Os poderes do cerrado

CB, Cidades, p. 30 - 15/11/2007
Os poderes do cerrado
Apesar dos incêndios e do longo período de estiagem, a vegetação do Parque Nacional de Brasília começa a recuperar o verde e o vigor

Da redação

O ano foi atípico. Mais de quatro meses de estiagem, que se estendeu de 28 de maio a 2 de outubro, deixaram o clima de Brasília muito mais seco do que em outros períodos. A vegetação do cerrado dava sinais de falência há poucas semanas, com seu formato retorcido e tons de queimado, mas bastaram as primeiras chuvas para a paisagem mudar. Apesar do fogo que marcou 2007 com o maior número de registros de incêndios nos últimos 10 anos, o que existe de resistência no verde do cerrado já está se revigorando e enche os olhos dos brasilienses.
O que era torrão explode em cores. Neste ano, segundo estatísticas do Corpo de Bombeiros, Brasília teve 5.942 casos de incêndio. No Parque Nacional, nas margens da DF-01, onde aconteceu o pior deles, em 20 de agosto, a natureza recuperase a passos rápidos (leia Para Saber Mais). As árvores vão se despindo do cinza e pouco fazem lembrar do fogo que durou cinco dias e devastou 11 mil hectares de vegetação nativa, o equivalente a 30% da área total da reserva.
Proteção inteligente
De onde o cerrado tira sua força? Paulo Amozir, coordenador do Plano de Prevenção e Combate de Incêndios Florestais do Parque Nacional, explica que o cerrado é uma composição florística muito antiga, e por isso desenvolveu um enorme poder de regeneração. "É uma floresta ao contrário, com raízes profundas, que chegam a medir 50m, o que confere resistência à seca. A casca grossa, coberta por cortiça, é uma proteção adicional", explica.
A cortiça, por ser um poderoso isolante térmico, preserva do fogo e do calor o interior da planta. E é justamente no centro do caule que está localizada a parte viva da árvore, onde a
seiva corre para cima e para baixo, transportando os gases e nutrientes vitais para a planta.
Amozir explica que instalaram termômetros no interior de árvores típicas do cerrado para verificar a variação da temperatura durante um incêndio. A casca grossa das plantas evitou que a temperatura aumentasse drasticamente.
O tapete de folhas secas formado na época de pouca chuva também não é à toa. Além da cortiça, as plantas dispõem de uma estratégia para sobreviver ao clima rigoroso. Quando falta água, elas perdem as folhas. A vegetação entra numa espécie de dormência, quem vê chega a acreditar que está morta. Sem as folhas, a árvore precisa de menos água para manter-se viva e também evapora menos líquido.
No limite
O cerrado está se recuperando, principalmente as plantas de menor estatura. Mas se a área do Parque Nacional atingida pelo fogo sofrer outro incêndio de grandes proporções, nos próximos cinco anos, é provável que a vegetação não consiga se recuperar por completo. E as conseqüências serão grandes.
"Os incêndios podem ter dimensão catastrófica. Crianças indo para o hospital, a cidade com o ar irrespirável", destaca Darlan Alcântara de Pádua, chefe do Parque Nacional.
Mas o cerrado também tem um limite. "Do jeito que está sendo queimado, principalmente no Distrito Federal, vai ficar desconfigurado", diz Jeanine Felfili, professora do departamento de Engenharia Florestal da UnB. Ela é líder, desde 1982, de um grupo de pesquisa que tem como um dos objetos de estudo a dinâmica de recuperação do cerrado e seus processos de funcionamento, e afirma que o cerrado, apesar de grande resistente ao fogo e à seca, está cada vez mais ralo. "O cerrado é resistente, mas estamos chegando a um limite perigoso. Mesmo a planta tendo a sua proteção, chega um momento em que a cortiça acaba e a parte viva é atingida", explica.


Para saber mais
Elas vivem até sem água

O cerrado é a segunda maior formação vegetal brasileira. Está distribuído pelo Planalto Central - nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso,Mato Grosso do Sul, DF -, parte de Minas Gerais e Bahia. É um ecossistema tropical de savana, que guarda grandes semelhanças com a vegetação africana, onde predominam plantas xerófitas, que brotam em regiões áridas e têm um expressivo poder de fotossíntese. Por causa dos longos períodos de escassez de água, essas plantas desenvolvem um sistema de armazenamento de água e nutrientes em suas raízes. Algumas têm reservatórios como plantas da caatinga brasileira. Isso explica o porquê das plantas brotarem com tanta facilidade, mesmo com pouca chuva. Muitas vezes, até mesmo sem chuva,saem folhas e flores novas.

CB, 15/11/2007, Cidades, p. 30
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