Águas Emendadas pede socorro

CB, Cidades, 38 - 19/10/2008
Águas Emendadas pede socorro
A estação ecológica, que preserva espécies ameaçadas e abriga nascentes de rios de bacias importantes, sofre com a expansão da ocupação urbana e da agricultura. Governo elabora plano de manejo

Elisa Tecles
Da equipe do Correio

Convocada a escolher entre Norte e Sul, a natureza preferiu ser justa. Criou um fenômeno único no mundo, que leva água aos dois extremos do país, e o colocou no Planalto Central. Na Estação Ecológica de Águas Emendadas, uma mesma vereda abriga as nascentes dos córregos Brejinho e Veredas, que correm em direções opostas. O primeiro segue para o Rio Paraná, o outro, para o Rio Tocantins.
A reserva, localizada em Planaltina, tem 10.547 hectares de fauna e flora nativas e preserva espécies do cerrado ameaçadas de extinção. A estação conserva o habitat natural de plantas e animais, mas enfrenta a degradação das terras que a cercam. Nos arredores da unidade, há plantações de grãos, criação de gado, estradas e terrenos loteados sem infra-estrutura.
Um consórcio contratado pelo GDF acaba de concluir um diagnóstico com os problemas da região e prepara um plano de manejo para coibir abusos no futuro.
"A manutenção das espécies em vida livre é barata e eficiente.
Porém, isso é afetado pelo isolamento da área, a ameaça de espécies invasoras e o convívio com o homem, fogo, caça e defensivos agrícolas", explicou a zootecnista Valéria Saracura, uma dos 13 consultores que participaram do trabalho. O primeiro impacto provocado pelo homem foi o desmatamento para ocupação urbana e agricultura. A reserva está ilhada por casas, chácaras e fazendas.
A substituição da vegetação nativa por asfalto, concreto ou mesmo plantas exóticas reduz a absorção de água pelo solo. O resultado são lençóis freáticos vazios e enxurradas nas ruas durante as chuvas. A chance de erosão aumenta. "O solo do cerrado é estável quando tem vegetação nativa. Se ela é retirada, ele se torna frágil", afirmou o geólogo Christian Giustina, diretor da consultoria Geológica, uma das responsáveis pelo diagnóstico. A expansão de Planaltina aproxima a cidade da vegetação. As casas do bairro Estância e do Sarandi chegam perto do Córrego Fumal, que nasce na estação. No Sarandi, os muros ficam a menos de 2m do curso d'água. A água usada nas pias e chuveiros de parte do Estância cai direto no Fumal.
Grama africana
Espécies exóticas ganham espaço por conta da ocupação externa. A grama africana, usada em pastagens, ocupa espaço dos gramados nativos, assim como o capim-gordura. As gramíneas locais são mais frágeis e cedem lugar às outras. O mesmo acontece com o capim-cebola, que tomou conta da lagoa da reserva. Quem olha o espelho d'água vê um cobertor verde que
se estende até a margem oposta. Em meio ao matagal, uma bola branca de isopor usada para pesca, atividade ilegal na região.
Atividades potencialmente prejudiciais no entorno da estação serão controladas pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram), responsável pelo local. O plano de manejo prevê a criação da zona de amortecimento, uma área delimitada ao redor da reserva, onde qualquer projeto de empreendimento que possa causar impacto precisará da aprovação do instituto antes de ter início. São consideradas de risco atividades como postos de gasolina, indústrias, mineração, parcelamento de solo, mudanças no fluxo de veículos nas estradas próximas etc.
"Se você não prevê corredores ecológicos ou práticas amigáveis nas áreas limítrofes, essa unidade não tem muitas chances de sobrevivência a longo prazo. A diversidade começa a se perder", disse Valéria. Os limites e as regras de ocupação dessa zona ainda estão em fase de elaboração. Além de monitorar atividades futuras, o plano de manejo deve sugerir maneiras de preservar pedaços de cerrado ao redor da estação. Eles servirão de escape para os animais que costumam sair do terreno conservado para caçar ou se reproduzir, por exemplo.
O Ibram dedicará três meses ao estudo do plano de manejo. Em seguida, começa o levantamento de propostas para o zoneamento da estação e o que deve ser permitido fazer por lá - inicialmente, serão seis zonas destinadas a pesquisa, educação e outras atividades. "Vamos conciliar as atividades do entorno com a proteção do meio ambiente", explicou a assessora da presidência do Ibram Luizalice Labarrère.

As principais ameaças

Parcelamentos urbanos
Planaltina cresceu e hoje concentra parte da população nas proximidades da reserva. Algumas casas são construídas a poucos metros de um córrego que serve de passagem para animais da reserva.
Desmatamento
A retirada da vegetação nativa para agricultura, pecuária ou criação de ruas e calçadas muda a absorção de água pelo solo. O chão fica impermeável, ou seja, não permite que a água entre. Isso reduz o volume dos lençóis freáticos, que são abastecidos pela água da chuva. As chances de erosão aumentam.
Caça e pesca
É proibido retirar qualquer animal da estação, seja para comer, criar em gaiolas ou vender. Caça irregular dá prisão em flagrante e o acusado por pegar entre 6 meses e 1 ano de prisão.
Agricultura
Existem fazendas de cultivo de grãos ao sul, leste e oeste da estação. Defensivos agrícolas usados nas plantações escorrem por solo e água e podem contaminar a área.


Lobo-guará em perigo

O isolamento de Águas Emendadas ameaça um dos principais símbolos da fauna do cerrado, o lobo-guará.
Os bichos foram enclausurados por plantações e loteamentos de terra, que reduziram a mata nativa nos arredores da estação. O biólogo Flávio Henrique Guimarães estudou a população de lobos do local entre 1996 e 2002 e verificou que, na época, cinco casais viviam na reserva. Ele monitorou os passos de sete indivíduos e observou que seis deles costumavam caminhar fora da área preservada. Eles saem em busca de alimentos ou parceiros, mas muitas vezes se deparam com asfalto, motoristas em alta velocidade, plantações e terrenos pavimentados.
Durante a pesquisa de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Guimarães observou que alguns lobos chegavam a ocupar até 100 quilômetros quadrados - é a chamada área de vida, espaço usado por cada bicho para caçar, descansar, cuidar das crias. Os lobos-guarás são animais solitários e defendem o terreno que ocupam. Quando os filhotes crescem, precisam deixar os pais e encontrar seu próprio território. No entanto, não há espaço para uma grande quantidade de bichos na reserva. "Assim, os filhotes não conseguem se estabelecer porque está tudo ocupado", explicou. O isolamento também pode acabar com a população de lobos na reserva por problemas genéticos devido ao cruzamento de indivíduos da mesma família.
Um rato de pêlo marrom e rabo curto é uma das preciosidades da estação. O kunsia não é visto em nenhuma outra parte do mundo há 30 anos, mas pode ser encontrado em meio às árvores retorcidas presentes na reserva. Ele passa parte do dia debaixo da terra e quase nunca aparece para os pesquisadores. O kunsia corre risco de extinção, por isso a importância de manter seu habitat natural, o cerrado. Lobos e ratos dividem espaço com macacos-pregos, capivara, marrecos, jacarés, tamanduás-bandeiras, veados, onças e outros bichos. (ET)

CB, 19/10/2008, Cidades, 38
UC:Estação Ecológica

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Águas Emendadas
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.