O Globo, Opinião, p. 7 - 20/12/2008
Marcha para o Oeste
Zuenir Ventura
Sentado num restaurante de Porto Velho, eu ouvia meus companheiros de mesa e observava pelo vidro o grande agito da cidade à meia-noite de uma terça-feira, bem maior do que o de Rio Branco, de onde estava vindo. Aproveitei para perguntar se havia rivalidade entre Acre e Rondônia.
Se há!? Um deles, que parecia não gostar da terra de Chico Mendes, e nem do próprio, foi logo afirmando que ela é produto do marketing. "O Acre desmata tanto ou mais que Rondônia, mas nós é que somos os vilões da história." Achei que ele confundia propaganda com carisma, mas não sou neutro nessa disputa. Aleguei então que um estado com mais de um século de história e com personagens extraordinários como Galvez, Plácido de Castro e o próprio Chico tinha que levar vantagem sobre outro com menos de 30 anos de existência e pouca identidade cultural.
A partir daí houve uma animada discussão. Juntando esse papo com os dos dias anteriores em Rio Branco, o resultado foi uma relativa queda no meu quociente de ignorância amazônica. Não digo que voltei um sabichão em preservação ambiental, expansão da fronteira agrícola, manejo florestal etc., mas aprendi um pouco, por exemplo, sobre carne, uma questão que eu conhecia apenas pelo estômago, não pela cabeça. Assim, além de desconfiar que se come nos dois estados os mais suculentos bifes do planeta, fiquei sabendo que o rebanho bovino de Rondônia é de cerca de 11 milhões de cabeças (para 1.538 mil habitantes) e o do Acre, de quase 3 milhões (para 547 mil habitantes). Quanto ao desmatamento, há muita controvérsia, pois virou tema ideológico. Rondônia teria 27% de sua área desmatada, e o Acre, apenas 10%. Em compensação, a reserva extrativista Chico Mendes, criada há 18 anos, estaria ameaçada. Segundo o Ibama, a área de pasto que não poderia ultrapassar 27 mil hectares já estaria em 45 mil.
Também li no blog de Altino Machado, o de maior prestígio no Acre, a entrevista em que a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri afirma:
"O extrativismo florestal está falido."
Isso é um resumo de um debate maior: conservação ou progresso? Ou como conciliar essas duas concepções de desenvolvimento? Trouxe tantas informações que ainda volto ao assunto. Por ora, ficou-me a impressão de que haverá em breve uma espécie de marcha para o Oeste, despertando a um tempo esperança (de integração continental) e apreensão. Com o término da Rodovia do Pacífico, que em 2010 aproximará o Brasil da Ásia, já se pode calcular a avidez com que os imensos e gulosos mercados de China, Japão e Tigres Asiáticos avançarão sobre a soja, a madeira, a carne, os produtos medicinais, fitoterápicos, fármacos - em suma, sobre a rica biodiversidade da região. Diante dessa pressão de consumo, vai ser preciso muita resistência para manter a floresta de pé.
O Globo, 20/12/2008, Opinião, p. 7
UC:Reserva Extrativista
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