Veja, Brasil, p. 62-66 - 21/05/2008
O desafio da economia verde
A saída de Marina Silva não muda em nada o dilema brasileiro: encontrar uma fórmula que permita crescimento sustentável
Leonardo Coutinho e Otávio Cabral
O Brasil tem um desafio: conciliar desenvolvimento com preservação. O desmatamento desenfreado da Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, não pode continuar. Quase um quinto da vegetação original já desapareceu, metade disso nos últimos vinte anos, quando o avanço das motosserras passou a ser monitorado com imagens feitas por satélites. O pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na semana passada, ocorreu no contexto desse debate central para o futuro - como conciliar o crescimento econômico com a proteção ambiental, sobretudo na região amazônica, que abrange mais da metade do território nacional. Marina teve de sair porque não soube solucionar essa equação. Sua saída, porém, não muda em nada o dilema colocado diante dos brasileiros.
Para dar o salto econômico de que necessita, o Brasil não pode abrir mão de seu potencial agropecuário ou de investir na geração de energia. Tampouco pode destruir um bioma que é ao mesmo tempo um patrimônio nacional a ser preservado e um foco de interesse internacional. Pela diversidade biológica e pelo papel que a floresta tropical brasileira desempenha no equilíbrio climático do planeta, seu destino desperta preocupação global. A reação no exterior ao pedido de demissão da ministra foi de susto. O jornal inglês The Guardian qualificou a saída de Marina Silva como "uma ameaça ao futuro da maior floresta tropical do mundo". Marina Silva nunca passou de um ícone, uma peça de marketing exibida pelo governo Lula para mostrar uma suposta vocação ambientalista. Muito antes de ser ministra, ela era reconhecida internacionalmente como defensora da preservação da Floresta Amazônica, com excelente trânsito entre as ONGs mais barulhentas do planeta. No cargo de ministra, porém, mostrou pouca intimidade com a burocracia, a começar pela montagem da equipe. Seus principais assessores eram quase todos militantes de organizações dogmáticas, que viviam em atrito permanente com setores do próprio governo.
Desde o primeiro mandato, Marina travou uma queda-de-braço com a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. As divergências com relação à concessão de licenças ambientais para a construção de hidrelétricas chegaram a tal ponto que as duas mal se cumprimentavam. Para Dilma, Marina era um obstáculo ao crescimento do país. Marina considerava Dilma a encarnação de tudo o que deveria ser combatido pelo governo. O presidente Lula também não escondia de seus interlocutores a irritação com o desempenho da Pasta do Meio Ambiente. Nas últimas semanas, houve dois exemplos claros do processo de fritura da ministra. O primeiro foi o lançamento da Política Industrial, que não tinha uma linha sequer sobre a questão ecológica, apesar dos longos textos sobre o assunto enviados por Marina ao Planalto. Depois, no que acabou sendo a gota d'água, o presidente anunciou que o Plano Amazônia Sustentável seria coordenado por Mangabeira Unger, ministro de Assuntos Estratégicos. O plano era um filhote do ministério de Marina, e ela tinha esperanças de assumir sua coordenação. Entre quatro paredes, Lula mostrou-se aliviado com a renúncia da ministra. "Ela tem posições muito ideológicas, muito radicais", confidenciou o presidente a um interlocutor no dia da demissão.
Para reduzir os danos de imagem no meio internacional, Lula escolheu para substituir Marina outro político com "selo verde": Carlos Minc, secretário do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, militante ambientalista também conhecido no exterior, mas que tem uma diferença fundamental em seu currículo. Enquanto Marina se mostrou apenas um ícone, Minc é um ambientalista que se adequou às políticas de desenvolvimento. Nos dezessete meses em que ocupou a secretaria, ele emitiu licenças para obras complexas e delicadas sob o ponto de vista ambiental, como um pólo petroquímico de 8,4 bilhões de dólares que a Petrobras vai construir próximo a um manguezal e um arco rodoviário de 146 quilômetros que atravessa uma reserva florestal. A postura de Marina Silva era de preservação incondicional da Amazônia, admitindo apenas ilhas de agricultura de subsistência e de proteção de pequenas comunidades, como a de seringueiros e castanheiros. É um discurso eficiente na teoria e para conquistar a simpatia internacional, mas que bateu de frente com as necessidades práticas do país, como a construção de estradas, a mineração, a geração de energia elétrica, a agricultura e a pecuária.
O desafio brasileiro decorre num cenário único. A impressionante expansão econômica dos Estados Unidos, por exemplo, ocorreu em um período em que não havia Greenpeace nem preocupações ambientais. Até meados dos anos 80, o governo brasileiro tentou repetir a receita do passado. Para povoar a Amazônia e integrá-la ao resto do país, distribuiu terras e estimulou o desmatamento como forma de consolidar a presença na região. Até recentemente, quando demarcava lotes para os sem-terra na Amazônia, o Incra exigia a derrubada da mata para que o assentado justificasse a posse. O Brasil já não pode seguir esse caminho. A destruição da floresta é inaceitável dentro e fora do país. Mais de 15% dos 5 milhões de espécies de seres vivos existentes habitam a Floresta Amazônica. Ao contrário do que ocorre nas florestas temperadas do Japão e da Alemanha, com poucas espécies de árvore, uma vez destruída, a biodiversidade tropical não pode ser recriada pelo reflorestamento. Existem hoje legislação, recursos tecnológicos e vigilância remota suficientes para permitir a ocupação econômica da Amazônia sem alterar de forma destrutiva seu metabolismo. O dilema brasileiro é usar todo esse mecanismo de maneira eficiente, de forma a criar uma economia próspera e, a exemplo de seus ministros do Meio Ambiente, com direito a "selo verde".
Com reportagem de Alexandre Salvador e Thomaz Favaro
Veja, 21/05/2008, Brasil, p. 62-66
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