Ocupação ilegal de reserva em Ilhabela inclui criação de búfalos

OESP, Metrópole, p. C1 - 27/11/2006
Ocupação ilegal de reserva em Ilhabela inclui criação de búfalos
Reportagem flagrou tratores e funcionários com serras elétricas em área de parque estadual que tinha mata nativa

Alexssander Soares e José Patrício

Paraíso de preservação da mata atlântica no litoral norte de São Paulo, Ilhabela não sofre apenas com a especulação imobiliária em áreas de proteção ambiental. O histórico de devastação inclui até mesmo o corte de mata nativa para a criação de búfalos dentro dos limites do Parque Estadual de Ilhabela.

Na costa sul, no Bairro do Portinho, ao lado de praias badaladas, como a da Feiticeira, uma propriedade transformou a paisagem antes intocada em um cenário rural. A fazenda abriga pelo menos uma dezena de búfalos e um extenso pasto feito nos morros após o corte da vegetação nativa. Tratores podem ser vistos transportando feno e funcionários com serras elétricas aumentam a área para exploração rural. Nenhuma das autoridades ambientais consultadas pelo Estado informou ter conhecimento da propriedade e do corte de vegetação para a criação de búfalos.

O município tem 85% de sua área incluída no parque estadual, criado em 1977 pelo governo para proteger 250 cachoeiras já catalogadas, vegetação de mata atlântica e animais em extinção. O parque está em fase de remarcação da área, mas inclui todo o território das costas sul e norte (em frente do canal de São Sebastião) situado a mais de 200 metros de distância das praias - a chamada cota 200. A legislação impede ainda construções em Áreas de Preservação Permanente (APPs) localizadas em topos de morros, nas faixas de 30 metros ao longo dos cursos d'água, num raio de 50 metros ao redor de nascentes ou em lotes com mais de 45 graus de declividade.

TRILHA

A propriedade do Bairro do Portinho fere a legislação por dois motivos: fica a mais de 200 metros da orla e o proprietário, Luiz Nicodemo Chemin, desmatou um topo de morro - o curral dos búfalos fica no pé da elevação. O acesso à fazenda é feito por uma estrada de terra. A reportagem do Estado só conseguiu encontrar os animais após percorrer uma trilha ao lado da fazenda, que dá acesso à nascente da cachoeira da Feiticeira.

'Nunca chegou nada ao meu conhecimento, mas vou solicitar imediatamente uma vistoria da Polícia Ambiental', disse a promotora do Meio Ambiente do litoral norte, Elaine Taborda de Ávila. Ela também prometeu cobrar informações da prefeitura de Ilhabela.

O Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), que deveria ter sido consultado sobre o emprendimento, informou não ter registro de nenhum pedido para supressão de mata nativa ou criação de búfalos no Bairro do Portinho. 'Formalmente não nos foi apresentado nenhuma denúncia. Vou conversar com a Promotoria do Meio Ambiente para averiguar a situação no local', disse o supervisor do DEPRN de São Sebastião e Ilhabela, Renato Herrera de Araújo.

Apesar de as autoridades desconhecerem o fato, a criação de búfalos não é novidade para os moradores do Bairro do Portinho. Alguns deles disseram que já provaram o queijo de búfala distribuído por Chemin na estrada que dá acesso à fazenda. Mesmo assim, eles disseram que são proibidos de entrar na propriedade para conhecer os animais. Logo na entrada da fazenda está escrito, em uma enorme placa de madeira: 'Proibida a entrada de estranhos. Propriedade particular.'

INVASÕES

A placa de madeira indicando a propriedade da fazenda revela outra situação comum em Ilhabela: a especulação imobiliária com loteamentos irregulares realizados dentro de áreas de preservação permanentes ou do parque estadual.

Em março de 2005, o Estado denunciou que imobiliárias da cidade estavam vendendo lotes dentro da área do parque estadual, em empreendimentos chamados de Siriúba 1 e 2. Os loteamentos tinham aprovação da prefeitura, mesmo depois de um laudo do DEPRN ter apontado irregularidades em 60% dos 190 terrenos vendidos.

A Ilhabela Imóveis, que tem como sócio o prefeito da cidade, Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB), era uma das que vendiam os lotes. O prefeito alega que se afastou das funções na imobiliária quando assumiu o cargo, apesar de ainda permanecer como sócio da empresa.


Proprietário diz que criação está legalizada

Proprietário da fazenda em Portinho, em Ilhabela, Luiz Nicodemo Chemin, afirmou que a criação de búfalos é um empreendimento 'artesanal, sem interesse comercial e somente para divertir a família e os amigos'. 'Tenho tudo legalizado', disse.

Chemim afirmou que decidiu morar em Ilhabela há seis anos e já plantou 6 mil árvores para contribuir com a preservação ambiental da cidade. 'Faço um serviço de Primeiro Mundo. Você precisa conhecer minha horta orgânica. Mas tudo o que faço é caseiro, como o leite e o queijo de búfala que distribuo para os amigos', disse. Chemin negou que tenha cortado a vegetação nativa para dar lugar ao pasto dos animais. 'Só tenho seis búfalos, não mais do que isso. É coisa pequena.'

Chemin disse que quem cuida da fazenda é seu filho Luiz Alberto e não quer nem ouvir falar da Polícia Ambiental porque tem 'certeza de que está tudo regular'. Ele ficou surpreso quando soube que o Estado fotografou os búfalos e as autoridades ambientais não tinham registro da propriedade. 'Você entrou na minha fazenda? Como conseguiu fotografar os animais?'

OESP, 27/11/2006, Metrópole, p. C1
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