A trajetória de um ambientalista

EPTV - http://eptv.globo.com - 29/03/2011
Amarrados com cordões de algodão, os cadernos de capa azul que o ambientalista Paulo Nogueira-Neto guarda no escritório teriam três nobres destinos. Uma cópia ficaria com a família; a outra, com a Universidade de Brasília (UnB); a última, na Universidade de São Paulo (USP). Mas ao decidir por compilá-los em livro, o autor de anotações tão precisas não apenas multiplicou as chances de leitura. Deu, sim, forma a uma obra que o zoólogo Paulo Vanzolini classifica como "um manual da história do movimento conservacionista no Brasil".

Os fatos narrados em texto curtos, cuidadosamente ordenados no livro Uma Trajetória Ambientalista - Diário de Paulo Nogueira-Neto, não se restringem aos bastidores políticos que o advogado e homem de ciências teve a oportunidade de palmilhar de 1974 a 1986, período em que esteve à frente da Secretaria do Meio Ambiente. Esses quase 13 anos atravessam três presidências da República. De Ernesto Geisel a José Sarney, Nogueira-Neto nunca se embateu com a ditadura, tampouco com qualquer partido político. "Os militares não entendiam de meio ambiente e viam a minha atuação técnica, estritamente técnica", lembra. Em sua gestão foram criadas 26 reservas e estações ecológicas e 12 áreas de proteção ambiental na Amazônia. Entre outras realizações, também tratou da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, que passou a vigorar em 1981.


Nas quase 15 mil páginas dos diários escritos desde janeiro de 1974 - convertidas nas 880 páginas do livro -, personagens da história do Brasil desfilam de maneira reveladora. E também curiosa. Confirmado a permanecer à frente da Secretaria do Meio Ambiente, durante a posse do general João Baptista Figueiredo ouviu do novo presidente: "Esse eu já conheço". Um pouco antes, na transmissão do cargo a Mario Andreazza no Ministério do Interior, Maurício Rangel Reis referiu-se a Nogueira- Neto como "o apóstolo do Meio Ambiente".

A publicação tem outros grandes méritos. Um deles é o de relatar o trabalho da Comissão Brundtland. Instituída pela Organização das Nações Unidas, em 1984, contou com o ambientalista no seleto grupo de 23 representantes de vários países que correu o mundo para sugerir soluções e erradicar a miséria a partir do "desenvolvimento sustentável", expressão que, por sinal, nasceu com a comissão. "Meu livro é o único que tem a história da Comissão Brundtland, porque ninguém tomou nota do trabalho. E eu tomei", diz.

No livro e pessoalmente, sentado na varanda de sua casa, em São Paulo, para a entrevista à Terra da Gente, Nogueira-Neto não se limita a narrar histórias. Antes, é um homem de convicções. Para ele, não existe sustentabilidade sem sustento. E, pacientemente, conta a experiência na Reserva Mamirauá, onde atua como conselheiro. Na Amazônia, Mamirauá fica na região de Tefé. Tem aproximadamente 3 milhões e meio de hectares e 300 mil habitantes. Até se tornar uma reserva sustentável, o ganho médio proporcionado a cada família era de aproximadamente R$ 300,00 por mês. Hoje, afirma, a renda dobrou e fez com que a população vizinha, da área de Amanam, com 6 milhões de hectares, aderisse à proposta de sustentabilidade. "E aderiu espontaneamente, porque viu os vizinhos ganhando mais", ressalta.

A vizinhança passou a receber mais a partir de uma medida aparentemente simples. "Proibimos a entrada de barcos de Manaus que comprometiam a pesca e prejudicavam seriamente a população local", conta. "Com essa simples organização da pesca em termos racionais, nós dobramos o rendimento." Na avaliação do conselheiro, se houvesse na Amazônia 100 unidades de conservação tão ativas quanto a Mamirauá, a natureza estaria protegida em suas áreas mais importantes ao custo de meio bilhão de reais por ano. A manutenção das áreas de Mamirauá e Amanam soma R$ 15 milhões por ano. Nada tão dispendioso para um território do tamanho de Portugal.

O Brasil em que Nogueira-Neto viveu pouco antes de assumir a Secretaria do Meio Ambiente empenhava-se na expansão das fronteiras agrícolas. No final da década de 60, entre o Pará e o Amapá, o Projeto Jari provocava a derrubada de árvores em larga escala para produção de celulose. De Cabedelo, na Paraíba, até Lábrea, no Amazonas, a rodovia Transamazônica abria enormes clareiras na floresta. Nessa época, no entanto, o País se fazia representar na Conferência de Estocolmo. Realizado em 1972, o encontro contava com apenas 16 países que possuíam uma entidade governamental central de Meio Ambiente. "Toda a organização da rede de ação ambiental existente na Federação Brasileira começou como resultado da conferência", afirma.
Mas antes de Estocolmo, a história da preservação do meio ambiente no Brasil tem na criação da Associação de Defesa do Meio Ambiente - São Paulo (Adema SP) um episódio importante. A associação fundada pelo ambientalista não é a primeira, mas a mais antiga organização não governamental do País. "Naquele tempo, havia três ou quatro Ongs, que desapareceram", lembra. A missão da Adema de salvar o Pontal do Paranapanema não se cumpriu por inteiro. "Preservamos uma parte do que hoje é o Parque Estadual do Morro do Diabo" . A associação, no entanto, firmou sua importância no cenário brasileiro por representar legalmente, ainda hoje, o presidente da República no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Da fundação da Adema, passando pela Conferência de Estocolmo, até a realização da COP-10 há dois meses, no Japão, a preocupação com as causas ambientais evidencia-se cada vez mais no País. Nesse sentido, Nogueira-Neto cita a ação das Ongs voltadas às questões de preservação e conservação da natureza.

"O diálogo entre as organizações e o governo é absolutamente básico e essencial. Nós temos que procurar colaborar com os governos mesmo discordando deles", enfatiza. O ambientalista observa ainda o resultado da última eleição para afirmar que surge no Brasil uma nova ideologia política. "É a ideologia do meio ambiente e das questões que a ele se relacionam", observa. "Meio ambiente, educação e saúde estão se tornando politicamente tão importantes como antes foram a defesa de classes e a defesa de ações econômicas, como o capitalismo".

Saiba mais:

Uma Trajetória Ambientalista: Diário de Paulo Nogueira-Neto, editado pela Empresa das Artes, tem 880 páginas e custa R$ 100,00. Informações pelo tel. (11) 3797-2200

Tiro no Pé

Nas relações entre agricultura, biodiversidade e conservação da natureza, a expressão "tiro no pé" pode, segundo Paulo Nogueira-Neto, resumir atitudes que podem resultar em um futuro de enormes prejuízos agrícolas se ações para a preservação do meio ambiente não forem colocadas em prática agora. De acordo com o ambientalista, o desaparecimento de 20% de área de floresta amazônica é suficiente para que as regiões de cultivo no Centro-Sul do Brasil sejam penalizadas pela diminuição considerável de chuvas.

Num país de proporções continentais, as peculiaridades de cada região são evidentes. Em viagens regulares pelo Interior de São Paulo, Nogueira-Neto tem observado que o desmatamento vem diminuindo. "Há dois anos não vejo uma grande derrubada", afirma. A floresta que volta em pequenas áreas é formada, no entanto, por árvores homogêneas. De acordo com o ambientalista, haverá a exigência, no futuro próximo, do plantio de espécies diferentes para recompor a biodiversidade que antes existia.
Na gravidade do desmatamento na Amazônia - "trata-se de salvar enormes extensões de terra" -, os danos causados à agricultura pela diminuição das chuvas no Centro-Sul, segundo o ambientalista, afetam não apenas uma parte do Brasil, mas compromete o progresso do País. "Os prejuízos serão enormes", enfatiza.
Um fato que preocupa o ambientalista envolve os seringueiros. Defensores históricos da floresta contra o avanço da pecuária, agora, pela necessidade de sobrevivência, eles vêm se tornando criadores de gado. Para Nogueira-Neto, é necessário, com certa rapidez, mostrar que se ganha mais com preservação. "O estado do Amazonas já começou a fazer estudos no sentido de salvar a floresta subvencionando. Mas a palavra subvencionar no Brasil soa mal." E continua: "A meu ver, é necessário subsidiar, subsidiar mesmo a guarda das florestas e o bom uso dos recursos florestais."

Não mais que uma kombi
A partir da década de 50, surgiram no Brasil alguns pequenos grupos de ambientalistas. Paulo Nogueira-Neto costuma dizer que cada um deles caberia dentro de uma Kombi. Quando muito em um micro-ônibus. No livro, há trabalhos que o autor considera notáveis, como o realizado por Chico Mendes e Marina Silva, no Acre; por José Lutzemberg, no Rio Grande do Sul; pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, entre outros. Há também vitórias -embora parciais - de brasileiros de algumas décadas atrás que se importaram em defender a preservação do meio ambiente.
Entre 1955 e 1956, o governador Jânio Quadros tinha a proposta de tornar as terras devolutas do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, "reserva florestal". Na época, Nogueira-Neto sobrevoou várias vezes a região e constatou que a floresta primitiva estava intacta. Apesar das ações da Associação de Defesa da Fauna e da Flora, que depois se constituiu na Adema SP, a Assembleia Legislativa não aprovou a criação da reserva.
Mais tarde, o então secretário da Agricultura Renato Costa Lima conseguiu salvar da destruição uma grande floresta vizinha ao Pontal, o Morro do Diabo. Segundo Nogueira-Neto, salvação "no grito" contra grileiros e certidões de posse falsas.

O homem de ciências

Em 1944, ainda na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Paulo Nogueira-Neto começou a estudar as abelhas indígenas nativas sem ferrão ao receber do sogro, Manoel Joaquim Ribeiro do Valle, uma colônia de jataís (Tetragonisca angustula). Ainda hoje, ele mantém estações experimentais de meliponíneos em São Simão, Cosmópolis, Campinas, São Paulo, além de Luziânia, em Goiás. Mais tarde, em 1955, quando ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, fez das abelhas indígenas instrumentos no estudo da ecologia.
Professor emérito da USP, Nogueira-Neto fundou o Laboratório das Abelhas na universidade. Mais tarde, ajudou a estruturar o Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências. Para "descansar", depois do longo dia de trabalho na Secretaria do Meio Ambiente, o ambientalista debruçavase sobre a pesquisa que resultou no livro Comportamento Animal e as Raízes do Comportamento Humano. Sobre as abelhas indígenas prepara o quarto livro, Dicionário das Abelhas Indígenas sem Ferrão, fruto de 10 anos de trabalho. "Um dicionário tem de ter de tudo, todos os assuntos. Dá um trabalhão danado, mas é mais completo", diz.


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Produção Cultural:Literatura

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