Serra da Capivara fecha em setembro, ameaça Guidon

FSP, Ciência, p. A19 - 18/08/2007
Serra da Capivara fecha em setembro, ameaça Guidon
Arqueóloga volta a dizer que a situação financeira do parque nacional é crítica
Pesquisadora, que chegou a afirmar que iria embora do Brasil no ano passado, pede orçamento fixo para a área e reclama do governo

Leandra Peres
Da sucursal de Brasília

Depois de dois dias de embates com a burocracia, a arqueóloga Niède Guidon afirma que, sem dinheiro extra, o Parque Nacional da Serra da Capivara, no interior do Piauí, fecha as portas em setembro.
Acostumada à briga anual por mais verbas, a cientista defende que os parques nacionais tenham um orçamento pré-definido e critica a criação do Instituto Chico Mendes, órgão recém-aberto para cuidar das unidades de conservação.
Famosa -e polêmica- por propor a presença do homem nas Américas há 50 mil anos, a pesquisadora paulista de origem francesa é administradora do parque da Serra da Capivara, o maior conjunto de pinturas rupestres do Brasil. O parque foi declarado Patrimônio Cultural Mundial pelas Nações Unidas em 1991. Tem catalogados mais de 360 sítios com pinturas, datadas de 12.000 a 3.000 anos atrás.
Em Brasília, a arqueóloga de 75 anos concedeu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - O Parque Nacional da Serra da Capivara será mesmo fechado em setembro?

Niède Guidon - Se não entrarem mais recursos, seremos obrigados a fechar. A Petrobras nos repassaria todo ano cerca de R$ 1,7 milhão. Uma parte deveria chegar em setembro. Mas isso depende de o Ministério da Cultura aprovar o pedido que nos autorize a receber recursos da Lei Rouanet. Pedimos em março, e até hoje não saiu.

Folha - Não é a primeira vez que a senhora ameaça fechar o parque por falta de recursos.

Guidon - Há anos que estamos trabalhando nesse sistema. Chega dinheiro, todo mundo suspira aliviado e continua trabalhando. Mas é um estresse muito grande. É por isso que estamos lutando para conseguir um orçamento fixo para o parque. O governo federal deveria garantir isso. O que nos tem salvo esses últimos anos tem sido a Petrobras. A Chesf já nos fez doações, a Caixa Econômica, os Correios.

Folha - Por que apenas estatais?

Guidon - O parque nacional deveria ser sustentado pelo Ibama, e a proteção dos sítios arqueológicos deveria ser feita pelo Iphan. Acontece que esses órgãos não têm recursos.

Folha - Mas o problema é falta de dinheiro?

Guidon - O Ibama tem 8.000 funcionários em Brasília. Em Teresina, tem tanto funcionário que não há mesa para todo mundo. No parque eu tenho um funcionário do Ibama e 23 guardas terceirizados. Nesses últimos meses, o serviço não parou porque a fundação [Museu do Homem Americano, a organização não-governamental que administra o parque] está pagando o combustível. Apenas 5 das 28 guaritas no entorno do parque têm funcionários.

Folha - O parque tem orçamento mensal de R$ 200 mil. Quanto seria necessário para funcionar bem?

Guidon - Entre R$ 400 mil e R$ 500 mil por mês.

Folha - O governo decidiu dividir o Ibama e transferir as atividades de conservação para o Instituto Chico Mendes. Isso pode melhorar a situação dos parques nacionais?

Guidon - Ali na região, o Incra faz coisas que são contrárias ao que o Ibama defende. Agora você já imaginou Chico Mendes e Ibama? O Piauí não vai ter uma representação do Chico Mendes. Vamos depender do Maranhão. Quando o dinheiro chega a Teresina, não chega até a Serra da Capivara. Agora, que vai chegar lá no Maranhão, nós não vamos ver nada.

Folha - Quantos visitantes o parque recebe hoje?

Guidon - Em 2003, havia chegado a 15 mil, o que é ridículo. Mas choveu muito em 2004, e as estradas ficaram completamente arrebentadas. Aí as pessoas desistiram de ir. É por isso que o aeroporto em São Raimundo Nonato [cidade mais próxima do parque] é essencial.

Folha - O aeroporto já começou a ser construído?

Guidon - Uma pequena empresa do Piauí, sem nenhum currículo para fazer aeroporto, ganhou a licitação. Começou a desmatar e logo pediu um aditivo contratual de R$ 12 milhões, o que é completamente ilegal. Foi desmatada a pista, começaram a fazer a terraplenagem. Pararam. Daí veio a chuva e levou tudo embora.

Folha - Se 15 mil visitantes é um número ridículo de turistas, qual o potencial do parque?

Guidon - Uma firma suíça fez um estudo da região em 1998. Definiram que, uma vez que o aeroporto estivesse pronto e houvesse hotéis, receberíamos 3 milhões de turistas por ano.

Folha - Se o potencial é tão grande, porque falta investimento?

Guidon - Não sei. Trabalho na região desde 1973 e vi várias vezes coisas como, por exemplo, a BR-020. A estrada foi asfaltada, mas o trecho que chega até São Raimundo ficou sem pavimentação até os anos 1990. Vinha dinheiro e o dinheiro sumia. A tal ponto que as pessoas lá têm a piada de que em Teresina faz tanto calor que o dinheiro chega de Brasília e derrete.

Folha - Os programas sociais do governo federal chegam até a população pobre que habita o entorno do parque?

Guidon - Chegam! Está cheio de Bolsa Família. Tem gente miserável que não recebe, tem gente que é de família de político que recebe R$ 750,00 por mês de tanto cartãozinho. É costume local que políticos paguem seus funcionários particulares, como a empregada, com cartões do Bolsa Família.

Folha - Que avaliação a senhora faz do governo Lula em comparação ao governo FHC?

Guidon - Para o Brasil, eu não sei dizer. Não tenho vocação para política. Para a administração do parque, existe uma diferença: no governo anterior, eu conhecia pessoas. Numa hora de desespero, eu chegava ao Palácio do Planalto e tinha acesso ao vice-presidente. Fernando Henrique foi meu contemporâneo na USP.

FSP, 18/08/2007, Ciência, p. A19
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