Tóxico também para o ambiente

O Globo, Rio, p. 12-13 - 05/06/2012
Tóxico também para o ambiente
Pesquisas mostram contaminação de ar, solo e água em cidades agrícolas fluminenses

Carla Rocha, Fábio Vasconcellos e
Natanael Damasceno
granderio@oglobo.com.br

O solo, a água e até o ar de cidades do Estado do Rio estão contaminados com ingredientes ativos usados nas fórmulas de agrotóxicos. O GLOBO teve acesso a pesquisas científicas mostrando que a presença de substâncias de agroquímicos põe em risco regiões agrícolas, como Paty do Alferes, no Centro-Sul do estado, Campos, no Norte, e até áreas de importância ecológica, como a Serra dos Órgãos, onde está o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. A terceira reportagem da série "Veneno em doses diárias" mostra que o meio ambiente do estado já sofre o impacto do uso indiscriminado dessas substâncias. No domingo, um levantamento do jornal revelou que os índices de suicídios e mortes por câncer são mais altos nas regiões Centro-Sul, Serrana e Noroeste Fluminense.
Apresentada no ano passado no Instituto Carlos Chagas, da UFRJ, uma tese de doutorado revelou altas concentrações de endossulfan - substância usada em agrotóxicos - no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Realizadas em até mais de dois mil metros de altura, entre 2007 e 2008, as medições constataram taxas que variavam de 50 a 5,5 mil picogramas por metro cúbico na atmosfera, até cinco vezes mais do que medições feitas em pesquisas semelhantes na Bolívia, superando também índices da Europa e dos EUA. Na ocasião, foi constatada situação igualmente grave no Parque Nacional São Joaquim, em Santa Catarina.
- Esse tipo de poluição pode ser apenas a ponta de um iceberg. Precisamos avançar mais com as pesquisas para saber, por exemplo, de onde vem esse poluente. Uma das hipóteses é que parte possa estar vindo da Região Sul do país, trazida pelas correntes de ar. Outra parte pode ter origem no uso intensivo em lavoura próximo à Serra dos Órgãos. O mais importante é saber que esses produtos são persistentes e contaminam o ar no local onde ele é aplicado e em áreas distantes - explica o biólogo e autor da tese, Rodrigo Meire, que fez a pesquisa em parceria com o Instituto Environment Canada e a Universidade Tecnológia do Paraná.
O endossulfan foi proibido no Rio depois da pesquisa e de um desastre, em 2008, em que oito mil litros da substância vazaram do depósito de uma empresa em Resende nos rios Pirapitinga e Paraíba do Sul. Banido em 44 países, o produto também já foi proibido no Brasil. No entanto, o estoque ainda existente no país pode ser vendido até 2013.
O médico epidemiologista Sérgio Koifman, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, explica que o endossulfan é um organoclorado que tem efeitos graves na saúde humana.
- É um tema seriíssimo. Todos os organoclorados têm uma estrutura química parecida com a de alguns hormônios humanos. A exposição a eles pode enganar o organismo, passando a mensagem de que há um "hormônio" atuando, quando na verdade não há. Isso pode provocar sérias modificações no sistema reprodutivo, na tireoide, nas glândulas em geral. Todo o sistema hormonal pode ser afetado - explica Koifman, observando que, na Dinamarca, estudos indicam que a exposição a algumas substâncias químicas já afetou consideravelmente o sistema reprodutivo da população masculina e antecipou em um ano o período de puberdade em mulheres. - A questão é que todos esses pesticidas podem causar uma gama de efeitos nocivos à saúde, de malformações congênitas a cânceres.
Em 2003, o professor e pesquisador Marcelo da Motta Veiga, do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, que há anos estuda o assunto, analisou os riscos de contaminação, por agrotóxicos, da água de rios e poços usada pela população da região onde se planta tomate em Paty do Alferes. Foram recolhidas cinco amostras, num total de 135, em 27 pontos de coleta selecionados. Desse total, apenas oito não apresentaram contaminação detectável. Duas amostras tinham contaminações que ultrapassavam o permitido pela legislação.
- É um problema real. Os índices, embora apenas dois estivessem acima do determinado pela legislação, são elevados. Nesses lugares, a população é pobre, trabalha muito e às vezes vive num lugar horrível. Eles usam muito mais agrotóxicos do que deveriam e de forma errada - observa.
Poços impróprios para consumo
Já pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense constataram a contaminação de corpos aquáticos superficiais num assentamento de agricultores. O foco do estudo foi uma área de agricultura familiar com cultivo de abacaxi, cana-de-açúcar, maracujá e mandioca, onde são utilizados vários tipos de agrotóxicos.
- A pesquisa ainda está em andamento, mas a gente já detectou contaminação num assentamento onde a maior parte da plantação é de abacaxis - afirmou Maria Cristina Canela, doutora em química e coordenadora da pesquisa.
Foram analisadas amostras de poços rasos no entorno das residências, utilizados como fonte de água potável, para serviços domésticos e irrigação. Na maioria das amostras, havia o composto paration metílico, organofosforado proibido na maior parte dos países da Europa. Mesmo que os níveis encontrados em boa parte dos poços estivessem dentro dos limites fixados pelo Conama, a conclusão é que alguns poços estavam impróprios para o consumo.
O engenheiro agrônomo Márcio Fernandes da Silva diz que falta orientação ao pequeno agricultor:
- Ele compra o produto em qualquer loja. Na maior parte das vezes, é orientado pelo balconista. A maioria dos produtores tem pouca instrução e dificuldade de entender o que está nas embalagens. Como não acredita que a dosagem seja suficiente para matar as pragas, ele aumenta por conta própria o volume de veneno. Esse excesso contamina o solo e escorre para os cursos d'água, que ele e o vizinho usam.

Opinião
Perigo
É MUITO preocupante o descontrole na comercialização e na aplicação de agrotóxicos, revelados em reportagens do GLOBO.
NÃO APENAS pelo fato em si, mas porque o grave problema ocorre no Rio de Janeiro. PODE-SE imaginar o que acontece em estados menores, com estrutura de fiscalização mais precária.


Só 30% de embalagens são recolhidas no Rio
Apesar de projeto custeado pela indústria, MP estima que pequena parte dos recipientes de agrotóxicos é coletada´

Carla Rocha, Fábio Vasconcellos
e Natanael Damasceno
granderio@oglobo.com.br

O uso excessivo dos agrotóxicos nas lavouras não é o único responsável pela contaminação ambiental e pela intoxicação dos pequenos agricultores. Apesar de a legislação em vigor determinar que as indústrias recolham as embalagens de agrotóxicos e fertilizantes, o descarte e a reutilização dos recipientes são um problema ainda não resolvido nas áreas rurais. Segundo o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev), criado pela indústria para atender à legislação, 94% dos vasilhames de agrotóxicos já são recolhidos adequadamente no Brasil. No entanto, para a promotora Anaíza Helena Malhardes Miranda, titular da 1 Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Teresópolis, a situação na região é diferente. Ela diz que, ao menos da Região Serrana, hoje só 30% das embalagens que chegam ao mercado voltam aos centros de recolhimento.
- Em agosto de 2010, as empresas produtoras e revendedoras dos produtos assinaram um termo de ajustamento de conduta que melhorou muito a situação. Elas passaram a receber as embalagens vazias para encaminhá-las ao posto de recolhimento de Conquista, em Nova Friburgo. Com isso, houve um aumento de mais de 2.000% na quantidade de embalagens recolhidas aqui, mas ainda assim apenas 30% são retiradas do meio ambiente.
Secretário diz que serviço deve ser ampliado
A legislação que prevê o recolhimento das embalagens é antiga, de 1998, mas o decreto que regulamentou a matéria só foi assinado em 2002. O texto diz que os recipientes, após a utilização, devem ser devolvidos aos fabricantes ou aos estabelecimentos de venda que são responsáveis pela destinação final. Segundo o Inpev, o recolhimento feito nos três postos fluminenses da entidade (Paty, Campos e Friburgo) vem aumentando. O órgão diz que foram recolhidas 22 toneladas de embalagens em 2010 e 68 toneladas em 2011. E que a maior parte desse material foi destinada à reciclagem.
Repórteres do GLOBO estiveram no de Paty do Alferes e constaram que o local, que também poderia fazer o beneficiamento das embalagens, não prestava esse serviço. Projetada para realizar esse trabalho, a unidade passou a fazer apenas o recolhimento, devido à pequena demanda. Na Região Serrana, onde funciona outro posto do Inpev, foram encontradas embalagens jogadas em córregos e em meio a lixo doméstico.
Para a promotora Anaíza Helena, ainda há um longo caminho a percorrer:
- Há uma demanda reprimida muito grande e um passivo ambiental impossível de calcular, uma vez que a legislação só passou a exigir o recolhimento em 2002. Onde estão essas embalagens que não foram recolhidas antes? As que não foram queimadas pelos agricultores devem estar enterradas ou nas margens de rios e córregos.
Na avaliação do secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, o Rio tem apresentado bons resultados no recolhimento dos recipientes. Mas ele diz que ainda é preciso ampliar o trabalho de conscientização dos agricultores com relação ao uso de agrotóxicos:
- O Rio melhorou muito o recolhimento dos recipientes. Hoje temos um trabalho em parceira com a Secretaria de Agricultura, para levar informação aos pequenos agricultores, explicar como eles podem ajudar a recuperar 490 microbacias, reduzindo a quantidade de agrotóxicos e recolhendo as embalagens.

O Globo, 05/06/2012, Rio, p. 12-13
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