O desafio da preservacao

JB, Cidade, p.A23-A24 - 02/10/2005
O desafio de manter ex-escravos em liberdade
Brasil não tem programa para impedir reincidência de trabalhadores libertado
Edna Simão
Brasília - Embora tenha sido abolido em 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, o regime de escravidão é hoje a realidade de mais de 25 mil brasileiros. 0 dado é impreciso e estima-se que possa alcançar 40 mil trabalhadores. De 1995 até hoje, 11.254 pessoas foram libertadas em 253 operações feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego em conjunto com o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal. Este ano, já houve 1.361 libertações. A quantidade de denúncias subiu 38,5% de 2002 para o ano passado, passando de 5.637 para 7.812.
A meta do governo Luiz Inácio Lula da Silva é erradicar o trabalho escravo até o fim de 2006, quando termina o mandato. A tarefa será árdua, já que não existe uma política federal para ajudar os trabalhadores libertados. Sem amparo, eles retornam à escravidão, como constatam os fiscais do Ministério do Trabalho. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 40% das pessoas resgatadas estão propensas a voltar ao trabalho escravo por não terem vínculo familiar.
- Um percentual expressivo de trabalhadores volta a ser escravo. Isso acontece porque, depois de libertados e de receberem os direitos trabalhistas, eles voltam à terra natal, onde não há oportunidade de emprego. Com o passar dos meses, os recursos dessas pessoas acabam e eles voltam a ficar vulneráveis - explica a secretária de Inspeção do Trabalho do ministério, Ruth Villela.
Tanto o governo federal quanto os organismos internacionais acreditam que a erradicação do trabalho escravo, como quer o governo Lula, só será possível com um projeto conjunto entre a União, os Estados, os municípios e entidades sem fins lucrativos visando ao desenvolvimento de políticas públicas que evitem a propagação do regime de escravidão.
A OIT, um dos organismos internacionais engajados neste processo, vai destinar ao país US$ 1,2 milhão até 2007.
- É preciso ter medidas de prevenção e inserção das pessoas libertadas no mercado de trabalho local. Serão feitas campanhas regionais e estaduais, e a OIT vai contribuir nesse sentido - afirmou a coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT, Patrícia Audi.
Do orçamento que destina US$ 1,2 milhão ao combate do trabalho escravo, US$ 240 mil serão aplicados em dois projetos-pilotos, desenvolvidos em cidades onde há registros de maior número de recrutamento de trabalhadores. A idéia é ajudar na qualificação do trabalhador libertado e em sua inserção no mercado.
Um grupo interministerial estuda também formas de desenvolver economicamente as localidades nas quais é recrutada essa mão-de-obra. Os maiores fornecedores de escravos são os Estados do Maranhão, Piauí e Tocantins. Segundo dados do Ministério do Trabalho, 76,7 % dos libertados são originários dessas regiões.
- Esses trabalhadores são muito vulneráveis. Geralmente, têm nível educacional baixo. Analfabetos ou semi-analfabetos, que não têm alternativa de trabalho em suas cidades - explicou a secretária de Inspeção do Trabalho.
Segundo Ruth Vilela, os recrutadores - conhecidos como "gatos" - vão até as cidades desses Estados e simulam a oferta de boas oportunidades de emprego. Por falta de opção, o trabalhador aceita a vaga, na maioria dos casos, sem saber qual será seu destino.
Geralmente, eles têm os documentos confiscados e chegam ao novo trabalho já com a dívida de transporte e alimentação.
No Brasil, o critério de trabalho escravo consiste em oferecer condições de trabalho degradantes com privação da liberdade - servidão por dívida, retenção de documentos, dificuldade de acesso e capatazes armados. A maior incidência de trabalho escravo ocorre na área pecuária (43%), seguida pelo desmatamento (28%), agricultura (24%), madeireiras (4%) e carvoarias (1%).
A coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT afirma que o governo brasileiro tem avançado no combate ao problema. Um exemplo é a atuação mais forte na fiscalização, assim como a publicação da lista dos 101 fazendeiros que utilizam trabalho escravo.
Para Patrícia Audi, essas medidas mostram que manter trabalho escravo deixou de ser um negócio lucrativo. O fazendeiro que aparecer na lista negra do Ministério do Trabalho não poderá tomar empréstimos de fundos constitucionais e é passível de processo por danos morais.

Entidades defende fazendeiros
Brasília - Presidente da Comissão Nacional de Relações do Trabalho e Previdência Social da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Rodolfo Tavares acredita que o governo pode estar cometendo erro ao acusar um fazendeiro de ter funcionários em regime de escravidão. Para ele, em alguns casos, os fiscais do Ministério do Trabalho confundem condições degradantes com trabalho escravo.
- Os auditores também podem se enganar - acredita o representante da CNA.
Tavares alega que na área rural existem regras específicas sobre o regime de trabalho - que não incluem todos os direitos da CLT. Segundo ele, entretanto, os fazendeiros vêm sendo multados porque, além de ter de obedecer a todas as regras do setor rural, devem cumprir as exigências da área urbana.
O representante da CNA criticou ainda o fato de os fazendeiros serem condenados por trabalho escravo por meio de processos administrativos.
Para ele, é preciso haver uma condenação na justiça para que o fazendeiro seja penalizado, pois todo cidadão tem o direito a defesa.
- A CNA não compactua com criminosos. Repudiamos e não aceitamos o trabalho forçado entre os nossos filiados - garantiu.
Tavares criticou também a criação da lista negra do Ministério do Trabalho, que divulgou o nome das fazendas e de seus respectivos proprietários sem aguardar sentença final da Justiça. (E.S.)
O calvário da liberdade


JB, 15/08/2004, p. A6
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