O tesouro colorido e desconhecido da caatinga

O Globo - 03/08/2003
Lar de onças, papagaios e tamanduás, desfiladeiros do sul do Piauí são a arca de Noé do sertão.
A imagem da terra nua castigada pela seca com esparsos arbustos de galhos retorcidos é recorrente quando o assunto é a caatinga. Essa é a caatinga que agoniza, uma sombra do que já foi o ecossistema que se estende do norte de Minas Gerais ao sul do estado do Piauí. Mas é justamente no Piauí, o estado mais pobre do país, que está um dos últimos tesouros do mais brasileiro dos ecossistemas, por ser o único que existe apenas no Brasil.

Arco-íris de rochas, árvores, flores e animais
No sul do Piauí, em meio a desfiladeiros e grotões, a caatinga perde o amarelo-esbranquiçado das terras ressequidas e vai muito além do que sugere seu nome tupi - floresta branca. Dos ecossistemas brasileiros, só ela apresenta variações marcantes com as estações. A mudança do clima se traduz em cor. O sertão abrigado pelo Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, sul do Piauí, é verde, dourado, branco e laranja nas folhas de birros, paus d'arco, maçanzeiras, cangaieros, anjicos, jacurutus e tantas outras árvores. Mas há vermelho, amarelo, roxo e azul nas pétalas de orquídeas, cactos e inumeráveis flores silvestres.

Líquen e microorganismos pintaram cânions de rios extintos e impressionantes monólitos de arenito. E, por isso, a rocha exibe manchas laranja-vivo e mantos negros. Nos desfiladeiros, o chão tem o verde, da mata, mesmo na estação seca.

A diversidade da flora se reflete na fauna. E na mata há onças pardas e pintadas, tamanduás-bandeiras, veados e tatus, todos ameaçados de extinção. O mesmo vale para aves, répteis, anfíbios, insetos e aracnídeos.

Mas o parque é um oásis. Integra os menos de 3% da caatinga que recebem proteção. Cerca de 70% do ecossistema foram degradados e até 40% correm risco de virar deserto e aumentar a miséria no sertão. Pois, para o sertanejo, a caatinga é sustento. Fornece lenha, mel, frutos, caça, resinas e plantas medicinais.

- Muito injustamente a caatinga sempre foi o patinho feio do meio ambiente no Brasil. Faltam proteção oficial, políticas públicas e estudos. Mesmo assim, pesquisas recentes comprovam que é possível usar a caatinga de forma sustentável. Para salvar o sertanejo é preciso salvar o sertão - diz o biólogo Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco e um dos autores do mais recente levantamento do ecossistema, "Biodiversidade da caatinga: áreas prioritárias para a conservação", a ser editado pelo Ministério do Meio Ambiente.

O coordenador do estudo, José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente da ONG Conservation International do Brasil, afirma que hoje vemos uma pequena amostra do que a caatinga já foi. Muitos rios secaram, araras desapareceram - é só lembrar da ararinha-azul, extinta na natureza e nativa da caatinga.

- Os brejos nordestinos, como chamamos as áreas de florestas úmidas no alto das serras, e os desfiladeiros, como os da Serra da Capivara, são refúgios. Na época seca, eles se tornam verdadeiras arcas de Noé ao contrário . Em vez de fugir da água, os animais fogem da falta dela. Esses lugares ficam repletos de aves, mamíferos, répteis, anfíbios, que lá encontram sombra e água fresca. Precisamos proteger essas áreas se queremos salvar a caatinga - afirma Cardoso da Silva.

O Parque Nacional da Serra da Capivara é um exemplo de que a proteção dá resultados visíveis. Administrado pelo Ibama em parceria com a Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), o parque é patrimônio cultural da Humanidade da Unesco devido a seus tesouros arqueológicos. À frente da Fundham, a arqueóloga Niède Guidon tem lutado há três décadas pela preservação de toda a região. Graças em boa parte ao empenho de Guidon, cuja fundação paga guardas e mantém guaritas e postos de informação, a caça acabou. E o fim da caça marcou o retorno de animais. Porém, ela teme que a falta de recursos acabe por levar à degradação do parque.

- Esses grandes carnívoros, como as onças, só estão aqui porque há caça para eles, como veados, mocós e pacas - diz Isaque Negreiros, técnico em conservação do parque.
(-O Globo-Rio de Janeiro-RJ-03/08/03)
UC:Parque

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Serra da Capivara
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.