OESP, Metrópole, p. C7 - 02/12/2006
Resort causa polêmica em Cabo Frio
Pelo projeto, megaempreendimento imobiliário na Praia do Peró será erguido em Área de Proteção Ambiental
Clarissa Thomé
Cabo Frio, no litoral norte do Rio, pode ganhar um megaempreendimento imobiliário, com seis hotéis e resorts, shopping, campos de pólo e de golfe, além de loteamento para mil casas, dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Pau-Brasil. O projeto ocupará cerca de 5 milhões de metros quadrados na Praia do Peró, uma das mais preservadas da região, com dunas, sítios arqueológicos e plantas endêmicas - só encontradas ali. Ambientalistas, pesquisadores e políticos estão preocupados com o destino da APA.
O Projeto Reserva Peró foi apresentado à população em uma audiência pública no dia 23. Até então, só se conhecia o interesse do Club Med de investir na praia. A divulgação dos planos da Construtora Agenco - responsável pelo megaprojeto que inclui um hotel do Club Med e um campo de golfe da rede Sheraton - só ocorreu dois dias depois de a Câmara aprovar, por 7 votos a 2, mudança no Plano Diretor para a APA. A aprovação final do projeto agora só depende do aval de uma fundação estadual.
As áreas de proteção ambiental são divididas em zonas de acordo com o grau de conservação - as zonas de ocupação controlada podem ter construções e as de preservação permanente, não. A prefeitura alega que só abrandou a legislação municipal, excessivamente rigorosa.
'A Lei Orgânica era mais restritiva que o decreto estadual que criou a APA. A gente aprovou a mudança para não criar impedimento para a instalação do empreendimento, desde que órgãos ambientais permitam', afirmou o líder do governo na Câmara, Luiz Geraldo Azevedo (PP).
O vereador Jânio Mendes (PDT), que votou contra as modificações, criticou o que chamou de 'lei endereçada'. 'O plano anterior criava restrições para a construção em área de parque ou restinga. Esta nova lei não faz menção às questões ambientais, cria o parcelamento do solo (loteamento) e foi aprovada em regime de urgência, sem discussões.' De acordo com Mendes, durante todo o debate sobre o Plano Diretor, a prefeitura não fez menção à APA do Pau-Brasil.
Uma semana antes da aprovação da lei, entrou em discussão no Conselho Gestor da APA a proposta de transformar áreas de ocupação controlada em zonas de preservação da vida silvestre, mudança que impediria a construção dos hotéis. 'Ali não tem nada de degradado. Tem espécies endêmicas da fauna e da flora', diz Cyl Farney Catarino de Sá, pesquisador do Jardim Botânico do Rio e integrante do conselho.
O secretário de Governo, Carlos Victor Mendes, admite que a prefeitura se antecipou ao enviar a lei para votação. 'Se o plano de manejo da APA não foi regulamentado, foi por incompetência do Estado. Não podemos esperar indefinidamente para atrair investidores.'
Construtora diz que projeto preserva natureza
O Projeto Reserva Peró prevê que os hotéis sejam construídos sobre pilotis, para permitir a passagem das correntes de vento e o carreamento da areia, as calçadas serão de grama e as ruas de paralelepípedo, para facilitar o escoamento da água. Haverá ainda um horto de 450 metros, onde serão cultivadas mudas de plantas nativas, e o plantio de 1,5 milhão de metros quadrados de vegetação. 'A preocupação ambiental é muito grande', disse Paulo Pizão, coordenador do Relatório de Impacto Ambiental encomendado pela Construtora Agenco.
Pizão disse que a preocupação é tanta que a construtora contratou o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro para investigar os sítios arqueológicos. Dois foram encontrados e serão preservados. 'Quanto mais coisas descobrirmos ali, mais valor será agregado ao empreendimento', afirmou
Investimento de R$ 300 mi opõe governo e ecologistas
Complexo pode criar 16 mil postos de trabalho, mas há temores de que comprometa até 50% da área da APA
RIO
O Projeto Reserva Peró, que prevê investimentos de R$ 300 milhões, traz uma parceria entre duas grandes instituições - o Club Med, previsto para ser erguido numa ponta da Praia do Peró, e o Sheraton Beach and Golf, na outra extremidade. "Queremos criar o melhor destino turístico do País", afirma Sérgio Goldberg, proprietário da empresa Agenco. "A região reúne todos os predicados para isso: são 300 dias de sol por ano, areia maravilhosa, bom acesso com a duplicação da Via Lagos e um aeroporto alfandegado, com capacidade para Boeing". A proposta é defendida pelo governo municipal e rejeitada por entidades e ambientalistas.
O secretário de governo de Cabo Frio, Carlos Victor Mendes, defende com afinco o Reserva Peró. Para ele, é a grande oportunidade para recuperar a economia da cidade. "Perdemos empresas importantes na região como Álcalis e Caixa Econômica Federal. O comércio também está fechando. Não tem emprego. Sozinho, o empreendimento vai gerar mais empregos do que a prefeitura, a Refinaria Nacional de Sal e a Autoviação Salineira oferecem juntas", aposta.
A previsão é de que o empreendimento crie 16 mil empregos. "Tanto o Club Med quanto o Sheraton tem cultura de aproveitar a mão-de-obra local", afirmou. Vale dizer ainda que uma lei municipal prevê isenção de impostos para empresas que utilizem pessoal da cidade.
A audiência pública para discutir o Projeto Reserva Peró reuniu 400 pessoas e durou cinco horas. Depois do encontro, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), responsável pelo licenciamento do empreendimento, abriu prazo de dez dias para a população, Ministério Público e Ibama se manifestarem. O presidente da Associação de Meio Ambiente da Região da Lagoa de Araruama, Luís Jeronymo de Mesquita, já encaminhou uma lista de sugestões.
"O que mais me preocupa é que, segundo o projeto apresentado, a taxa de ocupação é de 7% do terreno. Mas eles não contabilizam área de varanda, campos de golfe e pólo, arruamento, ajardinamento. Tudo isso altera a vegetação nativa e eleva a ocupação para mais de 50% da área", alega Mesquita.
Para o pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Cyl Farney Catarino de Sá, os Estudos de Impacto Ambiental já apresentados não são confiáveis. A chefe do escritório regional do Ibama, em Cabo Frio, Lísia Vanacur Barroso, também cobrou explicações. "Essa é uma área de jurisdição estadual, mas a vegetação fixadora de duna, pelo Código Florestal, é de responsabilidade do Ibama e não foi mencionado nenhum plano para essas plantas. Também não ficou claro o recuo em relação à faixa costeira, que deve ser de 300 metros", afirmou.
Goldberg disse que as explicações serão fornecidas. O Estado procurou a Feema, mas a Assessoria de Imprensa informou que o órgão não se manifestaria a respeito do processo de licenciamento do Projeto Reserva Peró.
OESP, 02/12/2006, Metrópole, p. C7
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