata), ou R$ 10 (garrafa). Depois do almoço, nada melhor do que tirar uma soneca no deque do fervedouro, que tem águas azuis claríssimas e muitos peixes.
- Quem descobriu o fervedouro foi meu sogro, que trabalhava na roça. Isso tem 40 anos. Eu e meu marido só abrimos para visitação e turismo há cinco anos, quando decidi inaugurar o restaurante. Antes disso, só nós tomávamos banho nele. Não tinha ninguém - conta Olaíde.
Perto do fervedouro Buritizinho, aquele das águas caribenhas, passa o Rio Formiga. Uma balanço preso a uma árvore vira uma espécie de parquinho para quem quer se divertir. Lá também é servido almoço. Para completar a experiência dos fervedouros, vale ir ao Buriti, que também chama atenção pela cor azul. É importante ter em mente que todos os fervedouros têm limite de pessoas, entre quatro e oito por vez, durante 20 minutos. Por estarem localizados em propriedades particulares também é cobrado valor de entrada, que varia entre R$ 20 e R$ 30.
A Cachoeira da Formiga (R$ 20) é a joia rara de Mateiros. Suas águas lembram esmeraldas, de tão verdes, e contrastam com o branco da areia do fundo. Além da queda e do poço, é possível continuar pelas águas do rio, boiando por alguns metros. Para visitar o local com poucas pessoas, ou nenhuma, uma boa opção é chegar pela manhã, bem cedo. Como as distâncias entre as atrações são longas, observar os caminhos e a beleza da natureza é bom passatempo. Na estrada que leva de volta a Mateiros, um desmoronamento em um dos morros forma um lindo coração, que só observadores atentos, como o guia Cristiano Oliveira, percebem.
Capim dourado
Já para quem gosta de história, a comunidade quilombola de Mumbuca é o lugar certo. Sociedade matriarcal, foram as mulheres que iniciaram a produção de artesanato com o capim dourado, típico da região. A arte é uma herança do povo indígena Xerente, que foi aos poucos se misturando com técnicas das próprias ex-escravas que fugiram da Bahia nas primeiras décadas do século passado. Hoje, homens e crianças também produzem as peças.
O capim dourado, matéria-prima, é colhido de setembro a outubro, mas começa a brilhar nos campos em julho e agosto. Na lojinha da comunidade, todas as peças têm uma etiqueta com o nome de cada artesã. São ótimas lembranças para levar dessa terra tão cheia de encantos.
Por sua localização, a cidade de São Félix do Tocantins pode ser porta de entrada ou de saída do Jalapão, pois fica a aproximadamente 260km de Palmas. É lá onde está o Bela Vista, o maior fervedouro da região e um dos locais onde foram gravadas cenas da novela "O outro lado do paraíso". Uma plataforma em madeira muito bem conservada leva os visitantes até o oásis. Por conta da sua posição, o sol bate diretamente em suas águas ao longo do dia, ressaltando a coloração azul-esverdeada.

Cochilo no Rio Soninho
O fervedouro Alecrim, a menos de cinco minutos do centro de São Félix, também está entre os mais populares. O lugar de maior flutuação é bem no meio na piscina natural, onde há bastante pressão. Os guias recomendam que os visitantes caminhem em direção ao "buraco" sem olhar para baixo. A sensação é de cair e ser empurrado para cima com muita força. A 500m dali, a praia fluvial do Alecrim é ótima opção para passar a tarde.
Para fazer jus ao nome do Rio Soninho, que corre paralelo às areias, que tal tirar um cochilo à sombra dos guarda-sóis de palha dispostos por ali? Observar a flora, a fauna e, claro, pegar sol na beira do rio também são parte do programa. Aos sábados, domingos e feriados, o local fica cheio, mas durante a semana não há quase ninguém.

Rafting no Rio do Sono
Na volta a Palmas, é possível "cortar caminho" se aventurando em um rafting. A empresa Novaventura cobra, para uma descida de quatro horas de duração, no Rio do Sono, R$ 250 por pessoa. As corredeiras de nível II têm águas pouco agitadas e exigem pequenas manobras, orientadas pelo instrutor.
Dá tempo de sobra para relaxar, contemplar a natureza e dar alguns mergulhos. Experimente também alguns momentos de total silêncio, apenas com o barulho da força da água e dos animais. As araras azuis são bastante comuns no trajeto.
Para fechar com chave de ouro, o rafting termina em uma pequena praia da Fazenda Estrela. O gaúcho de São Borja Hélio Fenner, 70 anos, dono da propriedade, espera os aventureiros com um farto almoço. Há saladas, carnes, frango e opções, inclusive, para vegetarianos, como um delicioso estrogonofe de legumes, mas é preciso agendar antes.
Surpresas ao pôr do sol
Entre um prato e outro, Hélio conta que chegou ali em 2010, depois de morar por mais de 30 anos em cidades de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. Pretende construir uma pousada em seu terreno e investir ainda mais no turismo. Na área de sua propriedade também está a Cachoeira da Arara, com duas quedas e um poção.
- Nosso almoço virou um atrativo turístico, e como a fazenda é muito rica, tem praia, cachoeira e trilha, resolvemos que vamos investir nisso - conta ele, enquanto oferece de sobremesa aos visitantes um bom naco de rapadura.
É nesse clima doce que os turistas vão se despedindo do Jalapão. Na estrada, um lindo pôr do sol colore a paisagem. É um recado claro dos céus: a natureza e o Jalapão sempre podem te surpreender.

Serviço
COMO CHEGAR
Pela Gol, a passagem entre Rio e Palmas (ida e volta) custa R$ 562, com conexões em Brasília (ida) e Congonhas (volta). Na Latam, o voo sai a R$ 458 (via Brasília, na ida; Congonhas, na volta). Na Azul: R$ 542 (via Goiânia). Tarifas cotadas para maio.
ONDE COMER
Fervedouro do Rio do Sono. Tel: (63) 9938-4920.
Fazenda Estrela. Tels. (63) 99952-0011 ou (63) 99937-1012.
ONDE FICAR
PONTE ALTA DO TOCANTIS
Pousada Águas do Jalapão. Diárias a R$ 210. Rodovia TO-255 Km 131, s/no. aguasdojalapao.com.br
MATEIROS
Pousada Buritis do Jalapão. Diárias a R$ 200. Rua 3, Q 5, L1.pousadaburitisdojalapao.com.br
SÃO FÉLIX DO TOCANTINS
Pousada Cachoeiras do Jalapão. Diárias R$ 210 (via booking.com). Tel. (63) 99954-4197, cachoeirasdojalapao.com.br
PASSEIOS
Roteiros. A Jalapa Adventure (jalapaadventure.com.br) tem roteiro de cinco dias com entradas, hospedagem, café da manhã, almoço e jantar por R$ 2.399. Com hospedagem em Palmas, o preço é R$ 2.599. Na Jalapão Total (jalapaototal.com), o programa de cinco dias, com entrada nos atrativos, hospedagem e três refeições, sai a R$ 2.250; ou com hospedagem em Palmas por R$ 2.450. Pela Korubo Expedições, hospedagem por cinco noites em barraca e camping desenvolvidos pela empresa, por R$ 2.580 (jalapao.com). Valores individuais, em quartos duplos.
Cachoeiras do Escorrega Macaco e Roncadeira. Acesso à trilha para cachoeiras: R$ 10. Na Roncadeira, a descida de rapel custa R$ 80.
PARQUE
Dunas. Horário de visitação: das 14h às 18h30m.
Nova taxa. Para controlar o número de visitantes ao Jalapão, lei para cobrança de taxa diária foi aprovada em Mateiros e está sendo discutida com municípios vizinhos. Ainda serão definidos valor (cerca de R$ 20) e forma de cobrança.

O Globo, 05/04/2018, Boa Viagem, p. 10-17

https://oglobo.globo.com/boa-viagem/no-parque-estadual-do-jalapao-um-mergulho-na-natureza-22554962
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