O guaraná é talvez o mais popular produto amazônico. Mas só adquiriu esse status depois que o açaí ganhou escala como energético para a vida saudável nas grandes capitais e o cupuaçu passou a integrar a receita de chocolates finos e de cremes para a pele. E que a priprioca passou a fornecer essência para perfumes enquanto a copaíba expandiu-se como bálsamo para cosméticos e remédios. Novidade recente é o azeite extra-virgem que não provém das oliveiras, como reza a tradição europeia, mas das castanheiras da floresta. Lançado em lojas e supermercados de São Paulo, o produto é carro-chefe da Ouro Verde Amazônia, empresa que aposta na biodiversidade como inovação para negócios no setor de alimentos. "Só manteremos a floresta em pé se agregarmos valor tangível à cadeia produtiva desses ativos naturais", avalia o diretor executivo Luis Fernando Laranja, estimando faturar neste ano R$ 7 milhões com derivados especiais de castanha-do-Brasil.
"A meta é dobrar o resultado nos próximos cinco anos com novos produtos a partir do açaí, cacau, cupuaçu e baunilha da floresta", anuncia o executivo. Criada há oito anos dentro de uma incubadora de empresas, a Ouro Verde atraiu investidores de capital de risco e, no final de 2008, firmou sociedade com o Grupo Orsa diante do potencial para negócios sustentáveis. Com certificação orgânica, a empresa mantém unidades industriais em Alta Floresta (MT) e Almeirim (PA). Compra por ano 1,5 mil toneladas de castanha junto a 150 famílias extrativistas.
"Fechamos a aquisição de toda a produção dos caiapós, no Mato Grosso, com total de 120 toneladas de castanha", informa Laranja. Para garantir o fornecimento e a qualidade, a empresa paga 50% mais que o mercado local. "Estamos abertos a negociar outro adicional por conta da imagem das comunidades associada aos produtos", admite o executivo, lembrando que o varejo é canal estratégico: "Para somarmos valor à biodiversidade, alguém precisar estar disposto a pagar".
O debate sobre o abismo entre o que a natureza pode oferecer dentro de padrões sustentáveis e o que efetivamente é explorado ganhou força em 2010, declarado Ano Internacional da Biodiversidade pela Organização das Nações Unidas. A Amazônia detém um terço do estoque genético do planeta - riqueza difícil de ser mensurada, pois há espécies que sequer foram descobertas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplica (Ipea) estima o potencial do patrimônio genético brasileiro em US$ 2 trilhões, muito superior ao aproveitado.
O PIB da Amazônia é de R$ 240 bilhões, com déficit na balança comercial. Dentro desse valor, a economia florestal propriamente dita soma pouco mais de R$ 10 bilhões ao ano, a maior parte proveniente de florestas plantadas para diversos fins industriais. Nas áreas nativas, de acordo com dados do IBGE, a produção de madeira é a mais significativa. Representou R$ 3,6 bilhões em 2008, enquanto os produtos não-madeireiros, como castanha, resinas, frutos, sementes, fibras e essências, movimentaram R$ 640 milhões.
O açaí é o destaque, com 21% da produção extrativista. No Pará, quase metade da polpa é exportada. "Os preços dispararam: em três anos, a lata de 14 quilos de açaí passou de R$ 38 para R$ 63", informa o pesquisador Paulo Amaral, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia. A copaíba e a andiroba dobraram de valor com a maior procura pelo mercado de fitoterápicos. "Mas o aumento é ainda insuficiente para sustentar a produção e evitar atividades que derrubam a floresta", ressalva Amaral. Comprada hoje a R$ 1 o quilo, a castanha gera renda anual de R$ 30 milhões para toda a população amazônica. Esse valor é trinta vezes inferior ao faturamento com soja de um único município - Sorriso (MT), maior produtor nacional.
A política de preços mínimos do governo federal, ao pagar ao extrativista a diferença em relação ao valor recebido dos intermediários, contribuiu para mudanças. "Os produtos renderiam mais, contudo, com a ampliação da escala pelas empresas e maior grau de refinamento e qualidade", diz Amaral. Há entraves, como a deficiência de gestão das comunidades, a capacidade de fornecimento e a falta de padronização e de estrutura para investir na extração.
O investimento em indústrias locais é ponto-chave. "O gargalo está na infraestrutura logística para escoar a produção, na falta de zoneamento ecológico-econômico e na insegurança fundiária, que interferem na competitividade", afirma Túlio Dias, da Agropalma, em Belém, produtora de insumo para margarinas, sorvetes, achocolatados, panificação e sabão a partir do óleo de palmeiras.
Na Reserva Extrativista Chico Mendes, em Assis Brasil (AC), a borracha é processada para a empresa francesa de calçados Veja Fair Trade, fabricante de "tênis sustentáveis". Com o beneficiamento, o preço do produto nativo aumentou de R$ 3 para R$ 7 o quilo.
"A escala industrial virá com a ousadia de empreendedores, ao compreenderem que a consolidação desse mercado é inevitável, pois o modelo do capitalismo tradicional está no limite", afirma Ulisses Sabará, presidente da Beraca. A empresa exporta para 25 países ingredientes de valor tecnológico, obtidos de extratos e fibras amazônicas. Além do açaí antioxidante para xampus, a linha inclui essências de sementes de andiroba coletadas e beneficiadas por uma cooperativa de mulheres na Ilha de Marajó, em parceria coma Fundação L ' Occitane.
No mesmo caminho, a multinacional inglesa Croda, com fábrica em Campinas (SP), investe para impulsionar exportações a partir de produtos diferenciados, como esfoliantes à base de sementes de maracujá e manteiga de cupuaçu com alta capacidade de hidratação da pele. "Registramos crescimento anual de dois dígitos", informa Ana Tesini, coordenadora de negócios.
Expande-se no mercado internacional a busca por commodities ambientais e o reconhecimento para práticas responsáveis, como o comércio justo. Criada em 2007 na Suíça, a Union for Ethical Biotrade (UEBT) funciona como um clube exclusivo de empresas transnacionais que comprovadamente adotam práticas éticas e ecológicas para acesso aos recursos da biodiversidade ao longo da cadeia produtiva.
As cifras em jogo são altas. Produtos da biotecnologia, como cosméticos, fármacos e cultivares, constituem um mercado global em torno de US$ 500 bilhões a US$ 800 bilhões por ano - cifras semelhantes às da petroquímica. Metade das empresas utiliza conhecimento tradicional.
Mas ainda é baixo o nível de confiança no setor, de acordo com a pesquisa "Biodiversity Barometer 2010", recém-divulgada pela UEBT a partir de entrevistas com cem maiores empresas de cosméticos e beleza do mundo e 5 mil consumidores da França, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e Brasil. Na Europa e EUA, apenas um em cada três clientes acredita na existência de ética na prospecção da biodiversidade. No total, 81% estão dispostos a parar de consumir produtos de companhias que não respeitam princípios justos e equitativos no acesso à matéria-prima natural. Entre os brasileiros, 73% já ouviram falar em biopirataria.
"Por conta desse conhecimento e da expansão do mercado, o Brasil se tornará um importante condutor da ética para o uso da biodiversidade", ressalta Rik Kutsch Lojenga, diretor executivo da UEBT, que em maio realizará a sua assembleia geral em São Paulo. Entre as afiliadas, está a Natura. "Nosso modelo é referência na construção de um marco voluntário internacional para o biocomércio", afirma Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da empresa.
Anuência prévia das comunidades fornecedoras, repartição de benefícios, garantia de compra e modelo de exploração baseado em manejo sustentável, sistemas extrativistas ou agricultura familiar são os principais pontos. "É um processo complexo que envolve múltiplos agentes e gera resultado que retorna para a conservação", explica Vaz.
Em 2010, a Natura planeja dobrar os recursos para comunidades com a produção de novos sabonetes, como os de murumuru - espécie cuja exploração contribuirá para conservar 3 mil árvores em pé. No ano passado, foram destinados R$ 5,5 milhões para fornecedores florestais, dos quais R$ 1 milhão pelo acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional a ele associado. Parte refere-se ao contrato com ervateiros do tradicional mercado Ver o Peso, em Belém, detentores da tradição sobre o banho de cheiro - uma mistura de ervas que inspirou a linha Natura Ekos.
Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru, no Amapá, a cooperativa local aprendeu a gerir finanças. Paga aos coletores de castanha 50% a mais que os atravessadores para garantir o produto e beneficiar o óleo, vendido à empresa Cognis, que o refina e fornece para a Natura. Com certificação internacional do Forest Stewardship Council (FSC), a comunidade planeja faturar neste ano R$ 203 mil. O valor não inclui o percentual recebido a título de compensação pelo acesso ao conhecimento tradicional e uso do nome no rótulo. O dinheiro compõe um fundo comunitário, que já soma R$ 1 milhão, para investimento em projetos locais e bolsas de estudo para os moradores.
http://www.valoronline.com.br/?impresso/relatorios/102/6232595/joias-da-floresta
Desenvolvimento Sustentável
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