Um elo de 13 mil anos

O Globo, Sociedade, p. 23 - 16/05/2014
Um elo de 13 mil anos
Esqueleto achado em caverna no México reforça chegada do homem à América pelo Estreito de Bering

RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com.br

Naia, de 15 ou 16 anos, caiu dentro de uma grande e seca caverna e, com a queda, quebrou o quadril. Sua morte ocorreu há 12 mil ou 13 mil anos e, hoje, é comemorada pela comunidade científica. O esqueleto da adolescente foi encontrado quase completo no mesmo local, que agora está submerso, a 39 metros de profundidade. Em um estudo publicado esta semana na revista "Science", uma equipe internacional com pesquisadores de 15 áreas anuncia que os vestígios da garota podem confirmar que o homem chegou às Américas somente pela Beríngia, uma região entre a Rússia e o Alasca hoje cortada pelo Estreito de Bering. O achado, portanto, enfraquece as diversas outras teorias que apostavam em rotas alternativas. Além disso, os primeiros povoadores teriam uma ligação direta com os atuais indígenas.
A adolescente não se parece com outros esqueletos analisados nas Américas. A datação com radiocarbono de seu esmalte dental e o estudo de depósitos minerais em seus ossos demonstraram como ela era mais antiga do que outros esqueletos já estudados - a maioria tem cerca de dez mil anos.
Os americanos "antigos" como Naia - também chamados de paleoamericanos - não se pareciam com os nativos. A adolescente tinha menos de 1,5 metro, crânio pequeno e estreito, grandes olhos e testa proeminente. Lembraria mais um africano. Seus traços físicos parecem com os do "Kennewick Man", descoberto há cerca de 20 anos ao longo do rio Columbia, no estado americano de Washington.
LINHAGEM DO HOMEM MODERNO
A análise do corpo de Naia foi suficiente para derrubar essa teoria. Para entender a sua linhagem e seu vínculo com os nativos modernos, os cientistas extraíram amostras de DNA muito bem preservadas de um dos molares da adolescente.
O estudo foi concentrado no DNA mitocondrial - aquele que passa de mãe para filho e, por isso, é uma ferramenta útil para examinar a relação entre populações.
O levantamento revelou um haplogrupo comum ao sub-haplogrupo D1, que é visto nos americanos "modernos". Os haplogrupos são séries de alelos específicos de um cromossomo e servem para definir geneticamente uma população. Este marcador é visto somente nas Américas. Provavelmente foi desenvolvido na Beríngia depois que a população da região se separou da asiática.
Trata-se, então, de uma prova de que todos os americanos vieram da mesma região, graças à expansão populacional vista na Beríngia.
- As grandes novidades são a ligação entre estudo das diferenças cranianas de nativos modernos e paleoamericanos e a presença do haplogrupo D1 nos dois grupos - ressaltou ao GLOBO Deborah Bolnick, professora assistente de Antropologia da Universidade do Texas em Austin (EUA), uma das pesquisadoras que assinam o estudo. - Até hoje, nunca houve estudos genéticos desses paleoamericanos, então se acreditava que eles vieram em um momento diferente para as Américas, mas o estudo mostra que isso não é verdade.
De acordo com Deborah, o estudo de Naia descarta a hipótese de que os paleoamericanos migraram do Sudeste Asiático, da Austrália e da Europa.
TRABALHANDO NO ESCURO
O esqueleto de Naia foi descoberto pelo mergulhador Alberto Nava em 2007, quando ele explorava uma caverna com águas cristalinas na Península de Yucatán, no Sul do México. Nava, acompanhado por dois colegas, desceu até chegar a uma câmara escura, que batizou de Hoyo Negro (buraco negro). Três meses depois, a equipe voltou à caverna equipada com holofotes e encontrou o esqueleto de Naia.
- Assim que entramos, percebemos como aquele local era incrível. Tudo estava envolvido pela escuridão - conta Nava. - Sentimos que havia grandes formas de vida naquele vazio.
A fossa onde morreu Naia foi submersa há cerca de 10 mil anos, com o derretimento de geleiras.
Além dos vestígios da adolescente, os mergulhadores também encontraram peças menos preservadas de esqueletos humanos e de animais extintos, como uma espécie de preguiça e um parente do elefante, conhecido como gomphothere.
- Encontramos outros ossos humanos, mas menos completos e em estado mais precário do que o de Naia - destaca Yemane Asmerom, professora de Geoquímica e diretora do Laboratório de Isótopos Radiogênicos da Universidade do Novo México.
- Ela nos ajudou a estabelecer uma sequência temporal. Mas ainda precisamos concluir seu sequenciamento genético e descobrir mais sobre o ambiente que a cercava, como a fauna com que interagia e o contexto cultural da população local.
Os cientistas envolvidos com o estudo acreditam que as cavernas subaquáticas de Yucatán podem servir como uma promissora fonte de novos estudos.
Segundo o arqueólogo Jim Chatters, as investigações devem manter o ritmo com as descobertas recentes. É preciso, no entanto, tomar cuidados com a forma como serão explorados - os depósitos de ossos estão em um estado vulnerável e alojados no chão da caverna.
- Para o pesquisador, um dos aspectos mais difíceis é trabalhar sem conseguir enxergar bem - destaca. - Precisamos criar novas abordagens, treinar equipes e esperar até três ou quatro horas para ver se uma coleta de materiais funcionou ou se foi malsucedida.
Os primeiros resultados, porém, já emocionam Chatters:
- Depois de 20 anos de pesquisa, finalmente temos uma resposta sobre quem foram os primeiros americanos.


Ainda há desacordo sobre como de fato se deu a 'conquista'
Hipóteses falam até no uso de barcos pelos primeiros humanos que teriam colonizado o atual território americano

Apesar de a descoberta do esqueleto de Naia, nas cavernas da Península de Yucatán, no México, ter reforçado a tese de que o homem chegou ao continente americano pelo Estreito de Bering (no mapa, em rota assinalada pelas setas amarelas), é vasto o número de teorias a respeito desse deslocamento. Entre elas, há estudos genéticos que tentam determinar se o homem moderno teria descido a costa em barcos a partir da Ásia (setas azuis). A data de início da migração do homem moderno também provoca divergências.
Há pouco tempo, a teoria era de que ele tinha deixado a África Subsaariana 60 mil anos atrás. Estudos mais recentes, porém, especulam que a migração começou há 16 mil anos.
A data da chegada ao continente é outro item de desacordo. Segundo a teoria de Clóvis, o homem atingiu as Américas há cerca de 13 mil anos. Em março passado, porém, foram descobertas ferramentas de ferro datadas de 22 mil anos atrás nas cavernas do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Ou seja, nove mil anos antes do que indica o modelo.

O Globo, 16/05/2014, Sociedade, p. 23

http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/esqueleto-encontrado-em-caverna-submersa-do-mexico-liga-antigos-modernos-nativos-americanos-12496348
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