Faltam engenheiros e técnicos para fazer o manejo da floresta

Valor Econômico - www.valoronline.com.br - 04/02/2009
O plano do governo federal de realizar concessões públicas de terras na
Amazônia, como forma de segurar o desmatamento da floresta, mal nasceu e
já corre o risco de se transformar em mais um projeto oficial fadado ao
fracasso. Para alguns especialistas, é isso o que vai acontecer se não
houver investimentos urgentes - e maciços - em treinamento profissional.

Um gargalo estimado em milhares de "conhecedores" da Amazônia se espera
para os próximos anos. A escassez se concentrará em dois grupos: o de
engenheiros e o de técnicos capacitados para o chamado manejo florestal,
uma ferramenta complexa e detalhada para a exploração da madeira sem
prejuízo à mata.

É neste manejo que o governo, na figura do Serviço Florestal Brasileiro
(SFB), deposita suas esperanças para salvar a maior floresta tropical
remanescente no planeta. Em pauta não está mais o isolamento sagrado da
mata, mas a sua exploração sustentável, que derruba árvores selecionadas
para manter o resto de pé.

Nesse novo cenário de desenvolvimento aliado à preservação, esses dois
grupos de profissionais são peças-chave. O engenheiro é o cérebro por
trás do manejo. É ele quem analisa o inventário da floresta, divide a
propriedade em unidades de produção, define o ciclo de cortes e as
chamadas árvores matrizes, que devem ser mantidas para gerar sementes e
propagar espécies. O técnico, por sua vez, é o mestre-de-obra. Coordena
isso tudo.

O problema, no entanto, está justamente aí. Esses dois especialistas
estão em falta no mercado. Não há escolas em número suficiente para
atender à demanda continental da Amazônia, e as que existem limitam-se à
teoria da sala de aula. O funil, como sempre, está na vivência prática.

"As poucas escolas na Amazônia não fazem capacitação em campo", afirma
Adalberto Veríssimo, da ONG ambiental Imazon, em Belém, uma das mais
respeitas na região. "Os alunos de engenharia florestal e de escolas
técnicas agrícolas aprendem só em sala o conceito de manejo. Raramente
vão para a mata colocá-lo em prática", diz o pesquisador.

Há hoje no Brasil 17 escolas profissionalizantes para técnico florestal.
Dessas, apenas cinco estão na região amazônica - duas no Pará (Marituba
e Castanhal), uma no Acre (Rio Branco), uma no Amazonas (Manaus) e uma
no Mato Grosso (Cáceres). Segundo os dados disponíveis mais recentes, em
2006 essas escolas formaram 245 profissionais florestais, sendo 58 na
Amazônia.

Além dos cursos técnicos, há ainda 11 faculdades com curso de engenharia
florestal atuando na Amazônia, sendo a mais antiga da Universidade
Federal do Pará. Juntas, não formam 400 pessoas. "E isso para um área de
5 milhões de m²", admite Luiz Carlos Joels, diretor do Serviço Florestal
Brasileiro, o braço do governo responsável pela gestão das florestas
públicas nacionais.

O quadro é preocupante porque bate de frente com as metas de Brasília
para preservação da Amazônia. As primeiras licitações de florestas
públicas tiveram início no ano passado, quando foram ofertados 97 mil
hectares divididos em três lotes na Floresta Nacional do Jamari, em
Rondônia. Pelos critérios atuais, pessoas físicas e jurídicas podem
disputar glebas para a exploração sustentável, seguindo rígidos
princípios sociais e ambientais.

Até a próxima semana, o Serviço Florestal Brasileiro divulgará a próxima
licitação pública, que abrangerá a área de Saraca-Taquera, na calha
norte do Pará. Por determinação do Ministro do Meio Ambiente, Carlos
Minc, o órgão deverá elevar a área de concessão na Amazônia para quatro
milhões de hectares até 2010. Outros 13 milhões de hectares são
passíveis de concessão nos próximos dez anos.

"Mantidas as metas de implementação de concessões nos próximos dez anos,
seriam necessários pelo menos 10 mil profissionais treinados para que o
manejo fosse implantado e fiscalizado de forma consistente", diz o
holandês Johan Zweede, diretor-fundador do lendário Instituto Florestal
Tropical (IFT). "No longo prazo, a demanda poderia chegar a 100 mil
profissionais, considerando um cenário em que as concessões sejam
planejadas para suprir a demanda por madeira em tora na região, estimada
em 25 milhões de metros cúbicos. Infelizmente, existe na Amazônia só uma
fração deste número de profissionais treinados".

Zweede é pioneiro no ensino de técnicas para a exploração de impacto
reduzido na região. Mas não só por isso ele fala com propriedade. Por
incrível que possa parecer, o IFT é atualmente a única escola de
capacitação em manejo em toda a Amazônia.

Cravado no quinhão de selva na região de Paragominas, no leste do Pará,
o acampamento da escola é também o mais perfeito termômetro do desafio
do governo pela frente: aqui são formados apenas 350 alunos por ano.

"O IFT é o único que dá o curso de manejo em campo. Mas ele não é capaz
de treinar milhares de pessoas. Não será fácil replicar isso", diz
Veríssimo, do Imazon.

Grande parte dos alunos são engenheiros e técnicos da própria região. Em
comum, eles carregam no currículo larga experiência em exploração
predatória, a prática de derrubar o que estiver pela frente iniciada com
a decisão do governo militar de integrar a Amazônia ao resto do país.
"Há alguns que, como eu, migraram para o norte para trabalhar, mas acho
que a maioria preferiu o governo ou ONGs", diz Marco Lentini, engenheiro
florestal formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da
Universidade de São Paulo (Esalq/USP), em Piracicaba, que há uma década
vive no Pará.

Lentini é o braço direito de Zweede no IFT e diz sentir na pele a
dificuldade em encontrar profissionais experientes. "Se eu quiser
contratar dez engenheiros para fazer o manejo florestal na Amazônia, não
tem", resume.

Segundo ele, trata-se de uma especialização com enorme potencial de
crescimento. Em cálculos rápidos, ele explica o porquê. A exploração
manejada de 5 mil metros cúbicos de madeira em tora por mês emprega 26
pessoas e utiliza 2,5 máquinas. Na exploração convencional para igual
volume de madeira são precisos 11 pessoas e 4 máquinas. "Não há
engenheiro ou técnico, e na prática só existe um chefe de exploração que
geralmente funciona como motorista", diz Lentini.

O governo admite o problema. "Em 2009 a capacitação será prioridade do
Cenaflor", diz, de forma vaga, Natalino Silva, diretor do Serviço
Florestal, referindo-se ao centro de capacitação profissional ligado ao
Ibama.

Correr atrás não será fácil, como o governo sabe. Para especialistas,
sem incentivo público e investimento, a demanda potencial do manejo
esmagará a oferta. O próprio IFT depende de contribuições internacionais
- Caterpillar, Moore Foundation e USDA - para se manter em pé.

Mas nem tudo pode estar perdido. Para Veríssimo, do Imazon, a escassez
de qualificação na Amazônia é grave, mas contornável. "Há carência de
profissionais porque ainda há pouco manejo no Brasil", diz. "No momento
em que começar a ter volume, o mercado acompanhará".

Somente 4% da madeira comercializada no país vem de florestas manejadas.
Os ambientalistas torcem para que esse quadro mude o mais rápido possível.
UC:Floresta

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