Parque Nacional ameaçado

CB, Brasil, 26 - 16/08/2007
Parque Nacional ameaçado
Sem dinheiro para pagar sequer a gasolina dos carros utilizados para a fiscalização, um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo pode fechar. Área é Patrimônio Cultural Mundial há 16 anos

Renata Mariz
Da equipe do Correio

A falta de recursos para manutenção do Parque Nacional Serra da Capivara, no sudeste do Piauí, chegou ao limite. Sem dinheiro para pagar os funcionários que cuidam da preservação da área, tombada há 16 anos como Patrimônio Cultural Mundial, a arqueóloga Niéde Guidon resolveu fazer um corpo-a-corpo em Brasília para tentar salvar a unidade de conservação, que tem 129 mil hectares e é um dos mais importantes parques arqueológicos do mundo. "Se não conseguirmos recursos no mês que vem, não terá como continuar", diz Niéde, presidente da Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), organização da sociedade civil que, conveniada ao governo federal, administra o parque.
Segundo ela, o último repasse do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ocorreu em agosto de 2005. "Depois disso, se por falta de dinheiro ou excesso de burocracia, não sabemos, não houve mais recursos", explica ela. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão afirmou que em 2007 foram destinados ao Parque Nacional da Serra da Capivara cerca de R$ 56,7 mil. Mas para repasse direto, e não por meio da Fundham. O dinheiro teria sido aplicado em melhorias para a vigilância e conservação da área de preservação ambiental.
Entretanto, o próprio representante do Ibama no parque, Italo Trindade de Carvalho, também teme o fechamento da área ambiental devido à falta de dinheiro. A estrutura disponível para fazer a manutenção e vigilância da unidade de conservação se resume a 30 funcionários, todos terceirizados; três carros tipo Toyota fabricados na década de 70 e uma caminhonete do ano de 2005, adquirida de uma indústria na forma de compensação por desmatamento ilegal. Há seis meses, quatro motos foram compradas, mas continuam paradas por não terem placa, por conta da escassez de verbas.
"Aqui ainda funciona, apesar de tudo, porque uma parte sai do meu bolso, outra do bolso da doutora Niéde, que tem custeado a gasolina para nossos funcionários fazerem a ronda", afirma Carvalho. A situação da Serra da Capivara, assim como dos outros 52 parques de conservação ambiental existentes no país, é crítica há alguns anos. No início de 2006, Niéde quase entregou a área, devido às dificuldades nas finanças. "O que nos salvou foi a doação da Petrobras no âmbito da Lei Rouanet", conta.
A estatal poderia, novamente, evitar o fechamento do Parque, caso o Ministério da Cultura fosse menos burocrático. É que um repasse da Petrobras previsto para setembro, explica Niéde, não pode ser concluído até que seja publicada, no Diário Oficial da União, a revalidação de uma autorização que a Fundham tem para captar recursos no âmbito da Lei Rouanet. "Fizemos o pedido em março e até hoje não temos resposta. Essa burocracia vai acabar com o parque, que é nosso objeto de pesquisa, raríssimo, e vai atingir também os funcionários, que terão de ir embora", lamenta.
Aviso prévio
Atualmente, a Fundham tem 60 funcionários trabalhando na Serra da Capivara, dos quais 40 cumprem aviso prévio atualmente. Em 2003, eram 270 contratados. Funciona ainda, com o apoio da organização sem fins lucrativos, um programa social, que atende cerca de 230 crianças e adolescentes com aulas de português, matemática e artes. O projeto foi selecionado para receber recursos do Criança Esperança, projeto da Rede Globo em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), neste ano.
Entre pesquisadores, o iminente fechamento do Parque Nacional da Serra da Capivara é lamentado. "Um parque arqueológico de fundamental importância, visitado por gente do mundo inteiro, não pode fechar", diz Gustavo Souto Maior, coordenador do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília. A reação do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), após receber ontem a antropóloga Niéde, foi a mesma. "Não vamos deixar que isso (o abandono do parque) aconteça", afirmou. Niéde pediu uma audiência com a ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, para expor o problema. "Vamos tentar mostrar às autoridades a situação de emergência. Espero que consigamos", diz.


Pesquisadora Incansável

As descobertas da arqueóloga Niéde Guidon revolucionaram as teorias mais aceitas sobre a origem do homem americano. Enquanto as teses consagradas apontavam que o homem veio à América pela África, passando pelo Estreito de Behring (região entre a Sibéria e o Alasca), ela encontrou fósseis humanos no Nordeste brasileiro que lançaram dúvidas sobre a questão, ainda polêmica nos dias atuais.
Paulista de Jaú, formada pela Universidade de São Paulo,Niéde integrava uma equipe franco-brasileira quando visitou pela primeira vez a área que se tornou, graças às suas descobertas, o primeiro sítio arqueológico do Piauí, denominado depois de Parque Nacional Serra da Capivara.
Dali, ela nunca mais saiu.
Hoje com 75 anos, e em plena atividade de pesquisadora, tenta levar adiante o Parque Nacional da Serra da Capivara. Fundou, em 1986, a Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), que hoje atua em parceria com o Ibama na preservação e vigilância do parque.
De cabelos brancos e fala tranqüila,a fisionomia só muda quando o assunto é a invasão do parque por caçadores, o maior problema da Serra da Capivara. "Eles chegam, matam, fazem fogo para assar a carne e ainda deixam a fogueira lá, para provocar queimada", diz Niéde, visivelmente exasperada.


Reconhecimento internacional

Criado em 1979 para proteger o mais importante patrimônio pré-histórico do Brasil, o Parque Nacional Serra da Capivara é uma área arqueológica reconhecida internacionalmente por sua importância. A riqueza de vestígios ali encontrados, na década de 70, conservou-se durante milênios, devido à existência de um equilíbrio ecológico, hoje já muito alterado.
O parque fica no sudeste do Piauí, tem 129 mil hectares e é vizinho de oito municípios do interior nordestino. É o único parque nacional com domínio da vegetação de caatingas.
Entre os animais, encontram-se vários tipos de espécies do cerrado, com destaque para onças. Pesquisadores da Universidade de Brasília têm, inclusive, um projeto de estudo sobre as onças da região.
Hoje, um dos maiores problemas do parque é a freqüência de caçadores em sua área.
Para se ter idéia, o Ibama notificou, do dia 1 o de julho até ontem, cerca de 30 perseguidores de animais silvestres.
Há, na Serra da Capivara, 450 km de estradas e trilhas, 128 sítios arqueológicos, 28 guaritas e cerca de 90 funcionários. Boa parte deles, no entanto, foi dispensada este mês, devido à falta de verbas. E das 28 guaritas, apenas 10 contam com vigilantes.

CB, 16/08/2007, Brasil, 26
UC:Parque

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Serra da Capivara
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.