Geometria da pré-história

O Globo, Revista O Globo, p. 40-42 - 15/10/2006
Geometria da pré-história
Arqueólogos descobrem 104 sítios novos em parque do Piauí

Elaboradas espirais e retângulos cortados por traços são algumas das intrigantes figuras geométricas encontradas em sítios pré-históricos recém descobertos pela arqueóloga Niède Guidon, no Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí. Numa expedição curta, de apenas 16 dias, o grupo de Niède descobriu nada menos que 104 novos sítios repletos de pinturas e gravuras - um achado que revela o quanto a região é rica em testemunhos da pré-história do país.

- As pinturas são absolutamente maravilhosas, lindíssimas, muito diferentes das encontradas na Serra da Capivara. Devem ter sido feitas por um outro povo - aponta Niède. - Com isso, poderemos fazer um trabalho comparativo importante para definir as linhas de povoamento do Nordeste.

O Parque Nacional da Serra das Confusões, criado em 1998, fica a 60 quilômetros do Parque Nacional da Serra da Capivara, considerado patrimônio cultural da Humanidade pela Unesco por seus milhares de sítios dos primórdios do povoamento das Américas.

- A predominância nos novos sítios é de figuras geométricas muito elaboradas, como retângulos com traços dentro e espirais - conta a arqueóloga. - E há muitas gravuras, eles riscavam a rocha, diferente do que ocorre na Capivara, onde predominam as pinturas.

Pinturas foram atacadas por vândalos
A arqueóloga explica que, diferentemente do que se costuma imaginar, o uso de formas geométricas é bem antigo.

- Se você andar pela natureza prestando atenção, as formas geométricas estão lá, todas elas. A Lua é um bom exemplo - diz Niède. - O homem, no início de seu desenvolvimento cultural, usou isso e atribuiu às formas alguns significados. Nós também fazemos isso, os sinais de trânsito são um exemplo. Os antigos tinham também a capacidade de utilizar as formas geométricas e, sem dúvida, atribuíam a elas significados. Mas interpretar isso hoje é difícil, já que a chave se perdeu com eles.

O grupo de Niède acaba de voltar da região, para a qual ainda não há datação estabelecida.

Um representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) segue agora para o local para fazer uma catalogação dos novos sítios. Só então, pesquisadores começarão os trabalhos mais específicos. Com apenas 12 guardas e sem infra-estrutura, o parque sofre com invasões e assentamentos ilegais.

- É uma tristeza ver esse pedaço do Brasil abandonado. Muitas das pinturas achadas têm nomes riscados por cima.

O grupo de Niède fez importantes descobertas recentemente também no Parque Nacional da Serra da Capivara. Conduzindo escavações na Toca do João Leite, a arqueóloga encontrou blocos de, tinta vermelha e amarela, com datações que variam de 3.200 a 10 mil anos.

Os blocos de tinta têm sinais de raspagem e os especialistas acreditam que eram usados pelos antigos povos da região para realizar as pinturas rupestres vistas em vários sítios do parque.

- A tinta era preparada em blocos retangulares de até 15 centímetros de comprimento por 10 centímetros de largura e 4 de espessura, de modo que podiam ser carregados sem problema - conta a arqueóloga. - Vamos agora analisar o material para saber exatamente como eles preparavam o pigmento.

Segundo a arqueóloga, entretanto, é muito difícil realizar qualquer tipo de trabalho no parque em razão das precárias condições de funcionamento, conseqüência da falta de repasse de verbas do governo federal.

- A situação é muito triste. Nos últimos três anos não pudemos fazer trabalho de conservação. A infra-estrutura que temos requer manutenção. Mas não estamos conseguindo fazer nada porque não temos recursos - denuncia Niède. - Recebemos R$ 300 mil do Ministério da Cultura para proteção dos sítios com pintura.

Outro tanto do Ministério da Ciência e Tecnologia para pesquisas. Recebemos ainda uma doação da Petrobras que foi nossa salvação, ou teríamos fechado no ano passado. Mas o que eu tinha pedido ao governo era um orçamento fixo para garantir o pagamento dos funcionários e manutenção do parque, que é um bem da União.

A segurança é outro problema grave, segundo a arqueóloga. Os 230 vigilantes foram reduzidos a 60 nos últimos três anos e das 24 guaritas, apenas quatro funcionam.

- Já tivemos arrombamentos, roubos e invasões - sustenta Niède, lembrando que o parque teria potencial para receber 3 milhões de turistas por ano e, hoje, só visitam a região cerca de 15 mil pessoas anualmente.

Serra dos Fantasmas
O Parque Nacional de Serra da Confusão tem o nome inspirado nas lendas locais. Em suas muitas e profundas cavernas, contam moradores, vozes do além são ouvidas com freqüência. Aparições sobrenaturais são relatos comuns.

- Aqui na região, quando não se pode explicar alguma coisa, chamam de confusão, daí o nome da serra - explica a arqueóloga Niède Guidom, que garante não ter encontrado nenhuma alma penada durante a expedição de 16 dias ao parque, que levou à descoberta de 104 novos sítios arqueológicos.

Lendas ainda mais pitorescas povoam a Serra da Capivara. Dizem que, numa determinada gruta do parque, depois da meia-noite, acontece um forró de almas muito animado.

- Nunca ouvi, nunca tive paciência de ficar esperando - brinca. Niède. - Quando quero dançar vou à cidade.

O Globo, 15/10/2006, Revista O Globo, p. 40-42
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