Pelo direito do livre caminhar

O ECO - www.oeco.com.br - 13/10/2009
- Esse é um chapéu-de-couro, esse é um pau-santo...
- Sim. E essa é uma orelha-de-ovelha, essa é uma lixeira, esse é um pé de mangaba, esse de cajuzinho-do-Cerrado e esse de jatobá. Conheço um pouco do Cerrado, depois de anos caminhando por aí.
- E essa pedra, parece com o quê?
- Sei lá. Um cachorro, um cavalo, uma baleia. Já vi várias com vários formatos. A gente pode seguir na trilha? Eu entrei no parque para caminhar, tentar ficar em silêncio. Se quiser saber de alguma coisa, pergunto, ok?

Essa é a rotina de muita gente que visita o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e se vê obrigado a contratar guias para percorrer trilhas óbvias e bem marcadas pelo passo de milhares de turistas que percorrem o local todo ano. Mesmo sem sinalização (muitas vezes depredada para forçar a contratação de condutores), o caminho é óbvio para quem tem experiência mínima em ambientes naturais.

Além disso, em tempos modernos, várias páginas na Internet oferecem os tracklogs para trilhar dentro e fora do parque. Logo, um aparelho de GPS e um guia de fauna e flora do Cerrado tornam obsoleta a maioria dos guias.

Normalmente os condutores locais de visitantes cobram 60 reais para pequenos grupos. Em feriados, 10 reais por pessoa. Assim, tentam apinhar grupos com duas dezenas ou mais de turistas, elevando o risco de acidentes nos trechos mais complicados das trilhas, aumentando o impacto e a algazarra. Na Vila de São Jorge, onde está o ainda único acesso aquele parque nacional, há cerca de 200 guias. Por volta de cinqüenta realmente atuam. Nos dias mais movimentados, há escassez de condutores, pois nem todos trabalham diariamente ou estão à disposição do público nos horários de pico.

No último fim de semana, servidores na portaria do parque assistiam impassíveis à confusão de guias e turistas na formação de grupos heterogêneos, com gente com e sem experiência, alguns sem água, sem chapéu, sem comida. Parecia uma bolsa de valores com gritarias de quem dá mais e quem dá menos. Uma zona.

Enquanto pagar por condutores é uma obrigação, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros está desde maio com entrada grátis. Isso mesmo. Uma das áreas naturais mais bonitas do país e fundamental para preservação do Cerrado amarga enorme prejuízo porque a burocracia de Brasília não encaminhou uma licitação que permitiria contratar uma empresa de bilhetagem. Vergonha.

No último fim de semana, raios incendiaram parte da unidade de conservação. Chegaram a nove os focos simultâneos de fogo. O combate foi feito com pouca gente e poucos equipamentos, mais com a ajuda de São Pedro, que despejou chuvas por lá.

Logo, os guias de hoje fariam papel mais bonito como opção para certo tipo de público e atuando como guarda-parques, ajudando em brigadas de incêndio e manutenção do parque do que peças obrigatórias para visitação. Resolver esse impasse depende da anulação da burocracia e dos carreiristas que reinam na sede do Instituto Chico Mendes e da implementação urgente do novo plano de manejo daquela área protegida.

Turismo qualificado e constante durante o ano todo vai gerar mais empregos, aquecer a economia da Chapada dos Veadeiros, contribuir de forma verdadeira para a manutenção do parque e do Cerrado e evitar planos altamente impactantes de desenvolvimento que rondam a região.

Tive a sorte de caminhar por trilhas em parques nacionais na Argentina, Chile, Peru, Espanha e outros países. Em nenhum desses locais há obrigatoriedade para contratação de guias. Eles são uma opção para visitantes sem experiência ou com algum tipo de necessidade específica, para transporte de algum equipamento ou visita a locais com risco elevado. Quem quer se aventurar por sua conta e risco, assina um termo de compromisso e tem o prazer de uma boa caminhada sem ser importunando por alguém vocalizando informações encontradas em livros ou revistas.

Não me parece tão difícil implementar algo assim em solo nacional.
UC:Parque

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