Ameaça da seca e do fogo

O Globo, Sociedade, p. 24 - 15/10/2014
Ameaça da seca e do fogo
Restam apenas 21,5% da cobertura vegetal no Cantareira, comprometendo as nascentes

Cleide Carvalho -cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br

SÃO PAULO - O tempo seco faz aumentar as queimadas, e o fogo ameaça 57 unidades de conservação no Rio, São Paulo e Minas, agravando ainda mais o passivo ambiental no entorno das bacias hidrográficas da região Sudeste. Estudos feitos pela ONG SOS Mata Atlântica mostram que restam apenas 21,5% de cobertura vegetal nativa na área do Sistema Cantareira, que abastece cerca de oito milhões de pessoas na Grande São Paulo, e 26,4% na Bacia do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo fornecimento de água para a região metropolitana do Rio.
O Cantareira é formado por quatro represas e engloba 12 municípios de São Paulo e Minas. Além de analisar a cobertura na bacia, a SOS Mata Atlântica verificou a condição das matas numa extensão de 5.082 km e constatou que apenas 23,5% (1.196 km) têm vegetação nativa com área superior a um hectare em seu entorno. No restante, as áreas no curso dos rios são ocupadas por pastagens, agricultura ou silvicultura. Se as áreas de reserva legal e de proteção permanente estivessem preservadas, como prevê o Código Florestal, o percentual de vegetação nativa no Cantareira poderia alcançar 40%.
Já a Bacia do Paraíba do Sul engloba 179 municípios de São Paulo, Rio e Minas. O estudo da região mapeou 42.680 km de cursos de rio e concluiu que as margens estão ocupadas em 82,2% da extensão, restando apenas 17,8% de vegetação nativa.
- A falta de vegetação nativa compromete as nascentes e o fluxo hídrico. A água é vital e é preciso entender que, sem floresta, os rios ficam assoreados e tanto a qualidade quanto a quantidade de água ficam comprometidas - diz Márcia Hirota, diretora da ONG.
Um estudo feito pelo pesquisador Bruno Puga, do Instituto de Economia da Unicamp, mostra que apenas 0,5% de toda a área do Sistema Cantareira é protegida por unidades de conservação de proteção integral, que impedem intervenção humana, exceto para pesquisas e turismo. Dos remanescentes florestais de Mata Atlântica do sistema, metade está concentrada nos municípios de Camanducaia (MG), Atibaia (SP), Mairiporã (SP) e Nazaré Paulista (SP), mas os municípios registram vertiginosa urbanização, com a proliferação de chácaras e condomínios. Neles, o uso urbano do solo aumentou 44,% entre 1989 e 2010.
BIOMA DEVASTADO
O bioma Mata Atlântica já foi quase todo devastado no Brasil. Restam apenas 8% da floresta original em pedaços fragmentados. Puga afirma que a fragmentação da área rural vem se acentuando ainda mais com a formação de condomínios, que criam pedaços de mata desconectados. Para ele, não há outra saída senão investir na preservação do que resta e na regeneração de áreas já degradadas.
- É preciso investir para garantir o retorno ecológico - diz o economista.
Puga cita estudos sobre custos de reflorestamento. Para o melhor dos modelos disponíveis no mundo, que prevê o plantio de 1.700 espécies nativas por hectare, o custo de recuperação da mata em 40 mil hectares do Cantareira (a área considerada essencial) chegaria a R$ 320 milhões (o custo é de R$ 8 mil por hectare). Para manutenção das áreas recuperadas ou preservadas, o custo estimado é de R$ 9 milhões por ano.
Puga ressalta que é possível investir menos, elegendo áreas de prioridade absoluta de recuperação ou simplesmente cercando o entorno de rios e nascentes, permitindo que a natureza se encarregue pela recuperação.
RESERVATÓRIOS SECOS
Com temperaturas recordes e baixo índice de umidade, o volume de água no reservatório do Cantareira segue em queda. O volume, que começou o mês de outubro em 6,7%, baixou para 4,5% ontem. Para se ter uma ideia da situação, em 14 de outubro do ano passado os reservatórios do Cantareira estavam com 38,5% de sua capacidade.
Todos os reservatórios que abastecem o estado de São Paulo estão com volumes de água bem abaixo do que tinham em igual período de 2013. No Alto Tietê, a água atinge 10,1% da capacidade. Em outubro de 2013, o percentual era de 52,9%. Na Represa Guarapiranga, que abastece parte da capital paulista, o volume é de 45,8%, bem abaixo dos 76,5% de outubro do ano passado.
Os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitoram as unidades de conservação e fora delas em todo o país, mostravam que Minas era o estado com maior número de focos de incêndio na tarde de ontem: 494 em 176 municípios. São Paulo registrava 172 focos em 75 municípios. No Vale do Paraíba, 22 focos de incêndio formaram uma cortina de fumaça, e a monumental Serra da Mantiqueira desapareceu do horizonte de quem transitava pela Rodovia Presidente Dutra. No Rio, os satélites registraram 105 focos de incêndio em 25 municípios.
No Rio, foram atingidos o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, a Reserva Biológica Tinguá e a Área de Proteção Ambiental (APA) de Petrópolis. Em São Paulo, além do fogo na APA Cantareira, que já dura dois dias, a queimada atingiu a APA Paraíba do Sul, Cabreúva e Jundiaí. Em Minas, o fogo persistia no Parque Nacional da Serra do Cipó e em outras 18 unidades de conservação do estado.
A destruição da mata é uma péssima notícia. Segundo a SOS Mata Atlântica, florestas têm papel essencial na prevenção de secas, pois reabastecem os lençóis freáticos e impedem a erosão do solo. Calcula-se ainda que 100 hectares de mata preservada produzem 10 mil litros de água em uma bacia com precipitação média de 1200 mm/ano.

- Estamos no limite crítico e, por enquanto, não há perspectiva de chuva suficiente para mudar o cenário nos próximos dias - afirma o meteorologista Marcelo Schneider, do Instituto Nacional de Meteorologia.

O Globo, 15/10/2014, Sociedade, p. 24

http://oglobo.globo.com/brasil/tempo-seco-aumenta-queimadas-no-sudeste-que-ja-chegam-55-em-areas-de-conservacao-14240159
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