A cena sintetiza como o descaso com o ambiente pode ser fatal. De boca aberta, o golfinho nariz-de-garrafa morreu tentando captar ar. Em vão, porque estava preso a uma grande rede de pesca. O animal afogou-se em agonia. O agravante nisso tudo é que ele se enredou até a morte dentro de uma área federal de preservação ambiental, o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, situado entre os municípios de Tavares e Mostardas, no litoral gaúcho.
Turistas que passavam pelo parque há duas semanas, na esperança de se deliciar com um dos mais belos recantos do Rio Grande, depararam horrorizados com o golfinho e muito mais. Centenas de pinguins, lobos-marinhos, petréis, albatrozes e tartarugas também apodrecem nas areias. Muitos, mortos de fraqueza após alguma tempestade, claro. Mas, parte deles, apontam biólogos, afogados em redes de arrastão e depois tendo os corpos descartados pela corrente marinha até a praia.
Não há trabalho de recolhimento destes animais e por isso Zero Hora encontrou o golfinho enredado e outros bichos vitimados pelo homem, mesmo tendo se passado mais de semana do encontro de animais que aterrorizou os turistas. ZH encontrou ainda mais indícios de maltrato à natureza. Uma barbatana de golfinho foi arrancada e deixada em pé na praia. Os próprios responsáveis pelo parque acreditam que pescadores fizeram isso para se livrar de algum mamífero que rondava suas redes em busca de peixe.
Não é difícil documentar crimes. Pouco depois da linha da arrebentação da maré, barcos pesqueiros de grande porte pescam sem serem importunados. Parte deles atua com redes que levam por diante toda a fauna marinha que encontram - e o que não vira pescado, é descartado.
É o caso de golfinhos e aves. No Estado, a portaria no 26 da extinta Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) - hoje incorporada ao Ibama - determina que esse tipo de pesca só pode ocorrer a partir de três milhas náuticas da beira da praia (ou seja, 5,5 km). E o pior é que o parque da Lagoa do Peixe inclui uma área de um quilômetro de mar a partir da orla. Ou seja, alguns barcos oceânicos pescam dentro da reserva ambiental, o que agrava o crime. A pesca no parque só é permitida para algumas canoas de pescadores artesanais, dentro da lagoa (não no mar).
Situação incomoda visitantes
Quem passeia pela orla marinha, parte importante dos 36 mil hectares do parque, se apavora também com a quantidade de lixo. São garrafas pet, tonéis de plástico para combustível, a maioria descartados por navios. Como o patrulhamento federal é precário na costa gaúcha, limpam seus porões e jogam detritos fora. Descarte que vai parar dentro de um santuário ambiental. E muito desse lixo é engolido pelos animais, causando sua morte.
- O mais incrível nisso tudo é que fiscalização, de jeito nenhum! Como abordar navios junto à costa, se os fiscais federais trabalham sem embarcações apropriadas ao mar ou helicópteros? É triste ver essa inação - reclama o publicitário Alfredo Fedrizzi, um dos que foi buscar o paraíso e topou com cena de pesadelo, ao ver o golfinho enredado no parque Lagoa do Peixe.
Dilema, também, para quem chega à região, é descobrir que está num parque. É possível percorrer mais de 30 quilômetros da orla sem saber que ali é uma área de preservação ambiental. O parque possui três entradas (para quem vem do interior, em direção ao mar), mas só duas são sinalizadas. E, na beira da praia, não há placas que indiquem se tratar de uma área pertencente ao governo federal ou mesmo a ser cuidada. Mais: não há guardas fixos.
Números comprovam matança de animais
A profusão de carcaças de animais no litoral gaúcho é tema de pesquisas recentes divulgadas em artigos acadêmicos. Um dos mais impactantes foi conduzido pela bióloga Aurélea Mäder, diretora da empresa de consultoria ambiental Ardea. Conforme ela, o tráfego intenso de navios é um dos maiores fatores de poluição dos oceanos. Eles lançam ao mar uma infinidade de derivados de petróleo e plástico.
Em pesquisa realizada em 2010 com dieta de 77 aves marinhas, foram encontradas nas entranhas dos animais plástico, bolinhas e nylon em 61% das amostras. Mäder sugere, para diminuir os problemas, intensificar a fiscalização do descarte de resíduos do mar e da pesca ilegal e inserir a educação ambiental nas comunidades pesqueiras locais.
Corte de verba prejudica vigilância
O número de funcionários do Instituto Chico Mendes (ICMBio) para cuidar do Parque Nacional Lagoa do Peixe até que não é pequeno. São 12, entre analistas, pessoal de fiscalização e motoristas. O número de veículos - quatro caminhonetes tração 4 X 4 e outros quatro automóveis - também é considerado suficiente. Há dois barcos para monitorar a lagoa, embora nenhum para navegar na parte do parque situada no mar. A infraestrutura é boa: dois prédios situados em Mostardas. O grande problema dos servidores encarregados de vigiar o parque é que os recursos financeiros vêm caindo, há mais de ano. Sem detalhar números, funcionários dizem que o orçamento foi cortado ao meio, em 2012.
Duas foram as consequências imediatas. A primeira é que a cota de combustível para os veículos, que era de R$ 1,5 mil ao mês, foi reduzida para cerca de R$ 500 mensais.
- Isso significa menos capacidade de fiscalização - resume Pablo Saldo, um dos analistas do posto do ICMBio em Mostardas.
Outra decorrência foi o cancelamento de um curso de capacitação de conselheiros ambientais que iriam atuar na Lagoa do Peixe. O posto do ICMBio local deve receber R$ 900 mil, em breve, de compensações ambientais de um estaleiro em Rio Grande. A verba será usada para sinalização do parque, informatização e pesquisa. A vigilância deve continuar, mas a prioridade é a lagoa. Com relação ao patrulhamento do mar, não há previsão a curto prazo.
Essas dificuldades não são exclusivas do santuário ecológico gaúcho. São reflexos das decisões tomadas em Brasília. Responsável por 310 unidades de conversação no país, o ICMBio viu seu orçamento cair quase pela metade neste ano. Conforme o Portal da Transparência do Ministério do Meio Ambiente (MMA), pasta à qual a autarquia está vinculada, o ICMBio teve R$ 602,3 milhões disponíveis em 2011, cifra que caiu para R$ 333,8 milhões em 2012. A redução de 44,5% dificulta os investimentos em áreas como estrutura e fiscalização ambiental.
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/11/descaso-ameaca-parque-nacional-da-lagoa-do-peixe-no-litoral-gaucho-3961450.html
UC:Parque
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