Tráfico é nova ameaça aos povos da floresta

O Globo, País, p. 6 - 09/12/2013
Tráfico é nova ameaça aos povos da floresta
Fronteiras, presença de facção criminosa de São Paulo e estradas vicinais facilitam entrada de cocaína

CHICO OTAVIO
chico@oglobo.com.br

Xapuri (AC) - O avanço da pecuária e da extração de madeira não é a única ameaça aos povos tradicionais que habitam as florestas do Alto Acre, cenário das lutas de Chico Mendes nos anos 1980. A proximidade das fronteiras do Peru e da Bolívia, somada à mudança no perfil das novas gerações de serigueiros, tornou a cocaína um inimigo letal para a preservação do legado do líder ambientalista, morto há 25 anos. Xapuri, Brasileia e Epitaciolândia, alertou o promotor de Justiça Bernardo Albano, deixaram de ser pontos de passagem de drogas e transformaram-se em mercado consumidor.

Operações de inteligência policial já descobriam, no início do ano, a presença de uma grande facção criminosa de São Paulo na região. Desde janeiro, a polícia apreendeu em Xapuri 40 quilos de cocaína. Quadrilhas de traficantes atuam em bairros da periferia da cidade, mas o comércio da droga avança também sobre os seringais do interior, incluindo os que ficam dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, um bolsão verde de 970 mil hectares que atravessa Xapuri e outros cinco municípios acrianos.

Uma das principais bandeiras de luta dos seringueiros históricos, por ironia, potencializou o avanço da droga. A abertura de ramais (estradas vicinais de terra batida), encurtando a distância que separava a floresta dos grandes centros para escoar a produção de borracha e castanha, expôs os jovens seringueiros ao mercado da droga. Um dos antigos companheiros de luta de Chico Mendes amarga hoje o drama de ter dois de seis oito filhos viciados. Um deles virou guardador de carros em Rio Branco, capital do estado.

Em menos de meia hora, uma motocicleta cobre a distância do Centro de Xapuri à entrada da reserva, percurso que exigia seis horas de caminhada no passado. Esta facilidade embala as noite da cidade, onde a música sertaneja, o funk e o pagode reinam soberanos. A explosão da violência no Alto Acre, consequência do fenômeno, acendeu a luz vermelha no governo do estado. Recentemente, o governador Tião Viana (PT) pediu o reforço da Força Nacional para oferecer mais segurança à população da fronteira.

Conhecido por divulgar orações nas redes sociais, o padre católico Mássimo Lombardi, da Catedral Nossa Senhora de Nazaré, ocupou as redes sociais para fazer um apelo pela paz: "Não aguentamos mais tanta violência se alastrando ao nosso redor. Que saibamos nos indignar por tanta violência contra crianças, mulheres, pessoas idosas e fragilizadas. Que a justiça aconteça, e a impunidade seja derrotada", desabafou.

Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou um aumento de 23,9% no número de homicídios no Acre em 2012. Esses crimes representam um quarto dos óbitos entre a população jovem do estado, a maioria associada ao tráfico de drogas.

Deputado envolvido com crimes

- É como se fosse uma vingança daqueles derrotados por Chico Mendes: a destruição não da floresta, mas do tecido social - diz o jornalista Tião Maia, que está escrevendo um livro sobre o ex-coronel da PM do Acre Hildebrando Pascoal.

Conhecido como o deputado da motosserra, Hildebrando cumpre pena pela acusação de liderar um grupo de extermínio no Acre e integrar esquema de crime organizado para tráfico de drogas e roubo de cargas. Ele praticava crimes com requintes de extrema crueldade, supostamente usando uma motosserra em alguns casos. O ex-coronel redistribuía cocaína e também lucrava com um esquema batizado de Operação Marmitex, na qual os criminosos entregavam cocaína em recipientes de marmitex.

A Polícia Federal aponta o estado como uma das principais portas de entrada de entorpecentes no Brasil. Os dois mil quilômetros de fronteiras que separam o Acre da Bolívia e do Peru - considerados importantes produtores da pasta-base de coca na região - são cortados por uma grande quantidade de rios e ramais que interligam os três países, facilitando a entrada de drogas no estado.

O Globo, 09/12/2013, País, p. 6

http://oglobo.globo.com/pais/trafico-de-drogas-nova-ameaca-aos-povos-da-floresta-do-alto-acre-11008950
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