OESP, Metrópole, p. C1 - 23/03/2005
Imobiliária do prefeito avança na mata
Bárbara Souza
Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB) é sócio de uma empresa que vende terrenos em loteamentos que invadem área de proteção
Imobiliárias de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, estão vendendo terrenos irregulares nos loteamentos Siriúba 1 e 2, inclusive dentro da área do Parque Estadual, que ocupa 85% do município. Uma delas, a Ilhabela Imóveis, tem como sócio o prefeito da cidade, Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB). "Mantenho a sociedade, mas estou afastado das funções", disse. Os dois loteamentos têm aprovação da prefeitura.
Um laudo do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) aponta que 60% dos 190 lotes do Loteamento Siriúba 2 apresentam irregularidades. Essa área é vizinha do Siriúba 1, que também tem problemas, segundo o DEPRN, órgão vinculado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente. De acordo com o relatório, o Siriúba 2 tem um lote totalmente inserido e outros sete parcialmente dentro no Parque Estadual e na faixa de tombamento do Condephaat, na área denominada Morro do Elefante.
No caso do Siriúba 1, uma casa foi construída em área de preservação permanente sem licença ambiental. O relatório aponta que houve depósito irregular de terra ao lado do curso d'água, "causando seu acentuado assoreamento". O dono do lote 149, da quadra 6, foi autuado e responde a processo por crime ambiental. "É preciso que as pessoas sejam alertadas antes de iniciar uma obra nesse condomínio", diz uma empresária, dona de lotes, que não quer se identificar. "Pessoas corretas, que tiveram seus projetos aprovados na prefeitura, agora respondem por crime ambiental", diz o supervisor do DEPRN de São Sebastião, Renato Herrera de Araújo.
A empresária comprou oito lotes do Siriúba 1 e só soube que seu imóvel invadia o parque quando foi construir. "Foi desagradável, porque tínhamos autorização da prefeitura, pagávamos impostos", afirma. Segundo ela, os lotes foram vendidos pela Ilhabela Imóveis. Depois da confusão, a empresa trocou essa área por outros seis lotes fora do parque.
Os compradores são seduzidos pela vista privilegiada, que garante uma panorâmica do mar de águas transparentes e a imensidão de árvores nativas do Parque Estadual. E pagam pelo metro quadrado do terreno - de 1.200 m2 - preços a partir de R$ 150,00.
Após constatar irregularidades, o DEPRN solicitou embargo judicial da área. O Ministério Público de Ilhabela determinou a instauração de procedimento preparatório de inquérito civil público.
Sociedade
A empresa da qual o prefeito é sócio, cujas atividades começaram em 13 de fevereiro de 2001 - 1 mês e 12 dias após a posse do seu primeiro mandato -, é apontada na certidão do 2.o Cartório de Notas de São Sebastião como a proprietária de 25.990 m2 do Siriúba. A escritura de compra e venda está descrita no livro de notas número 334, folhas 29 e 32, no dia 27 de novembro de 2001. Mas, segundo Manoel Marcos, o terreno descrito na certidão é de uma área próxima ao Siriúba. "A imobiliária só comercializa alguns lotes, não é dona deles."
O loteamento é regularizado pela prefeitura e suas construções estão a todo vapor. Mas podem comprometer o abastecimento de água da ilha, segundo Herrera. "O primeiro problema vai ser a falta de água. O segundo é a balneabilidade." Ele fala com base na realidade da ilha, que tem 85% da área sob as restrições do Parque Estadual e só 7% de rede de esgoto.
A captação de água muitas vezes é feita de maneira irregular. Ela é tirada de nascentes da serra - onde está o parque - ou dos córregos. Já é visível a erosão provocada pela terraplenagem em um dos lotes, que está em área de parque.
O laudo do DEPRN estima que "cerca de 15.600 m2 de área de preservação permanente tenham tido sua vegetação suprimida e áreas ocupadas com edificação e arruamento da área do loteamento".
Segundo o DEPRN, o loteamento foi projetado "desconsiderando-se por completo a legislação ambiental, tento em vista que, além de sua incidência parcial sobre área do Parque Estadual, também possui grandes áreas de preservação permanente, definidas pelo Código Florestal (Lei Federal 4.771/65, alterada pela lei 7.803/89)".
O prefeito de Ilhabela alega que o loteamento é anterior à criação do parque, de 1977. "Esse loteamento existe desde 1975", diz. E que a prefeitura desconhecia as restrições ambientais do local. "Como vou alertar sobre uma coisa que fiquei sabendo há um, dois meses?" Para ele, os proprietários dos lotes que se sentirem prejudicados devem entrar na Justiça.
Mas, segundo Herrera, mesmo que o empreendimento tenha sido constituído antes da criação do parque, o loteador deveria ter consultado a autoridade ambiental da época, de acordo com a lei federal 4.771/65, do Código Florestal. Hoje, diz ele, cabe à prefeitura verificar a regularização do lote a lote.
Para Manoel Marcos, vai haver uma "boa briga" na Justiça. "Se o cidadão adquiriu o lote, paga os impostos, tem a matrícula no registro de imóveis, quem vai proibi-lo de construir? Se proibir, alguém terá de indenizar."
Prefeitura quer criar taxa para preservação
Orçamento: O prefeito Manoel Marcos e a Câmara de Ilhabela estudam criar uma taxa ambiental na cidade. A intenção, segundo ele, é reverter a arrecadação para melhoria ambiental - na recuperação de mananciais e cachoeiras, por exemplo - e em áreas que, segundo ele, também contribuem para a melhoria ambiental. O dinheiro arrecadado com a tarifa poderia ser usado para melhorar e ampliar a pavimentação de vias e até na segurança da ilha, segundo ele. "Com a receita que temos hoje, consigo a duras penas oferecer infra-estrutura para o morador da ilha", diz. O orçamento anual da prefeitura é de aproximadamente R$ 48 milhões.
Na Justiça, processo por crime eleitoral
Prefeito responde à ação sob acusação de ter feito uso da máquina administrativa
O prefeito de Ilhabela, Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB), está às voltas com denúncias e processos. O mais recente, por suposto uso da máquina administrativa na campanha eleitoral, encontra-se em fase de análise pelo juiz eleitoral de São Sebastião e Ilhabela, Luiz Antonio Carrer. Todas as acusações, segundo o prefeito, partiram de adversários políticos.
A denúncia de crime eleitoral foi protocolada pela então candidata a vereadora Mônica Gomes (PSDB), em 16 de dezembro. Ela afirma que o prefeito teria usado uma festa popular no Bairro do Portinho, no dia 18 de setembro, para fazer comício. A fita de divulgação e fotos, que comprovariam a realização do showmício no mesmo dia, hora e bairro da Festa da Primavera, foram juntados ao processo. "As provas são escandalosas", afirma Mônica.
O juiz ouviu as testemunhas no fim de fevereiro e deve juntar as provas documentais e alegações finais das partes envolvidas. A expectativa é que a sentença seja concluída em dois meses.
O prefeito rebate. Ele diz que, diante da pesquisa eleitoral que o apontava com 63,64% das intenções de voto naquele período - ele reeleito com 63,75% dos votos -, não precisaria usar uma festa para comício. "Não tem cabimento. É outra perseguição política, porque se trata de uma candidata a vereadora da oposição."
ARQUIVADO
Outra ação movida contra Manoel Marcos, cujo título é "prefeito-corretor", foi arquivada no Tribunal de Justiça no fim de 2004. No site do TJ, o caso é "segredo de Justiça". O processo foi movido pelo dentista Danilo Giamondo Francisco, presidente da Associação Amigos Associados de Ilhabela (Amailha).
Giamondo foi candidato a vereador pelo PV nas últimas eleições e afirma, na ação, que a relação prefeito-corretor é conflitante. "Na declaração da Junta Comercial de São José dos Campos, onde a empresa do prefeito foi constituída em 13 de fevereiro de 2001, consta que a gerência de compra, venda, hipoteca, permuta, incorporação, loteamento e administração de imóveis ficará a cargo e responsabilidade exclusivos do sócio habilitado, Manoel Marcos, que já era prefeito na época."
A alteração da gerência da imobiliária para o sócio, Marco Henrique da Silva, só ocorreu em 13 de junho de 2002, no segundo ano de seu mandato. O prefeito diz que a imobiliária foi aberta antes de assumir o cargo. Ele ainda é sócio, mas se diz afastado.
OESP, 23/03/2005, Metrópole, p. C1
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