Invasões de migrantes ameaçam cachoeiras e praias em Ilhabela

OESP, Metrópole, p. C4 - 09/03/2008
Invasões de migrantes ameaçam cachoeiras e praias em Ilhabela
Em 7 anos, 15 hectares em área de preservação foram invadidos; cidade ainda tem um déficit de 800 moradias

Diego Zanchetta

Aos visitantes da Cachoeira da Toca em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, Maria Antonieta, de 48 anos, faz sempre o mesmo alerta. "Pode descer, mas cuidado para não tropeçar nos canos, hein! Depois vocês vão embora, e quem fica sem água somos nós", alerta a dona de casa, que diz ter conseguido, "há alguns anos", a posse de um terreno a 30 metros de um dos principais pontos turísticos da ilha, em área de preservação.

O emaranhado de tubulações que cruza a cabeceira da cachoeira e passa ao lado dos três cômodos de Antonieta é o maior obstáculo a ser vencido pelos turistas na pequena trilha de terra, na parte norte da ilha. Pelos canos cheios de remendos são captadas centenas de litros de água, usadas todos os dias pelas 30 famílias que estão em uma área invadida, ao lado da cachoeira. "Pode ver que as piscinas naturais formadas pelas pedras estão bem mais rasas, toda casa nova aqui pega água da cachoeira", observa Antonieta.

A mesma água que entra limpa, nos barracos construídos em invasões espalhadas ao longo de cursos d'água na Ilhabela, volta poluída com esgoto doméstico às cachoeiras e córregos afluentes do mar, em um ciclo semelhante ao que já destruiu inúmeras praias e mananciais paulistas e agora ameaça a preservação do município litorâneo - dos 347 km² de Ilhabela, 90% deles são formados por mata nativa, incluindo nessa área 14 quilômetros de praias e 369 cachoeiras.

Com um déficit de 800 moradias e 15 novos hectares invadidos em áreas de preservação entre 2000 e 2007, incluindo territórios dentro do Parque Estadual, segundo recente levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ilhabela é vítima de uma urbanização motivada, desde os anos 90, pela migração de mineiros e baianos que procuram emprego no corte de pedras de granito e na construção civil. Na última década, a população do município cresceu 12% ao ano, índice que caiu em 2007 para 3,86%, ainda maior que a média de 1,5% do Estado.

O esgoto doméstico despejado em córregos que deságuam no mar reflete na piora da qualidade das praias. Durante a alta temporada deste ano, das 12 praias monitoradas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), 10 ficaram impróprias nos meses de janeiro e fevereiro.

"Essa massa trabalhadora de migrantes veio ajudar a construir condomínios e casas de luxo, que muitas vezes também estão em áreas de preservação e que não poderiam ter sido viabilizados. Só existem invasões porque houve a possibilidade de construção desses empreendimentos", diz o geógrafo René Novaes Júnior, do Inpe, responsável pelo estudo que apontou a "favelização" em Ilhabela.

Na semana passada, a reportagem do Estado constatou na cidade litorânea que as invasões e seus esgotos poluem atualmente as cachoeiras da Toca, dos Cegos, do Buraco Fundo, da Cocaia, da Água Branca e o Córrego dos Camarões - mananciais que carregam esgoto às praias do norte e da região central da ilha, as mais poluídas, segundo dados da Cetesb.

Para controlar o crescimento populacional - eram 12.797 habitantes em 1990, e hoje são mais de 26 mil -, a Prefeitura de Ilhabela tem oferecido laqueaduras e vasectomias gratuitas, na rede municipal de saúde.

AÇÃO

Desde 2006, o Ministério Público move processo (1.066/06) no qual acusa o prefeito de Ilhabela de ser omisso em relação às invasões em áreas de preservação. "O prefeito deixa as famílias se instalarem ao longo de cursos d'água, ele é omisso e não fiscaliza essas habitações. Pelo contrário, ele autoriza essas construções", acusa a promotora de Meio Ambiente do Litoral Norte Elaine Taborda.

Como reflexo das invasões ao longo de cursos d'água, a Cetesb informou que, dos 23 córregos da Ilhabela monitorados pelo órgão, apenas 23% apresentaram, em 2007, índices para presença de coliformes fecais abaixo do limite permitido pela legislação federal. "Praias afastadas do centro, como Feiticeira e Armação, que sempre foram consideradas boas, começaram a apresentar índices impróprios de balneabilidade, por causa da presença de esgoto na água", aponta a gerente de Águas Litorâneas da Cetesb no litoral norte, Cláudia Lamparelli.

ESTUDO

O crescimento de invasões em Ilhabela foi apontado em estudo do Inpe, de julho de 2007. Atualmente, o geógrafo Novaes Júnior, do Departamento de Sensoriamento Remoto do Inpe, aguarda a compilação dos resultados de imagens de satélite feitas no início deste ano para fazer a contagem dos moradores de invasões em áreas de preservação - há uma estimativa de 7 mil pessoas morando nessas condições na ilha.

As fotos aéreas foram feitas pelo satélite Landsat-TM5, com a utilização de um software chamado Spring. Somadas as áreas de Ilhabela e do Parque Estadual, são 64 hectares de construções e invasões em áreas de preservação, segundo as fotos do satélite.

"Não dá mais para dizer que Ilhabela não tem invasões, moradias em construções precárias. Existe uma favelização na cidade, sim, como em todo o litoral norte", diz o pesquisador.

Para o Ministério Público, obras como a ampliação do Porto de São Sebastião, a duplicação da Rodovia dos Tamoios e a nova estação de gás planejada para Caraguatatuba tornam inevitáveis a explosão demográfica em Ilhabela. O Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais (DEPRN) informou que cresceram as autuações sobre construções irregulares em Ilhabela.


Prefeito oferece vasectomia e laqueaduras
O prefeito Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB) acredita que os migrantes são atraídos principalmente pelas belezas e pelo bom serviço público de Ilhabela e não apenas pelas obras de condomínios e para a extração de pedra de granito - em que trabalham centenas de baianos e mineiros que deixaram seus Estados. O político, em seu segundo mandato, reconhece, porém, que o município corre o risco de um "colapso" demográfico, se atingir a marca de 35 mil habitantes nos próximos anos - são 26 mil, hoje. Para evitar a explosão populacional, as assistentes sociais da prefeitura orientam casais de famílias de baixa renda a fazerem cirurgias de laqueadura e vasectomia, como forma de evitar novos filhos, segundo Ferreira. Também são oferecidas, de graça, passagens para os interessados em voltar ao Estado de origem.

"Nós temos um déficit de 800 moradias. Só que não existe lugar aqui para que possa ser construído um conjunto habitacional desse tamanho. O impacto ambiental de uma obra dessas seria muito grande", justifica o prefeito. Em Ilhabela, foi inaugurado em 2005 um conjunto habitacional para 80 moradores, mas havia 876 inscritos. Quanto ao saneamento básico, a Sabesp vai investir neste ano, em Ilhabela, R$ 14 milhões.


Puxadinhos e mansões atropelam leis ambientais
Construção civil atraiu uma massa migratória que também se fixou na região, com impactos
Barracos de madeira em encostas com erosão acelerada, sacos cheios de lixo arrastados aos córregos pelas chuvas, ratos, ruas de terra enlamaçadas, fossas com ligação direta ao curso d'água. Em Ilhabela, a realidade de moradores de baixa renda, comum nas invasões das periferias dos grandes centros urbanos, não fica tão distante dos luxuosos condomínios à beira-mar, com mansões de seis quartos e piscina aquecida.

A maior parte dos moradores de invasões trabalha justamente dentro desses condomínios, como os Siriúba 1 e 2, parte deles erguidos em área de preservação, após contestações em vão de órgãos ambientais e do Ministério Público Estadual.

"Eu vou e volto a pé para o serviço", conta o pedreiro Damião Borges Nunes, de 68 anos, que veio de Orós, no Ceará, para trabalhar na construção civil de Ilhabela. Junto com o sobrinho também migrante, Nunes mora em um barraco a menos de 20 metros do Córrego dos Camarões, um manacial que corta - limpo - parte do norte da ilha e deságua - poluído - no mar, castigado pelo esgoto doméstico

Em outra invasão, na cabeceira da Cachoeira do Buraco Fundo, onde há cerca de 40 famílias, as casas começam a ganhar lajes e o cenário já lembra o de uma favela. Os "puxadinhos", contudo, ficam a menos de 800 metros de casas de veraneio luxuosas, também erguidas em área de preservação próxima à mesma cachoeira.

"Quem atraiu essa massa migratória para a ilha foram os donos de construtoras que atropelaram a legislação ambiental para fazer condomínio. Não dá para colocar todo mundo em um ônibus e mandar de volta para a terra natal", critica o presidente do Instituto de Engenheiros e Arquitetos de Ilhabela, Anselmo Tambellini.

EXTRAÇÃO PROIBIDA

Vindos principalmente do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e do sertão baiano, os migrantes em Ilhabela também trabalham no corte de pedras de granito usadas na construção de casas de veraneios. É o caso de Alisson Azevedo Costa, de 26 anos, que veio há um mês de Santa Lúcia, na Bahia. Ele recebe R$ 0,35 a cada pedra de 30 cm x 15 cm cortada na escosta da praia de Sepetiba, no sul da ilha, e mora em um barraco ao lado da cachoeira Água Branca. "Quero ecomomizar para construir minha casa na Bahia", afirma Costa, que deixou a mulher na terra natal. A extração de granito é proibida pelo governo federal desde 1976.

OESP, 09/03/2008, Metrópole, p. C4
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