Questões jurídicas adiaram retiradas

OESP, Metrópole, p. C3 - 26/02/2010
Questões jurídicas adiaram retiradas
Governo acredita que só poderá concluir o processo em 2012; no 2. semestre, meta é atingir o litoral norte

Ana Bizzotto

De hoje até o dia 5, o governo do Estado pretende retirar 160 famílias que vivem em áreas de risco da Serra do Mar. É o começo do processo de extinção dos bairros-cota de Cubatão. A meta é remover 5.100 famílias das encostas da Baixada Santista nos próximos meses. Outras 2.400 serão mantidas porque habitam trechos que não integram a área efetiva do parque e por isso poderão ser reurbanizados.

No segundo semestre, o governo vai começar a negociar a retirada de moradores de áreas de risco de outras 22 cidades, de forma a garantir a preservação da maior mancha restante de mata atlântica no litoral paulista. O programa vai demandar R$ 1 bilhão, com recursos do Estado, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Conforme levantamento de 2007 do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que determinou o "congelamento" populacional e delimitou os lotes, 7.500 famílias precisariam ser removidas de encostas somente em Cubatão, numa região que há 13 anos foi declarada Área de Preservação Ambiental (APA). A ocupação dessa área data de 1939, quando os operários que ajudaram na construção da Via Anchieta passaram a residir em suas margens.

"O IPT avaliou as condições geológicas e geotécnicas para escorregamentos de terra, indicando os trechos mais críticos, onde era obrigatória a remoção de pessoas e apontou os setores de médio e baixo risco que serão recuperados com projetos de reurbanização", destacou o diretor-presidente do IPT, João Fernandes de Oliveira. "Os estudos também definiram como fazer as recomposições vegetais (o replantio) das áreas de remoção."

Hoje, cerca de 80% dos moradores estão em áreas consideradas pela Defesa Civil de risco 3 ou 4 (sujeitas a deslizamentos de terra). Nas últimas duas décadas, pelo menos dez pessoas morreram soterradas na Serra do Mar. O Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar foi anunciado em junho de 2007. Nos primeiros dois anos, porém, ninguém foi removido.

O primeiro atraso nas remoções, segundo o governo, ocorreu após a Justiça suspender por sete meses, entre dezembro de 2008 e junho de 2009, as licitações para a construção de 1.800 moradias no Jardim Casqueiro, em Cubatão. "Enfrentamos uma briga jurídica entre as empreiteiras que participaram da licitação", diz o coronel Elizeu Éclair Teixeira Borges, coordenador do programa e assessor especial do governador José Serra (PSDB).

Atualmente, o processo de remoção ? iniciado em janeiro com a retirada de 50 famílias das margens da Via Anchieta ? está pelo menos seis meses atrasado. As 3.600 unidades em construção em Cubatão deveriam ter ficado prontas em janeiro, mas a obra só será concluída em junho. "Provavelmente até julho de 2011 o reassentamento das famílias será concluído", garante Borges.

Quatro escolas serão construídas nos novos bairros que serão formados em Cubatão a partir da mudança das famílias. Serão erguidas também escolas, uma Unidade Básica de Saúde e uma nova unidade de pronto-atendimento. O Pronto-Socorro do município será reformado e ampliado. Linhas de ônibus serão criadas ou alteradas para atender aos bairros e um viaduto precisará ser construído para ligar o centro de Cubatão ao Jardim Casqueiro, bairro que receberá o maior número de famílias. Uma base comunitária móvel já foi instalada nas imediações.

Nos quatro bairros-cota e em três favelas da serra já quase próximas do mangue, entre o km 48 e o km 28 da Anchieta, moram 30 mil pessoas. Desse total, 2.400 famílias vão ficar em áreas que serão urbanizadas nas Cotas 200 e 95/100. "São terrenos que foram "desafetados" no governo Fleury, em 1994, e não fazem mais parte do mapa do parque", afirma o coronel. Já a urbanização das áreas com casas e a recuperação ambiental, que inclui o reflorestamento de toda a área de remoção, serão concluídas em 2012.

NOVAS OCUPAÇÕES

O secretário estadual de Habitação, Lair Krähenbühl, garante que o processo de remoções será "definitivo", ou seja, não haverá novas ocupações nas encostas. "É diferente de uma favela na beira de uma avenida, em que não há controle de moradores. Nas encostas da Serra do Mar, os acessos podem ser controlados", diz. Segundo o coronel Borges, o projeto também prevê a compra de equipamentos como helicópteros e barcos, e a capacitação dos 650 homens do 3 Batalhão de Polícia Ambiental, responsável pela área.

Borges adiantou ainda que, no segundo semestre, o programa começará a ser ampliado para o litoral norte. "Vamos negociar a retirada de 1.400 famílias que vivem em áreas de risco da Serra do Mar em outras 22 cidades do litoral paulista."


Morador troca vaga em CDHU para ficar em área de risco
Prédios da Praia Grande devem receber 160 famílias nos próximos dias

Criado no Pinhal do Miranda, um dos bairros nas encostas da Serra do Mar, o operador de máquinas desempregado Joselito Ribeiro, de 41 anos, não quer sair. Morador de um barraco em área de risco, ele seria um dos primeiros a partir, mas trocou de lugar com uma vizinha do Água Fria, que será desocupado até 2011.

"Se precisar fazer mais trocas (com vizinhos), eu faço. Esses apartamentos na praia são para quem já se aposentou. Aqui tenho mais chance de arrumar emprego, sempre consigo uns bicos", justificou Joselito, que também não gostaria de ir para os prédios em construção em Cubatão. "Todo mundo me conhece aqui."

Irmã de Joselito, a aposentada Iraci Ribeiro, de 60 anos, não vê a hora de deixar seu barraco sem janelas. Nos três barracos onde ela já morou antes, sempre enfrentou o mesmo problema. "Às vezes, quando não está chovendo, durmo do lado de fora por causa do calor. Não vejo a hora de ir para um lugar mais arejado. Já estou com a mudança pronta", animou-se Iraci, que se muda na próxima terça-feira para o CDHU de Praia Grande. Ela integra uma das 160 famílias que optaram pelo local. Iraci ainda lembra dos primeiros anos no bairro. "A gente lavava roupa no rio, igual no Nordeste. Hoje tem muito mais casas e nosso esgoto vai para o rio."

Além das unidades da Praia Grande, 600 serão ocupadas em São Vicente e Santos. E serão oferecidas 200 unidades na região do ABCD. Outras cidades também têm imóveis vagos em conjuntos já habitados que serão disponibilizados para as transferências.

Mas a desempregada Jacqueline Leal teme pelo futuro. Com o marido preso e vivendo só com um filho de 2 anos, ela não conseguiu se inscrever na CDHU. Anteontem, seu barraco ficou alagado e uma cobra quase picou a criança.

Na porta, o esgoto corre ao ar livre e ela teme que o barraco ao lado desabe sobre o seu. "Não tenho renda fixa. A CDHU disse para eu tentar fazer troca (de barraco) ou ir para a casa de parentes. Só tenho família em áreas de risco ou com a casa lotada." A.B.


Haverá a demolição imediata dos barracos
Lair Krähenbühl: secretário de Estado da Habitação. Secretário diz que projeto vai evitar problemas como os que ocorreram em Angra e Florianópolis; ninguém será indenizado

O Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar prevê R$ 1 bilhão em recursos. Desse total, R$ 700 milhões serão destinados à Habitação. O titular estadual da pasta, Lair Krähenbül, falou sobre as remoções:

Em que consiste o Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar?

As famílias têm de sair porque é uma área de proteção ambiental e há um risco geotécnico muito grande. O projeto vai evitar problemas como os que aconteceram em Angra dos Reis. Esse projeto foi iniciado há anos. Há um acordo com o Ministério Público, e o governo já tinha sido condenado a fazer essas ações de remoção, mas nunca fez. Agora demos início ao programa.

Mas por que a demora para iniciar a transferência das famílias?

Se você considerar o tamanho do programa, fizemos em tempo recorde. Houve um atraso por causa das licitações, mas isso não trouxe prejuízos. O tempo perdido já foi recuperado. Vamos concluir o programa na região até 2012.

Qual é o papel da Secretaria da Habitação no programa?

Vamos garantir que todas as famílias tenham moradia em conjuntos habitacionais. Quem ficar estará legalizado. Vamos urbanizar as áreas remanescentes para que se tornem um bairro de verdade. Nesses terrenos, algumas famílias também terão de sair para garantirmos a faixa de proteção de 15 metros nas margens de córregos. Às margens da Via Anchieta, a faixa será de 50 metros. Depois de limpos, os terrenos desocupados serão reflorestados.

Como o governo vai evitar novas invasões na área?

A garantia de sustentabilidade do programa se dá com a demolição imediata dos barracos desocupados. Também vamos construir usinas de trituração do entulho removido.

As famílias serão indenizadas?

Nenhuma família será indenizada porque são áreas ocupadas irregularmente há anos. Não há amparo legal para dar indenização.

Qual será o destino das famílias que não têm condições de pagar as prestações da CDHU?

Elas podem pagar R$ 40 por mês durante o tempo que não puderem pagar prestações.

OESP, 26/02/2010, Metrópole, p. C3
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