O Globo, Rio, p. 14 - 04/04/2009
O sargento de milícia
Policial militar citado em relatório de CPI é indiciado por crime ambiental
Sérgio Ramalho
Apontado no relatório da CPI das Milícias como chefe de um grupo paramilitar, o sargento PM Luiz Monteiro da Silva, o Doem, de 50 anos, foi indiciado em inquérito da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) por crime ambiental, desmatamento e parcelamento irregular do solo urbano. O policial é acusado de desmatar a encosta da Serra do Valqueire, que integra a Área de Proteção Ambiental (APA) do Maciço da Pedra Branca, em Vila Valqueire, para construir um empreendimento imobiliário na parte baixa, e lotear o topo do morro, ampliando a Favela da Chacrinha.
A investigação da DPMA foi iniciada com base no ofício 1.623/08 da extinta Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), hoje Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que constatou a devastação provocada pelo empreendimento ilegal do PM no trecho de mata que cobria a encosta, com prejuízo também à fauna local, como atesta o documento. Há ainda o risco de avanço para a área do Parque Estadual da Pedra Branca. Além do loteamento, o grupo chefiado pelo policial criou acessos à Favela da Chacrinha pelas ruas Tejo e Urucuia.
O sargento Doem foi candidato a vereador nas últimas eleições pelo PTC, e recebeu 4.047 votos. Há indícios de que parte do dinheiro angariado com a venda de alguns dos lotes no morro foi empregada na campanha eleitoral do policial, que não prestou contas dos gastos ao Tribunal Regional Eleitoral, como mostra a página do TRE na internet.
A participação do sargento PM na milícia que atua em Vila Valqueire é destacada no inquérito da DPMA, que ainda cita o envolvimento do grupo na exploração de serviço clandestino de TV a cabo, cobrança de taxas de segurança e até assassinatos na região. Num dos casos, Doem foi indiciado em inquérito da 32ª DP (Taquara) por suposta participação em um duplo homicídio.
Sargento pode ser expulso da PM
O comando da Polícia Militar informou por intermédio do setor de relações públicas que o sargento Luiz Monteiro, o Doem, está sendo submetido a conselho de disciplina que vai decidir sobre sua permanência ou não nos quadros da corporação. Em nota, a PM afirmou que não permitirá desvios de conduta. Enquanto aguarda o resultado do procedimento administrativo na Corregedoria, o sargento ficará afastado do serviço de policiamento nas ruas, limitando-se apenas à realização de trabalho interno na unidade onde está lotado. A PM, contudo, não informou em qual batalhão o policial atua.
Alheios à investigação da DPMA, os paramilitares supostamente chefiados pelo sargento Doem continuam negociando lotes na parte alta da encosta devastada.
Os valores variam de R$ 3 mil a R$ 7 mil, dependendo do tamanho do lote e da localização. Moradores da região disseram que os milicianos também exigem que o material de construção seja comprado em um estabelecimento que pertence a um dos integrantes do grupo.
Por temer retaliação dos milicianos, moradores dos arredores do Morro da Chacrinha pediram anonimato para falar sobre o loteamento, que estaria desvalorizando os imóveis na região: - Já fizemos várias denúncias, mas os milicianos continuam desmatando o morro para vender lotes.
Eles chegaram ao cúmulo de abrir acessos do morro às ruas próximas, onde também estão fazendo um conjunto residencial - disse um dos moradores da Rua Urucuia.
Milícia taxa `gato' de água e luz
De acordo com os moradores, os milicianos também fizeram ligações clandestinas de água e luz nas ruas Urucuia e Tejo para abastecer o morro, onde os moradores pagariam taxas pelo fornecimento irregular. A ocupação ilegal, segundo moradores, já teria inclusive uma associação, liderada por integrantes da milícia. O GLOBO não conseguiu localizar o sargento Doem e nenhum outro representante da comunidade.
Colaborou Túlio Brandão
Série mostrou o envolvimento de servidores
O envolvimento de servidores públicos, que deveriam atuar na manutenção da lei, em invasões e loteamentos clandestinos foi revelado ano passado pelo GLOBO na série de reportagens Favela S/A. Um dos casos citados foi o do servidor Dorceli dos Santos Pereira, então lotado na Inspetoria da Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da Barra da Tijuca, que organizou a invasão na Vila Taboinhas, em Vargem Grande.
Dorceli, que dividiu a empreitada com o segurança Narciso Evangelista de Oliveira, adotou uma prática comum no asfalto: a cobrança de "luvas" dos invasores - um valor extra pela valorização do ponto, exigido da pessoa que aluga um imóvel, em geral comercial. O funcionário da prefeitura assumiu a presidência da associação comunitária, em fevereiro do ano passado, após o assassinato do segurança Narciso.
A Vila Taboinhas começou a surgir em fevereiro. Menos de cinco meses depois, segundo a associação de moradores, a favela já tinha 230 barracos; em outubro passado, o número chegava a 400, quase todos de madeira.
Apesar de não contar com serviços regularizados, como abastecimento de água e luz, os lotes da favela valorizaram. À época, um dos envolvidos na organização da invasão disse que os barracos estavam sendo revendidos por valores entre R$ 2 mil e R$ 3 mil.
Além do fiscal da prefeitura, a invasão da Vila Taboinhas contou com apoio do advogado Marcelo Penna, que representava os moradores numa ação movida pelos proprietários da área. Conforme a reportagem mostrou à época, Penna era funcionário do gabinete do deputado estadual Domingos Brazão (PMDB), onde ocupava um cargo comissionado (CCDAL-9).
O Globo, 04/04/2009, Rio, p. 14
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