Área de proteção da Caatinga na Bahia é criada após 16 anos de estudo

Correio* - http://www.correio24horas.com.br/ - 06/04/2018
Área de proteção da Caatinga na Bahia é criada após 16 anos de estudo
São 851 mil campos de futebol, no sertão da Bahia

Correio* - Por Mário Bittencourt


Depois de 16 anos de estudo, um território do tamanho de 851 mil campos de futebol, no sertão da Bahia, se tornou um mosaico de unidades de conservação para preservar os últimos remanescentes em área contínua do bioma Caatinga no Brasil.

O decreto da Presidência da República com a criação do Parque Nacional e Área de Proteção Ambiental (APA) Boqueirão da Onça foi publicado no Diário Oficial da União desta sexta-feira (6).

Na divisão da área total, que abrange as cidades de Sento Sé, Campo Formoso, Sobradinho, Juazeiro e Umburanas, 345.378 hectares ficaram com o Parque Nacional, para proteção integral do bioma Caatinga, e 505.680 hectares para a APA.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), na área do Parque Nacional serão permitidas apenas atividades de turismo e pesquisa - mas antes disso terá de ser feito um plano de manejo, o que deve ficar pronto no prazo estimado de um ano.

Na futura APA são permitidas atividades econômicas, desde que baseada no uso sustentável dos recursos naturais. A área da APA já abriga empresas de energia eólica, o que gerou debates que duraram anos, até a formulação da proposta final.

Outras quatro unidades de conservação foram criadas no mesmo decreto do Boqueirão da Onça, que veio acompanhado ainda da implantação do Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas (Planafe).

As medidas buscam, de um lado, ampliar o conjunto de áreas protegidas nos biomas Amazônia, costeiro-marinho e Caatinga e, de outro, promover a integração das políticas públicas de melhoria da qualidade de vida e de produção sustentável para milhares de famílias que vivem do extrativismo no país.

As demais unidades criadas são as reservas extrativistas Itapetininga, Arapiranga-Tromaí e Baía do Tubarão, no Maranhão. A implantação das unidades é uma reivindicação antiga de ambientalistas, populações tradicionais e extrativistas e de outros segmentos da sociedade.

Área selvagem
O Boqueirão da Onça, segundo o pesquisador José Alves Siqueira, doutor em biologia vegetal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), "é a última grande área selvagem de todas as caatingas do Nordeste brasileiro".

A flora nativa apresenta grande diversidade - recentemente, 97 novas espécies foram catalogadas.

"Pesquisas iniciadas em 2006 apresentam uma flora rica, com mais de 900 espécies de plantas reunidas em 120 famílias botânicas, com espécies endêmicas da Caatinga, ameaçadas de extinção e até novas espécies que serão apresentadas brevemente à comunidade científica e que já se encontram no limiar da extinção", informou Siqueira.
No Boqueirão habitam cerca de 30 onças pintadas, que estão em extinção, e outras cerca de 120 onças pardas. Também estão no local - em extinção - o tamanduá bandeira, o tatu-bola, o gato mourisco e o gato-do-mato.

Entre as aves em risco de desaparecer, há a arara-azul-de-lear e o jacu estalo. Répteis, anfíbios e insetos ainda a serem estudados completam o quadro da fauna selvagem do Boqueirão.

Na APA do Boqueirão está a Toca da Boa Vista, maior caverna brasileira, com 97,3 km de extensão. Ela se interliga com Toca da Barriguda (28,6 km), formando um complexo único, tornando-se a maior caverna do Hemisfério Sul, com mais de 120 quilômetros já explorados.

Refúgio
Maior felino das Américas, a onça pintada tem na região um dos principais refúgios em área natural. Os biólogos dizem que a espécie já perdeu 55% da área de sua distribuição original.

Segundo pesquisadores, no Brasil, a onça pintada está criticamente ameaçada na Caatinga e na Mata Atlântica, e por isso projetos vêm sendo desenvolvidos com vistas à proteção animal, com foco nas onças, vítimas de criadores de animais da região que veem seu rebanho diminuir por conta do ataque dos animais.

"Estamos incentivando os criadores a construir currais para guardar os animais à noite, pois muito os deixam soltos e aí as onças atacam", disse o coordenador substituto do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), ligado ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Rogério Cunha de Paula.

Cláudia Bueno de Campos, coordenadora do Programa Amigos da Onça, do Instituto Pró-Carnívoros, explica que as onças são espécies conhecidas como "guarda-chuva" por estarem no topo da cadeia alimentar. "Uma vez protegidas, essa proteção se estende para as demais espécies", completa.


Sítios arqueológicos

Na unidade de conservação também estão o que pesquisadores chamam de a maior concentração de sítios arqueológicos do Brasil, com cerca de 3.000 pontos, espalhados em boqueirões e grotas, onde estão figuras rupestres de homens cuja habitação inicial remonta há 16 mil anos. Os sítios estão na área de Sento Sé.

A riqueza arqueológica local é vista como forte potencial para atrair turistas, a exemplo do que ocorre no Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí), onde se descobriu mais de 1.300 sítios arqueológicos, em 40 anos de pesquisa.

Alvandyr Dantas Bezerra, pesquisador do Instituto Habilis e do Grupo de Pesquisa Bahia Arqueológica, realizou em 2017 levantamento de sítios arqueológicos na região de Sento Sé com vistas à criação de um circuito de turismo, a pedido da Prefeitura local.

"O potencial turístico lá é enorme. O que deu para perceber, de início, é que muitos terão de ficar disponíveis para visitação, e outros para pesquisa científica", contou. Na Serra da Capivara, por exemplo, a visitação é aberta em 173 sítios.

Bezerra estima que agora, com o decreto presidencial, o projeto de visitação inicial dos sítios pode ficar pronto em dois anos - com o tempo, se vai liberando mais locais onde o turista possa ir. Mas isso depende ainda da elaboração do plano de manejo pelo MMA.

"Com o decreto, vamos dar início a elaboração desse plano e liberar locais onde possa ocorrer a visitação turística. Ao invés de fazer um plano de manejo completo, que contemple tudo, vamos fazer aos poucos para que as visitas possam ocorrer, tanto nos sítios arqueológicos quanto na área da Caatinga", disse Moara Menta Giasson, diretora de áreas protegidas da Secretaria de Biodiversidade do MMA.

O Boqueirão também tem papel chave na segurança hídrica na região. Importantes nascentes localizadas nos planos mais altos do Boqueirão irrigam o solo seco do sertão, garantindo condições de vida para comunidades urbanas e rurais.

Algumas das nascentes foram incluídas nos limites do futuro parque nacional, cuja criação é esperada também por entidades internacionais de proteção ambiental, como o WWF. "Hoje, dos 11% que restou da vegetação original do bioma Caatinga, apenas 2% é legalmente protegido. Então, qualquer iniciativa de conservação na Caatinga é bem-vinda", declarou Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.

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Criação de unidades de conservação favorece ao desenvolvimento regional

Com a criação das novas áreas protegidas, abre-se a oportunidade para iniciativas de desenvolvimento regional com inclusão das populações tradicionais e mitigação dos impactos dos empreendimentos - sobretudo do setor eólico - que estão sendo direcionados para a região devido à abundância de ventos durante todo o ano.

"Recuperação da vegetação nativa, apoio à conservação das espécies e envolvimento das comunidades locais precisam entrar no radar dessas empresas ", observa Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.

"Isso se chama responsabilidade socioambiental, e os acionistas dessas empresas gostarão de saber que elas estão ajudando a conservar a riqueza da Caatinga", completa.

"A implantação do parque nacional e da APA do Boqueirão da Onça deve partir de uma visão inovadora. Além do ecoturismo latente a região é rica em ventos.

Uma coligação de empresas de enérgica eólica com o turismo garantirá que esse mosaico atraia recursos financeiros e seja um dos mais queridos do sistema brasileiro por sua beleza e valores excepcionais", destacou o secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), José Pedro de Oliveira Costa.

Cerca de 30% do território da APA já é ocupado com empresas de energia eólica. O local é considerado o melhor do Brasil para geração desse tipo de energia, segundo o MMA, que apoia os empreendimentos.

Dentro da APA vivem cerca de 250 famílias em 27 comunidades de fundos de pasto e quilombolas que não causam problemas. Eles vivem da agricultura e da criação de pequenos animais, sobretudo caprinos e ovinos.

A ideia inicial do MMA, que iniciou os estudos em 2001, era criar um parque nacional, para proteção integral do bioma, com 900 mil hectares. Porém o interesse econômico na área onde fica a APA atrasou as negociações.

Além das empresas geradoras de energia eólica, mineradoras e garimpeiros passaram a atuar na região por causa da descoberta de uma mina de pedras de ametista em Sento Sé, que já vinha sendo explorada, mas só veio a ter impulso em 2017, quando cerca de 20 mil pessoas foram para lá.

A solução para configurar o desenho da APA foi deixar as áreas de interesse das mineradoras de fora e permitir as eólicas, cuja área ocupada abrange cerca de 30% do que será o território da área de preservação permanente.

"Ela [a energia eólica] é também incentivada por nós por ser fonte de energia limpa, e o Boqueirão da Onça é a região que tem mais potencial para a geração desse tipo de energia no Brasil", declarou o coordenador geral de Políticas para Áreas Protegidas do MMA, André Luís Lima.



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