Quando o gelo gera desenvolvimento

Valor Econômico, Agronegócios, p. B16 - 24/09/2015
Quando o gelo gera desenvolvimento

Por Bettina Barros

Os habitantes de povoados ribeirinhos de uma das maiores reservas de desenvolvimento sustentável da Amazônia experimentaram no mês passado uma sensação única: tomar água gelada pelo gelo produzido dentro da área de conservação. Mas, mais importante que isso, afirmam, é que agora será possível formar um estoque regulador com os tucunarés, pirarucus e tambaquis que eles próprios pescam e tinham que desovar na cidade a preços de banana.
A reviravolta teve início com a chegada do gelo na reserva de Amanã, que junto com Mamirauá compõe um importante maciço de floresta tropical protegida no país. E isso está sendo possível graças a um projeto liderado pela Universidade de São Paulo (USP) e patrocinado pelo Google: a elaboração e construção de máquinas de fazer gelo movidas a energia solar.
Desde agosto, três máquinas produzem 90 quilos de gelo por dia, e uma quarta é programada ainda para este ano. O impacto social do projeto é expressivo. O Instituto Mamirauá, responsável pela pesquisa, manejo e assessoria técnica nas áreas das reservas, estima aumento de 12% na renda familiar dos ribeirinhos.
Com o gelo, tornou-se possível uma prática básica em economias modernas: o armazenamento do peixe e a desova de produtos de acordo com os fundamentos de oferta e demanda. "O pescador não pode se dar ao luxo de voltar com peixe pra casa, então vendia pelo preço que pagavam na cidade", explica Otacílio Soares Brito, nascido e criado na Amazônia.
Além do peixe, a população poderá diversificar sua fonte de renda ao trabalhar também as frutas amazônicas, hoje limitadas ao comércio in natura. "Queremos fazer polpa de frutas, que tem um maior valor agregado", planeja Brito, que atua como técnico no instituto.
A inovação foi bolada há alguns anos em um projeto pós-doc no Laboratório e Energia da USP, mas só havia sido testada em ambiente acadêmico e controlado. Aurélio Souza, pesquisador colaborador da USP, diz que fazer gelo nessas condições é fácil. "O desafio era ver funcionando em comunidades, com gestão de máquina. Porque não adianta ser o melhor invento do mundo e não apertar o botão. Nada acontece".
Então veio o Desafio Impacto Social, lançado no Brasil pelo Google, e Souza provocou os pesquisadores da USP a se candidatarem ao edital. Ele defendia que na Amazônia faria ainda mais sentido produzir gelo sem a necessidade de um motor a diesel, como de praxe na região.
Porque para cada quatro litros comprados de diesel, um litro é gasto para se chegar à cidade de Tefé, a mais próxima, e isso depois de oito a dez horas de viagem de barco. Em Amanã e Mamirauá não são só as geladeiras que não chegaram - porque a energia aparece só entre 18:00 e 22:00. As estradas também não existem.
O projeto foi escolhido e contemplado com R$ 500 mil por seu "poder transformador", conforme o presidente do Google no país, Fabio Coelho. "A máquina de gelo solar, do Instituto Mamirauá, é uma perfeita demonstração de como a tecnologia, combinada com a vontade de mudar o mundo, pode transformar completamente a vida das pessoas".
Um ano depois, um amontoado de dezenas de circuitos elétricos, placas solares, cabeamentos e estruturas metálicas produzidos no Paraná e em São Paulo subiram o Brasil e foram montadas em Amanã, na confluência do rio Solimões.
Desde então, os pescadores que iam com peixe barato para a cidade e voltavam com gelo derretendo, passam por um processo de treinamento de gestão das máquinas e técnicas de armazenamento para estender o tempo de vida comerciável dos animais.
Quarenta pessoas do vilarejo de Vila Nova estão sendo beneficiadas com a produção de gelo. Mas é só o início, diz Brito.
Com 2,3 milhões de hectares, Amanã abrange terras dos municípios de Maraã, Barcelos e Coari e é morada de 3.600 pessoas.


Valor Econômico, 24/09/2015, Agronegócios, p. B16

http://www.valor.com.br/agro/4238910/quando-o-gelo-gera-desenvolvimento
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