OESP, Metrópole, p. C10, C12 - 16/09/2007
União ameaça ir à Justiça para derrubar casas em praias de Ilhabela
Alvo de ação são 300 projetos aprovados pela prefeitura e vereadores para construção em área de marinha
Alexssander Soares
A União estuda entrar com uma ação judicial solicitando a demolição de casas ou de áreas de lazer como deques, píeres ou piscinas construídas em área de preservação ambiental permanente ou em faixas de terrenos dentro da praia em Ilhabela - único município paulista escolhido como um dos 65 pólos turísticos brasileiros no início do mês pelo Ministério do Turismo. As medidas serão solicitadas pela Gerência do Estado de São Paulo da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) à Procuradoria da República no Estado, para garantir a preservação ambiental da ilha.
Os alvos da ação judicial da SPU serão 300 projetos aprovados, desde 1993, pela prefeitura e pela Câmara de Ilhabela para construção de deques, píeres ou piscinas dentro das chamadas faixas de marinha. A faixa - para uso comum dos moradores e turistas da ilha - é de propriedade exclusiva da União. O perímetro da faixa de marinha começa a partir da vegetação rasteira da praia ou das pedras costeiras, avançando 33 metros na direção do território. Essas construções são erguidas sem autorização do órgão federal dentro da faixa de marinha. Áreas de preservação permanente ficam próximas de cachoeiras, rios e dentro do Parque Estadual de Ilhabela.
A gerência regional do Patrimônio da União pretende fazer uma vistoria nas 300 autorizações do Executivo e Legislativo de Ilhabela. A idéia será propor medidas ambientais compensatórias para os proprietários de residências construídas em faixas de marinha já consolidadas dentro do ambiente urbano. A ação demolitória vai valer para construções isoladas dentro do ambiente de preservação permanente, como em topos de morros, ou com áreas de lazer utilizando as pedras costeiras como base. "Ilhabela precisa entender que esse tipo de desenvolvimento urbano não tem sustentabilidade ambiental", ressalta a gerente regional do Patrimônio da União, Evangelina de Almeida Pinho.
NOVAS APROVAÇÕES
A Gerência Regional da SPU enviou um ofício, em 5 de março, ao prefeito de Ilhabela, Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB), solicitando informações sobre decretos legislativos autorizando ao Executivo aprovar edificações em faixa de marinha. O ofício informava que os proprietários conseguiam a aprovação das plantas sem prova de regularidade no SPU. Desde a data do ofício do órgão federal, a prefeitura e a Câmara já aprovaram quatro novas autorizações, sendo a última na segunda-feira para um projeto de lazer com píer, deque e piscina na faixa de marinha na Praia da Pacoíba, costa norte da ilha.
Os órgãos técnicos da Câmara informam que ainda existem mais dois projetos tramitando na Casa e oito foram devolvidos à Prefeitura na quinta-feira pela impossibilidade de os vereadores encontrarem os proprietários dos terrenos.
O ambientalista Edward Boehringer, ex-diretor de Meio Ambiente da prefeitura de Ilhabela e atual integrante do Comitê de Bacias Hidrográficas do litoral norte, afirma que todas as obras em faixa de marinha aprovadas pelos vereadores são irregulares do ponto de vista jurídico e ambiental. "A costa da ilha se transformou em um porco-espinho com o surgimento de vários píeres."
Boehringer ressalta que qualquer edificação na praia, principalmente as colunas submersas dos píeres, interferem no fluxo da maré com risco de destruição de pequenas praias de enseadas ou a formação de novos bancos de areia. "A sombra dessas construções no mar também atrapalha toda a fauna e flora marinhas. Todos os projetos aprovados pelos vereadores em faixa de marinha têm vício de ilegalidade."
O prefeito concorda que o patrimônio paisagístico de Ilhabela está ameaçado. Apesar de destacar que não tem atribuição legal para fiscalizar construções sobre pedras costeiras ou avançando pelo mar, o prefeito critica a falta de atuação da SPU, responsável pela área. "A prefeitura só pode fiscalizar nossa lei de uso e ocupação do solo, além de outras questões municipais. A responsabilidade é deles (SPU), só que eu nunca vi eles mandarem um só fiscal para cá."
Câmara aprova obras em área federal
Prefeito critica poder de vereadores, mas diz que não pode fazer nada
Alexssander Soares
Uma autoridade municipal critica a outra. Mas há 14 anos ninguém quer perder a prerrogativa de autorizar a construção de píeres, deques ou piscinas das milionárias casas de veranistas de Ilhabela.
Os vereadores e o prefeito dividem a responsabilidade pela aprovação de qualquer tipo de construção ou ocupação em faixas de marinha - uma atribuição exclusiva do governo federal, que será alvo de ação judicial estudada pela Secretaria de Patrimônio da União.
A Câmara de Ilhabela conseguiu a prerrogativa, ainda inédita quando comparada aos demais legislativos do litoral paulista, para analisar os projetos dos proprietários e somente autorizar o alvará de construção da obra na prefeitura após sua votação em plenário. O poder foi criado durante a discussão da Lei Orgânica do Município (LOM), que funciona como a constituinte municipal e foi aprovada pelos próprios parlamentares em 1993. Eles criaram a Comissão Permanente de Obras, Serviços Públicos, Atividades Privadas e Defesa do Meio Ambiente, que já analisou a regularidade de 300 projetos de edificações especificamente em faixas de marinha.
"Sou totalmente contra o poder dos vereadores, mas, como a comissão permanente foi aprovada pela Lei Orgânica, sou obrigado a aceitá-la", disse o prefeito de Ilhabela, Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB), que já foi vereador na cidade e nunca questionou a prerrogativa legislativa na Justiça.
'ABSURDO JURÍDICO'
Presidente da Câmara por dois mandatos, o secretário de Assuntos Jurídicos de Ilhabela, Odair Barbosa dos Santos, afirma que considera atualmente "um absurdo jurídico" o poder dos vereadores. Quando questionado se a administração apresentaria uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o poder da Câmara, o secretário trocou os argumentos jurídicos pelos políticos. "A Câmara tem sua força política sobre a prefeitura porque tudo precisa de autorização dos vereadores, caso contrário não conseguiremos aprovar nossos projetos de interesse da coletividade", afirmou o secretário.
Presidente da comissão permanente da Câmara, o vereador Jadiel Vieira (sem partido), conhecido como Keko, alega que os demais parlamentares só cumprem uma obrigação legal definida pela LOM. Ele admite que a Câmara não tem corpo técnico, como engenheiro ou topógrafo, para analisar os projetos, mas que a comissão só verifica se as edificações não vão atrapalhar o acesso da praia aos moradores ou turistas. "A prefeitura é quem deve fiscalizar a obra. Nós não verificamos nada", disse Vieira.
CONSTRUÇÕES
As construções das áreas de lazer - píeres, deques ou piscinas - nas casas de frente para o mar de Ilhabela seguem em ritmo normal, apesar de um ofício da Gerência Regional da Secretaria de Patrimônio da União, enviado em março à Prefeitura de Ilhabela, ter solicitado a paralisação das obras. O Estado flagrou desde terça-feira operários concluindo obras, como deques e piscinas, para o início da temporada de verão. Nenhum funcionário ou proprietário quis dar explicações sobre as obras.
Em uma casa na Praia do Ilhote, costa sul do município, dois trabalhadores envernizavam um deque com uma piscina construída em cima das pedras - dentro da faixa de marinha. Eles informaram que a casa pertencia a um veranista, mas no cadastro da prefeitura o imóvel está em nome do parente de um funcionário da Secretaria de Obras.
MP vai apurar responsabilidade de autoridades
Independentemente da responsabilidade legal de fiscalização das obras, a promotora da Cidadania de Ilhabela, Eloísa Balizardo, vai investigar as autoridades municipais pela aprovação de projetos situados na faixa de marinha. "Acredito que eles (vereadores e prefeito) não têm atribuição legal para aprovar projetos em faixas da União. Mas ainda estou analisando a situação legal num inquérito civil."
OESP, 16/09/2007, Metrópole, p. C10, C12
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