O Globo, Razão Social, p. 14-15 - 05/11/2007
Bons serviços ao ambiente e social gerarão o lucro
Por Amélia Gonzalez
No dia 31 de outubro o governo brasileiro através do Ministério do Meio Ambiente abriu, pela primeira vez, um edital de licitação para a concessão de florestas púbicas. Com isso as empresas ganhadoras poderão ter acesso a áreas de manejo e, em troca de serviços, terão que conservar a terra. O local escolhido para estrear a atividade foi a Floresta Nacional de Jamari, em Rondônia, com 220 mil hectares: desse total, 60% são de uso comunitário e apenas 40%, ou seja, 90 mil ha, estão em floresta nacional. Segundo o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Rezende, à frente da ação, este será o espaço onde a empresa vencedora poderá atuar, pagando uma espécie de royalty para poder usar a terra como fonte de produtos e serviços.
Como toda novidade, essa também está criando expectativas. Ambientalistas mais exaltados, antes mesmo de saberem exatamente do que se tratava, já espalhavam a notícia de que o governo estaria "vendendo" a floresta. Tasso diz que é justamente o contrário disso, mas entende a confusão. Segundo ele, a palavra concessão virou, para muitos, sinônimo de privatização. Nesse caso, pelo menos, garante, não é.
A empresa não terá direito ao solo, à fauna, aos recursos genéticos. Até então podia-se entregar, vender a floresta para produtores e isso podia fazer com que acabasse em mãos estrangeiras até. Temos hoje áreas grandes que foram vendidas para empresas enormes.
E isso não será mais possível.
Para se ter uma idéia do que representa a concessão desses 90 mil ha, é preciso saber que o Brasil tem um total de 850 milhões de hectares de florestas públicas, sendo 121 milhões de uso comunitário. Para as concessões, que terão duração de cinco a 40 anos, estarão destinados 13 milhões de hectares e espera-se uma economia para o governo uma polpuda economia pelo planejamento das áreas licitadas.
O importante não é o que a empresa vai pagar, mas o que ela vai gerar, não só de cuidados com as terras, muitas delas em absoluto processo de deterioração, como de emprego e renda para os moradores das localidades próximas disse Tasso Rezende.
Com isso Leonardo Pool de Almeida, da ONG local Rio Terra, concorda. Assim como outras associações e organizações, a dele também foi chamada para participar das discussões antes de se chegar à conclusão de que seria ideal fazer a concessão, formando uma Comissão de Gestão de Florestas Públicas para debater o conteúdo do edital. Segundo Leonardo, a maior riqueza da área de Jamari é mineral, tanto que já há ali uma mineradora, que terá seus direitos sobre a terra garantidos. Mas o mais importante para ele é a obrigação de a empresa que ganhar a concessão seja obrigada a fazer um plano de manejo sustentável.
Se não for isso, moça, pode escrever aí: era só esperar, daqui mais um tempo, pela devastação total. Porque o modo tradicional de extrair madeira aqui é passar o trator em toda a área da floresta até alcançar a madeira que interessa. Toda vegetação é morta. A realidade é que a madeira do estado de Rondônia, hoje, se concentra em áreas particulares e em áreas de reserva. As outras áreas já foram exploradas. O estado precisa manter a indústria, eu sei, por causa do desenvolvimento. Mas tem mesmo que botar regras para não acabar com tudo - disse ele.
Leonardo Almeida até acha que o governo vai vender a floresta sim, como pensam alguns amigos seus. Só que isso, segundo ele, já era feito sem nenhum proveito para a comunidade.
Agora, não. Ele mesmo, chamado para participar das audiências, se sentirá responsável pela fiscalização da área.
E é justamente esse processo histórico de grilagem pela qual a região já vem passando há algum tempo que fez o sempre intempestivo Greenpeace, desta vez, apoiar oficialmente o projeto de concessão das florestas públicas.
Mas com uma importante ressalva, segundo um dos diretores, Marcelo Marquesini: Como sabemos que não existe manejo sustentável naquela região, a implementação da lei é que vai definir se vai ser um sucesso ou um fracasso.
É preciso monitorar, mais até do que fiscalizar. A fiscalização envolve saber se aquele manejo não está vendendo madeira de outro lugar. Mas o monitoramento técnico vai conseguir apurar se a empresa está seguindo o planejamento das estradas, se está tudo sendo feito dentro do permitido - disse ele.
Ana Yang, diretora do Conselho Brasileiro do Manejo Florestal ( FSC), que dá o selo de manejo sustentável às empresas, concorda com Marquesini. Para ela, o conceito das concessões é bom, mas resta saber como a lei vai ser aplicada.
Na verdade, a empresa vai tomar conta de uma parte da floresta que é do governo e que ninguém dá conta de cuidar. A empresa que não cumprir com os critérios, que não seguir as normas, deve sair fora. Afinal, todo o processo está sendo feito com a participação da sociedade civil. E por isso mesmo temos que ficar de olho para esse negócio não desandar, sobretudo quando trocar o governo disse Yang.
Tasso Rezende é otimista com relação a isso.
O plano de outorga às vezes pode ser considerado até excessivamente burocrático, mas é justamente o que vai dar elementos para evitar que no futuro os contratos não sejam cumpridos. A não ser que esse sistema regulatório entre em colapso, vai ser um sistema que poderá sobreviver às intempéries políticas.
Oitenta países, entre eles Canadá e Bolívia, já têm o mesmo tipo de concessões, cada um do seu jeito. Aqui no Brasil, a expectativa maior da população é que gere emprego. Sebastião Gago dos Santos, diretor da Cooperativa de Extrativistas do Rio Jamari, diz que esta reserva que será a primeira a entrar no edital estava parada há muito tempo.
Eu também participei das audiências e sei que as empresas que comprarem vão ganhar ponto. E ganha mais ponto não aquelas que empregarem uma técnica melhor para fazer o manejo, mas aquelas que derem mais trabalho para o povo da região. E é disso que estamos precisando. Temos aqui a mineradora Samuel, da Eletronorte, por exemplo, que fez tudo virar um grande alagado. Isso não pode mais acontecer - disse ele.
Interessados dão sugestões
Na quinta-feira dia 25 de outubro a Comissão de Gestão de Florestas Públicas se reuniu em Brasília para debater o conteúdo total do edital.
Os membros fizeram algumas recomendações, entre elas o aumento da lista de produtos não madeireiros exclusivos do manejo comunitário e que o edital valorizasse propostas com maiores benefícios regionais. Segundo Rubens Gomes, representante dos movimentos sociais na Comissão, é preciso garantir o direito das populações locais:
- Sobretudo ao uso de seus produtos de uso tradicional.
Muitos são a base da cadeia alimentar dos ribeirinhos - diz, acrescentando que o melhor a ser feito seria estimular parceria entre as empresas concessionárias e as comunidades.
Os prefeitos de Cujubim, João Becker, e de Itapuã do Oeste, Robson Melo de Oliveira, as duas comunidades mais próximas à Flona de Jamari e que serão diretamente beneficiadas, também estiveram na reunião. Eles estão entusiasmados porque sabem que 30% dos recursos arrecadados serão divididos entre os dois municípios. Mas querem que o edital atribua maior peso para projetos que garantam o desenvolvimento de indústrias na região e criação de empregos locais.
Não dá mais para deixar que empresas explorem as riquezas da região sem contrapartidas locais - diz Robson Oliveira.
De qualquer maneira, já existe essa preocupação no edital. Foi feita uma espécie de premiação através de pontos, de 0 a mil, que a empresa só vai receber depois de um ano de produção. É mais ou menos assim: se ela só fizer a exploração e vender a madeira, ganha menos do que se ela fizer uma fábrica no local, por exemplo.
E isso tem a ver, é claro, com seus ganhos. Tasso Rezende calcula que uma empresa possa ganhar, em média, R$ 4 a R$ 5 milhões ao ano.
O Globo, 05/11/2007, Razão Social, p. 14-15
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